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    BID aponta que confiança pode ser elemento chave para o desenvolvimento socioeconômico

    Entidade enxerga período pós pandemia como momento ideal para reformas e esforço por aumento da confiança

    Vital Netoda CNN , São Paulo

    O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicou nesta quinta-feira (13) um estudo sobre a falta de confiança, de modo geral, na América Latina e Caribe, onde apenas um em cada dez cidadãos acredita que outras pessoas e instituições sejam confiáveis.

    A publicação, obtida com exclusividade pela CNN, aponta que aumentar a confiança pode ser um elemento chave para o desenvolvimento socioeconômico no Brasil e na América Latina.

    No relatório “Trust: The Key to Social Cohesion and Growth in Latin America and the Caribbean” (Confiança: a chave para coesão social e crescimento na América Latina e Caribe) foi observado que a confiança está relacionada a questões de desenvolvimento econômico, de política e de cidadania.

    Além do panorama, o estudo apresenta um conjunto de propostas para aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições, nos negócios e nas relações pessoais.

    Na América Latina, a confiança é mais baixa do que em outras regiões do mundo. O Brasil, onde apenas 4,7% das pessoas afirma confiar nos outros, tem a pior pontuação neste quesito. A confiança, de modo geral, diminuiu na média mundial, de 38% no período de 1981-1986 para 26% no novo período de análise, 2016-2020. Na América Latina e Caribe, essa queda foi ainda mais significativa, de 22% para 11%.

    O representante do BID no Brasil, Morgan Doyle, afirma que o relatório aponta que a América latina e Caribe possuem uma maior desconfiança do que outras regiões do mundo por questões como desigualdade e concentração de renda. No entanto, ele destaca que as raízes da falta de confiança na região são históricas.

    “A questão da colonização e até da escravidão, que criaram grupos diferentes e opostos, deixou como histórico uma uma falta de confiança entre as pessoas”, destacou Doyle, em entrevista à CNN.

    Também é observado como a elaboração de políticas públicas que atuem para, por exemplo, fortalecer instituições, aumentar a segurança jurídica e ampliar a transparência podem exercer papel fundamental na redução da desconfiança.

    “Maior confiança significa menos burocracia que onera as empresas e prejudica os investimentos e a inovação. Significa governos mais transparentes que estão comprometidos com o cumprimento de suas promessas e com a prestação de contas”, afirma o Presidente do BID, Mauricio Claver-Carone. “E, por fim, significa cidadãos engajados que expressarão sua opinião e participarão para fortalecer as democracias e apoiar sociedades mais inclusivas.”

    A publicação traça uma correlação entre a confiança – e a falta dela – com diversos indicadores socioeconômicos, entre os quais se destacam a força da democracia, crescimento da economia, produtividade e inovação.

    Comunicação BID Brasil

    Confiança

    O estudo publicado pelo BID trata a confiança como a crença de que outras pessoas ou instituições não agirão de modo oportunista. Outras definições para a confiança passam pela segurança que as pessoas têm naquelas com quem mantém relações pessoais ou de negócios e a crença de que algo vai funcionar conforme previsto.

    A desconfiança pode impactar a capacidade de uma empresa ou governo de atrair investimentos ou arrecadar impostos. Além disso, pode estar associada a maior desperdício de recursos com burocracias ou conflitos. A falta de confiança também faz com que cidadãos sejam menos engajados politicamente e cobrem menos por serviços públicos de qualidade, assim como reduz as chances de denúncias ou combate à corrupção.

    Panorama de desconfiança

    De acordo com os dados analisados pelo BID, o Uruguai é o país da América Latina com maior confiança geral. O país que faz fronteira com o Rio Grande do Sul é o único na região a ter percentual de confiança superior a 20%. Com 4,7% de confiança, o Brasil é o país latino-americano com maior desconfiança.

    Entre grupos ou instituições, os latino-americanos confiam mais na família, na igreja e nos vizinhos. Já partidos políticos, o sistema judiciário e o congresso são o foco de maior desconfiança na região. A confiança em bancos também é menor na América Latina do que em outras regiões.

    A confiança dos latino-americanos nos governos é de 29%, ante 38% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – organização que reúne as economias mais avançadas do mundo – e 50% no resto do mundo.

    Impacto na economia

    A publicação do BID apresenta diversos dados que correlacionam a confiança com questões econômicas. Entre os quais destacam-se a baixa produtividade, menor inovação e ambiente menos favorável para negócios. Países com menor confiança também possuem menor renda per-capita.

    Morgan Doyle, representante do BID no Brasil, conta que o resultado de uma enquete, realizada há três anos com milhares de trabalhadores, revelou que a desconfiança entre funcionários dentro das empresas é um empecilho para inovação e investimentos.

    A baixa confiança nas instituições públicas pode estar associada a menor capacidade de governos arrecadarem impostos, já que se empresas e cidadãos não confiarem na destinação dos recursos podem passam a omitir receitas e sonegar impostos.

    Países com menor confiança tornam trâmites burocráticos mais lentos e mais caros, como na abertura de empresas ou elaboração de contratos, o que colabora também para aumento da corrupção.

    Confiança e Cidadania

    O BID também mostra que os cidadãos da América Latina confiam menos nas instituições policiais e judiciais do que em outros continentes. Isso leva a uma menor chance de pessoas procurarem as autoridades quando precisam, o que colabora para a perpetuação de um ambiente de impunidade.

    O baixo engajamento social devido a desconfiança nas instituições públicas é outro ponto destacado pela publicação. Com isso, os cidadãos cobram menos as autoridades, participam menos da proposição de políticas públicas e estão menos dispostos a fazerem concessões pessoais em prol do bem da maioria.

    A baixa confiança também tem relação com a menor honestidade. Em um experimento no qual uma carteira com dinheiro e chaves eram deixadas no chão para medir quantos transeuntes devolveriam os objetos, a América Latina ficou abaixo dos países da OCDE e abaixo da média global. Outras regiões do resto do mundo tiveram resultados similares.

    Propostas

    O texto da publicação do BID afirma que o ambiente de baixa confiança na América Latina dificulta a tarefa dos países da região superarem os desafios que têm pela frente, tais como a desigualdade, baixa taxa de crescimento, imigração e alterações climáticas.
    Para tratar o problema da desconfiança, a publicação propõe três eixos de reformas e alterações de políticas públicas: redução da desigualdade de poder, aumento da transparência e integração da questão de confiança nas ações de cidadania.

    A redução da desigualdade de poder passa por reformas no judiciário, para tornar o sistema mais ágil e previsível, o que daria maior confiança dos cidadãos e empresas na resolução de conflitos. Também é necessário fortalecer instituições que dão poder ao próprio cidadão, como canais de denúncia e ações coletivas.

    O aumento da transparência exige que os agentes públicos divulguem com mais clareza suas decisões e assumam as responsabilidades por elas. Dados sobre mortalidade, educação, abuso policial e outras informações de interesse público devem ser disponibilizadas ao público. Assim como agências reguladoras devem atuar com clareza e transparência para evitar danos aos mercados.

    Doyle acredita que o Brasil tem uma grande oportunidade para aumentar a confiança, de modo geral, e colher frutos dos benefícios que isso traria para os negócios e para a sociedade.

    “O aumento da confiança poderia trazer um grande benefício para alcançarmos uma integração regional mais firme, cadeias de abastecimento mais fortes, com participação de pequenas e médias empresas, mais produtivas e com maior digitalização”, afirmou. Entendemos que [precisamos] colocar a confiança no centro no nosso debate e todos trabalharmos para aumentar essa confiança entre as pessoas, as empresas e os governos”.

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