Barril a US$ 100 abre oportunidades ao Brasil, diz entidade do setor de óleo e gás
Especialistas advertem, no entanto, para os efeitos do preço do barril sobre os combustíveis e outros derivados, pesando nos custos das famílias e de todo o setor produtivo
A cotação do petróleo na casa dos US$ 100, o que não se via desde 2014, traz oportunidades para um país que, como o Brasil, se tornou um grande produtor e também exportador da commodity ao longo da última década. Segundo a diretora-executiva corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Fernanda Delgado, as produtoras de petróleo devem ser beneficiadas como um todo pelo desequilíbrio no mercado, com a Rússia perdendo espaço como fornecedora devido a sanções pela guerra com a Ucrânia.
“Isso abre a possibilidade de importar de outro fornecedor”, diz. “Pode reativar Venezuela, reativar Irã, e abre também possibilidade para o Brasil, um mercado já consolidado, não é adormecido como os outros dois, pode ser um supridor de petróleo considerando esse momento inicial”, avalia Delgado.
Nesse cenário, o Brasil pode ser beneficiado com um aumento de demanda e ganho de fatia no mercado internacional, incentivando a produção no país e aumentando os lucros das empresas.
O professor da Unesp e analista da Levante, Flávio Conde, divide os efeitos da guerra sobre o setor de petróleo e gás no Brasil em dois momentos: antes e depois do anúncio da Petrobras de reajuste nos preços dos combustíveis, na quinta-feira (10).
Antes do reajuste, o segmento mais beneficiado era o de produtoras de petróleo bruto que vendem diretamente no preço do mercado internacional. É o caso da PetroRio e da 3R Petroleum, menos beneficiada por ter menos poços de extração.
No caso delas, o lucro é diretamente ligado ao preço do petróleo. Se ele sobe, como ocorreu de janeiro para cá, o faturamento avança também.
A situação é diferente para a Petrobras. Segundo Conde, a empresa só ganha quando faz o reajuste no preço dos combustíveis nas refinarias, evitando prejuízos quando compra o petróleo a um preço maior no exterior do que o praticado no mercado interno.
“Antes do reajuste, eu calculava um prejuízo de R$ 12 bilhões no primeiro trimestre com essa diferença. Era um gasto adicional para não repassar preços”, diz.
Em média, os reajustes da Petrobras têm demorado entre 50 e 60 dias, um tempo que o analista considera razoável em condições normais do mercado, mas não na atual, de alta brusca da commodity.
Com a redução da defasagem em relação ao exterior, indo de em torno de 25% para 4%, é agora que a estatal deve começar a ver os ganhos.
Já nas estimativas de Décio Oddone, ex-presidente da ANP e atual presidente da petroleira Enauta, os prejuízos para o país com um petróleo mais caro são cerca de três vezes maiores que os ganhos. Para ele, porém, o cenário atual já é um avanço em relação a um passado não muito distante, quando o país era ainda completamente dependente das importações.
“Para cada aumento de US$ 1 no valor do barril de petróleo, o Brasil tem um aumento da ordem de R$ 1 bilhão com arrecadação, mas o impacto dos aumentos dos principais derivados é da ordem de R$ 3 bilhões a mais em custos para a sociedade”, disse.
Isso acontece, explica, porque, embora tenha atingido a autossuficiência no petróleo bruto e se tornado exportador, o Brasil ainda depende da importação de derivados como os combustíveis, para complementar o consumo nacional.
“Ainda é uma conta deficitária, mas já são recursos que ajudam a compensar parte dos aumentos. Antes, o Brasil só perdia. Nos anos 80, quando ainda éramos grandes importadores, uma crise de petróleo era uma crise dupla: além dos aumentos de preços, ainda tínhamos uma crise de dívida externa”, acrescenta Oddone.
David Zylbersztajn, ex-diretor da ANP, reforça que os efeitos negativos de um petróleo tão alto podem ser maiores do que os benefícios dos ganhos.
“No balanço, está sendo ruim para o mundo todo e não vai ser diferente para o Brasil”, disse Zylbersztajn, que também é professor da PUC-Rio. “Para a Petrobras, barril alto é bom negócio, mas é negativo para quem precisa comprar. Petróleo é insumo para muita coisa, de transporte rodoviário e aviação até o botijão de gás. Não vai ter jeito, tudo vai ficar mais caro.”
Já o pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ceri), o economista Diogo Lisbona, observa que “com mais vendas, há maior arrecadação de royalties, participações especiais e de impostos para os governos”.
“A Petrobras também pode renovar seu lucro recorde, o que amplia o pagamento de dividendos”, acrescenta, lembrando que a União continua sendo o principal acionista da petroleira e dividendos mais gordos significam uma injeção de bilhões de reais diretamente nos cofres do Tesouro Nacional.
Retomada da economia na pandemia
No Brasil, como em outros produtores, os efeitos da disparada do petróleo já foram percebidos em 2021, com a demanda aquecida pela retomada das atividades após um período de restrições impostas pela pandemia de covid-19. Por aqui, o país bateu no ano passado recorde de receita com exportações de petróleo. Foram US$ 30,6 bilhões com as vendas externas do produto, mesmo a produção tendo ficado 3,5% menor em relação ao ano anterior, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O valor, inédito, representou um aumento de 56% sobre 2020 e de 27% sobre 2019, antes dos efeitos recessivos do primeiro ano da pandemia.
A Petrobras também registrou em 2021 o maior lucro de sua história –foram R$ 106 bilhões, 1.400% mais que em 2020. O valor ajudou a garantir a seus acionistas o recorde de R$ 101,4 bilhões em dividendos, sendo R$ 37,3 bilhões só para o caixa da União.
Saiba mais sobre o petróleo e como funciona a sua cotação
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”589730″ title_galeria=”Saiba mais sobre o Petróleo e como funciona a sua cotação”/]