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    Auxílio emergencial foi pago para sócios de empresas que combatem a pandemia

    Ao menos 218 sócios de empresas que fecharam contratos com governos para prestação e diversos serviços já receberam ao menos uma parcela do benefício

    Cecília do Lago, Luiz Fernando Toledo e Roberta Russo, , da CNN, em São Paulo

    Um pente-fino feito pela CNN a partir do cruzamento de várias bases de dados governamentais identificou que ao menos 218 sócios de empresas que fecharam contratos com governos para prestação de diversos serviços ou venda de produtos para combate ao coronavírus, como luvas e máscaras, já receberam em suas contas ao menos uma parcela do auxílio-emergencial. 

    Em alguns casos, esses contratos sem licitação e com dinheiro público são de mais de R$ 1 milhão, mas mesmo assim alguns donos dessas empresas receberam o benefício, voltado a pessoas em situação econômica vulnerável durante a pandemia do novo coronavírus.

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    Isto não significa que esses empresários tenham cometido alguma irregularidade – é possível que o pagamento tenha sido feito de forma automática, por exemplo, ou que tenham sido vítimas de fraude, por exemplo. Mas revela a fragilidade dos critérios de pagamentos do benefício, dados a pessoa que têm outros recursos .

    Desde o início dos pagamentos do auxílio, o Ministério da Cidadania já suspendeu preventivamente os R$ 600 mensais de 74.682 CPFs de sócios de empresas que apareciam em registros públicos, em 2018, com cinco ou mais empregados, seguindo uma lista feita pela Controladoria-Geral da União (CGU). 

    A pasta também está fazendo uma análise mais detalhada para o cancelamento e ressarcimento dos pagamentos. Os dados obtidos pela reportagem mostram que outros cruzamentos ainda podem ser feitos para evitar pagamentos indevidos.

    Ao analisar caso a caso, a CNN encontrou situações diversas: empresário que admitiu o pedido e que agora afirma que irá devolvê-lo, outros que negam ter feito o pedido pelo auxílio e até supostos laranjas dessas empresas em contratos que passaram a ser investigados pelas autoridades.

    O auxílio-emergencial foi aprovado pelo governo federal para ajudar as famílias mais necessitadas e prevê diversos critérios. Para recebê-lo, é preciso pertencer a uma família cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo (R$ 522,50) ou cuja renda familiar total seja de até 3 salários mínimos (R$ 3.135). Pessoas com emprego formal ativo não têm direito, bem como aqueles que receberam rendimentos tributáveis acima do teto de R$ 28.559,70 em 2018, de acordo com declaração do Imposto de Renda. Não há critérios específicos para patrimônio.

    Para  chegar aos nomes, a reportagem fez uma série de cruzamento de bases de dados públicas e contratos. Foram consideradas as informações de nome e CPF mascarado da Receita Federal, organizados pelo site Brasil.IO, as bases da Controladoria-Geral da União (CGU) de beneficiários do auxílio-emergencial, um levantamento da CGU sobre contratos já feitos pela União, estados e municípios e, por fim, as cópias dos contratos nos estados, que trazem informações mais detalhadas.

    Receberam sem pedir pelo benefício 

    Além dos que admitem, ao menos três dos procurados pela CNN e que receberam o auxílio-emergencial negaram tê-lo pedido, mesmo depois de terem sido pagas várias parcelas do benefício. Eles confirmam que têm renda, não precisam do auxílio e prometeram devolver o recurso recebido – dois deles até enviaram o comprovante da devolução. 

    Uma empresa em que Artur Braga é sócio, por exemplo, tem ao menos dois contratos para aquisição emergencial de medicamentos com o governo de Alagoas, um de R$ R$ 577 mil e outro de R$ 448 mil, firmados em junho e julho deste ano. Ao menos três parcelas já foram pagas ao empresário e uma quarta está agendada para julho, mesmo depois de o contrato ter sido firmado. 

    O empresário confirmou o recebimento, mas disse que nunca solicitou o dinheiro. “Deve ter sido depositado indevidamente. Não tenho conhecimento.” Após os questionamentos, Braga devolveu os recursos e enviou o comprovante à CNN.

