Banco Central acerta na política econômica, avaliam especialistas
Taxa Selic se encontra atualmente em 13,75% e tem sido criticada por Lula pelo nível alto
Se o Banco Central (BC) decidir reduzir a taxa Selic, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido repetidamente em suas aparições públicas, o resultado poderia ser a perda do controle sobre os preços e um aumento da inflação, de acordo com economistas consultados pela CNN.
Desde que Lula passou a questionar o patamar elevado em que a taxa básico de juros se encontra, instaurou-se uma tensão contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que tem mandato na entidade independente até 2024.
As recorrentes falas de Lula sobre os impactos dos juros altos na economia brasileira querem pressionar o Comitê de Política Monetária (Copom) a reduzir a taxa básica na próxima reunião, marcada para os dias 21 e 22 de março.
Entretanto, economistas ressaltaram à CNN que os discursos do petista podem ter efeito contrário, e o embate com Campos Neto pode ter efeito elevando os juros futuros, que são as expectativas a longo prazo. Além disso, a inflação poderia voltar com mais força não estando totalmente controlada, algo que Campos Neto e a equipe do BC tentam evitar que ocorra.
“Não vejo nenhuma condição de o Banco Central atender a esses apelos emocionais e a pressões do governo, porque seria uma catástrofe – para a economia e para a sociedade”, disse o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio fundador da Tendência Consultoria.
Entre os efeitos, Nóbrega explica que Campos Neto “baixar a cabeça” e permitir um corte nos juros antes de haver condições econômicas para isso levaria a uma rápida piora das expectativas, o que tem efeito imediato sobre indicadores como os juros futuros e a taxa de câmbio.
“A percepção seria de que acabou a independência do Banco Central. Os juros futuros subiriam muito, impactando o custo do Tesouro Nacional e o crédito na economia, e isso desaceleraria ainda mais o crescimento. A fuga de capitais provocaria depreciação forte do câmbio, que ampliaria a aceleração da inflação. Ou seja, um completo e perfeito desastre”, avalia o ex-ministro.
Embora o resultado, nesse cenário, fosse de uma Selic, a fórceps, mais baixa, e mais cedo, os economistas explicam que o que importa para a economia real são os juros de longo prazo.
“Quando o Lula fala de juros, ele fala do curto prazo, do overnight”, explicou Alexandre Chaia, professor do Insper. “Mas nenhum banco empresta dinheiro pensando nesta taxa, nenhum empresário pega empréstimo de curto prazo. Então ele deveria entender que o Banco Central está pensando nos juros futuros, que a cada ataque do Lula sobem mais.”
“O papel do BC é se preocupar com a inflação, e a inflação tem que perder força para que os juros passem a cair. Mas se o presidente insistir em brigar com o BC, as expectativas sobre os juros vão continuar subindo”, acrescentou Chaia.
Fazenda x Banco Central
Acenos da equipe econômica do governo, como os compromissos com algum controle fiscal sinalizados nos primeiros anúncios do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ajudam a tirar pressão dos juros, mas, na visão de Maílson da Nóbrega, não é o que vai pavimentar o caminho para juros mais baixos, agora.
“Tudo não passa ainda de boas intenções”, disse ele. Entre os maiores marcos, Haddad anunciou no começo do ano um primeiro grande pacote de pente fino nos gastos do governo e, nesta semana, também confirmou o retorno parcial dos impostos federais sobre combustíveis.
Ainda para os próximos meses, promete entregar sua proposta para a nova regra fiscal que deve substituir o teto de gastos, além de abrir a discussão para a aguardada reforma tributária.
“O ministro tem tido uma postura adequada nas ideias que transmite, mas não há nada aprovado, o Congresso tem que aprovar”, disse Nóbrega. “Até lá, o que temos hoje no Brasil é uma situação em que o BC está pisando no freio e, a política fiscal, no acelerador. Isso gera desequilibro e reduz a eficácia da política monetária.”
“Choque de oferta”
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, especializado em política monetária, também rebate um argumento a que Lula e apoiadores têm recorrido com frequência nessa discussão: a de que a inflação vivida pelo Brasil não é causada por uma demanda aquecida, mas, sim, por choques de oferta.
Isso, pelo raciocínio, tornaria inócua a ação de qualquer elevação de juros, cujo principal efeito é, justamente, esfriar o crédito e o consumo.
“É papel do Banco Central controlar a inflação independentemente da origem, ou seja, independente de ser uma inflação de oferta ou de demanda”, diz Sanchez.
“A única coisa que muda, com isso, é o canal em que o BC atual. Mesmo que seja um choque de oferta, ainda assim, cabe ao Banco Central combater os efeitos secundários desse choque e que eles se espalhem para a inflação futura.” Para isto, explica, o remédio é o mesmo: os juros.
Resposta rápida
A agilidade com que o Brasil respondeu aos primeiros sinais de alta de inflação, ainda em 2021, é um dos pontos indicados pelos economistas que favoreceram, também, um alívio mais rápido nos preços.
O banco central brasileiro foi um dos primeiros do mundo, entre as principais economias, a começar a subir sua taxa básica de juros, a Selic, depois que a depressão econômica global causada pela pandemia, em 2020, começou a se converter em um choque inflacionário que atingiria o mundo todo, a partir de 2021.
Foi também a escalada de juros mais rápida em pelo menos duas décadas no Brasil: a Selic saiu de 2% em fevereiro de 2021 para 13,75% em agosto de 2022. Economias líderes, como os Estados Unidos, e também de países emergentes semelhantes, como o México, são outras que seguiriam o mesmo caminho mais tarde.
Como resultado, o Brasil está, atualmente, com uma das inflações mais baixas entre as principais economias do mundo.
A agilidade é, também, o que deve permitir que o BC brasileiro comece a cortar os juros mais cedo do que os outros – caso os conflitos políticos e o cenário fiscal não baguncem mais as expectativas e atrapalhem a rota.
“O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a subir os juros no atual ciclo, e, em 1º de fevereiro, optou pela quarta reunião seguinte por manter a taxa”, disse a agência de classificação de risco Moody’s em relatório em que compara a política monetária do Brasil e do México.
“Em contraste, o banco central do México (Banxico) subiu sua taxa em 0,5 ponto, para 11%, em 9 de fevereiro, e segue aberto à possibilidade de novas altas, já que a inflação começou a ceder apenas recentemente e o núcleo de inflação continua insistentemente alto.”
Pela prévia de fevereiro, a inflação brasileira está atualmente em 5,9% em 12 meses. No México, é de 7,8%.
“Cortes na taxa de juros do Brasil no segundo semestre só devem acontecer se houver sólida evidência de que a inflação está convergindo para a meta. No México, é pouco provável haver cortes ainda em 2023”, completa a Moody’s.
Chaia, do Insper, também explicou a relação da alta de juros com a dívida pública, e porque a situação brasileira, que tem uma dívida pública desproporcionalmente mais alta que a de outros pares emergentes, é diferente da de outros países, como do México, por exemplo.
“No México, a maior parte dos títulos é pré-fixado, enquanto no Brasil temos muitos títulos atrelados à Selic. Portanto, se os juros sobem, a dívida vai nesse sentido. Mas o impacto dos juros nas contas públicas não é o principal problema, e sim os gastos do governo. É preciso termos uma âncora fiscal o mais rápido possível”, destacou.