    Outro lado 

    Em nota, o Ministério da Cidadania diz que a tarefa de gerir o auxílio-emergencial “está longe de ser fácil, em especial, pela exígua velocidade para construir, implantar e revisar de forma constante cada processo de trabalho.” 

    O órgão disse que o compromisso dessa gestão “é com a melhor aplicação dos recursos públicos aos cidadãos que mais precisam.” Destacou que o programa tem um modelo de governança que conta com a parceria de órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União (TCU) e que as informações inseridas no site e aplicativo do auxílio-emergencial são cruzadas com vários bancos de dados oficiais de documentação e situação econômica e social. 

    A pasta também defende que o benefício brasileiro chega a 99,56% de acerto e que aqueles que tentarem burlar a legislação podem sofrer punições civis e penais. O governo destacou que é possível devolver recursos recebidos indevidamente por meio do site https://devolucaoauxilioemergencial.cidadania.gov.br.

    Por fim, destacou que recuperou R$ 83,6 milhões pagos a pessoas que não se enquadraram nos critérios para recebimento do benefício. O governo ainda informou que é possível registrar denúncias de fraudes no Fala.BR ou pelos telefones 121 ou 0800 – 707 – 2003. 

    Supostos laranjas de empresa receberam auxílio 

    Outro padrão identificado em parte dos nomes identificados pela reportagem é de supostos laranjas dessas empresas, que sequer sabiam dos contratos e, de fato, podem ter situação econômica vulnerável. 

    Parte dessas empresas e sócios já foi alvo de investigações policiais. Terezinha de Jesus Neves Bottentuit, beneficiária do auxílio-emergencial, é sócia da empresa Precision Soluções, que firmou contratos de R$ 2 milhões para aquisição de máscaras com a Prefeitura de São Luís (MA). 

    No dia 8 de junho, a Polícia Federal, durante uma operação, determinou a prisão de três funcionários da empresa e quebrou o sigilo bancário de Terezinha e outras 18 pessoas por supostas fraudes licitatórias e irregularidades contratuais com recursos de combate à Covid-19. Segundo a PF, Terezinha, que é idosa e em condições econômicas assistenciais, seria uma laranja da empresa. 

    A Prefeitura de São Luís, em nota, afirmou que não possui mais contrato vigente com a empresa e que ‘tão logo tomou ciência de supostas irregularidades na condução do fornecimento de insumos pela referida empresa, determinou a imediata realização de auditoria interna e instauração de sindicância administrativa na Secretaria Municipal de Saúde, para que fossem feitas as apurações necessárias.” 

    Procurada, a Precision informou que já prestou depoimento às autoridades e que os fatos estão sendo apurados. “A empresa possui toda a documentação e certificação”. A empresa nega que Terezinha fosse uma laranja e diz que ela “já ia sair” e que “foi paga a taxa referente à alteração contratual antes da operação policial”.

    Adriana Portela Pereira, identificada na lista feita pela CNN, aparece como titular da MWJC Comércios e Serviços, que firmou um contrato de R$ 5,9 milhões com a Prefeitura de Salvador (BA) para a aquisição de máscaras cirúrgicas descartáveis para utilização dos servidores da área da saúde. 

    Procurada pela CNN, ela não soube explicar por que seu nome aparece ligado à empresa, negou ter qualquer relação com contratos e afirmou que está sem renda e confirmou o pedido de auxílio emergencial. A Prefeitura de Salvador, em nota, confirmou a contratação, mas disse que suspendeu a compra depois de ter detectado que o material vendido era de baixa qualidade.

    Na semana passada a CNN também revelou que a Prefeitura de Rio Claro, no interior de São Paulo, gastou quase R$ 4 milhões em equipamentos de proteção individual (EPI) para o combate à Covid com uma empresa em que nem mesmo o sócio disse saber da negociação. 

    Ele afirmou à reportagem que assumiu a empresa a pedido do chefe. O caso passou a ser investigado pelo Ministério Público de Contas por indícios de ilegalidades por conta do tamanho e histórico da empresa, bem como das condições socioeconômicas do sócio, que  trabalhou como copeiro e pediu auxílio-emergencial.

    A CNN procurou  a MWJC por meio dos telefones e e-mails disponibilizados à Receita, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

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