Auxílio e reabertura seguram queda do PIB, mas conta para depois fica cara
Brasil sai desses meses com desempenho melhor que o de outros países, mas sai também com a dívida muito mais alta e crescimento do próximo ano em risco
O desempenho da economia brasileira no segundo trimestre deste ano, divulgado nesta terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), embute uma boa e uma má notícia.
A boa é que o resultado deste que foi o trimestre que mais sofreu os efeitos do isolamento social pela pandemia de coronavírus, apesar de já entrar para a história como o pior que o país já teve, não foi tão ruim quanto muitos chegaram a esperar.
De acordo com o IBGE, o PIB caiu 9,7% na comparação com o primeiro trimestre, e 11,4% ante o mesmo trimestre em 2019. Isso jogou o PIB trimestral para o mesmo patamar desde o final de 2009, auge dos impactos da crise global provocada pela onda de quebras na economia americana.
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Uma reabertura precoce e, principalmente, as injeções bilionárias de ajuda do governo, em especial os R$ 600 mensais de auxílio emergencial pagos a 55 milhões de brasileiros, estão entre as principais razões para um fundo do poço não tão fundo.
A má notícia é que a conta que vem junto ficou cara. Se o Brasil sai desses meses amargos com desempenho melhor que o de vários países, sai também com uma das dívidas que mais terão crescido. E isto sem contar o saldo de 121 milhões de mortos pela doença, o segundo maior do mundo.
A dívida pública do país, que saiu de 2019 a 75% do PIB, deve estar próxima de 100% ao fim de 2020, e lidar com ela em 2021 vai exigir ou menos gastos, ou mais impostos, ou juros mais altos, cobrados dos investidores que a financiam caso ela siga aumentando.
Qualquer dos desfechos emperra em alguma medida o crescimento de que o país ainda vai precisar pela frente: com o tombo dos últimos meses, o PIB trimestral volta cerca de uma década para trás.
Além disso, o custo de uma queda menor agora pode se traduzir em um crescimento mais frustrante depois. Para muitos economistas, depois de meses de recuperação no terceiro e quarto trimestre deste ano, o crescimento do país pode voltar ao zero no começo de 2021, já sem o colchão do auxílio emergencial.
“O Brasil resolveu gastar tudo de uma vez; é como se tivéssemos antecipado a recuperação, e ela deve ser menor depois”, disse o economista-chefe do banco BNP Paribas, Gustavo Arruda.
“Foram feitos programas grandes e que tiveram uma consequência boa, que foi a queda menor do PIB. Mas essa escolha tem consequência, que é termos que pagar essa conta e passar mais tempo discutindo as dificuldades fiscais.”
Crescimento fraco à frente
As projeções do BNP para o PIB de 2020, que eram de queda de 7% em 2020, devem ser revisadas para uma retração bem mais leve, na faixa dos 5%, com a divulgação dos dados do segundo trimestre.
Já as estimativas para o ano que vem, que eram de um crescimento de 4%, devem acabar reduzidas para 3% ou menos. “O PIB, de toda maneira, só deve voltar ao nível do fim de 2019 em 2022; o que mudou foi a distribuição” disse Arruda. “O consumo e o crescimento que aconteceriam ano que vem foram antecipados para este.”
Para o coordenador do Núcleo de Contas Nacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudio Considera, pesa também o fato de que o país já vinha de um crescimento baixo nos anos anterior e sem muitos pilares firmes de renda, emprego, investimentos ou nível de produção que possam sustentar uma retomada robusta.
“Vamos sair muito devagar dessa recessão”, disse Considera. “A economia não tinha muito estímulos para crescer, ainda não tínhamos recuperado os níveis de 2014 perdidos na última recessão. O crescimento que estávamos tendo estava baseado no consumo das famílias, no varejo e nos serviços, mas a pandemia fez esse consumo ficar muito menor.”
No segundo trimestre, o consumo das famílias – que equivale a 65% do PIB – caiu 12,5% ante o trimestre anterior. E o consenso é que teria caído muito mais não fosse pelo dinheiro extra que chegou à mão das pessoas via auxílio emergencial.
Pior da história, melhor que o previsto
A queda do segundo trimestre é de longe o pior resultado dos últimos 24 anos, quando começa a série oficial feita pelo IBGE. O segundo pior, do quarto trimestre de 2008, foi um recuo de 3,9% (ante o trimestre anterior).
A Fundação Getulio Vargas (FGV), que estima o PIB do país desde 1980, também calcula ter sido o pior trimestre em todos esses 40 anos.
Ainda assim, o mundo já começa a colocar o Brasil no lado da balança onde estão as economias que agonizaram menos. Vizinhos como o Chile (-13,2%) e México (-17,3%) tiveram um segundo trimestre bem mais arrasador.
Os Estados Unidos retrocederam 9,5%, o Reino Unido 20,4% e, na média da União Europeia, a queda foi de 11,7%. Os dados consideram o desempenho do segundo trimestre em relação ao primeiro.
O resultado também confirma o alívio em relação às expectativas mais desesperadas do começo da pandemia. Em março, abril e maio, havia muito economista falando em quedas superiores aos 10% neste trimestre e bem próximas disso no ano.
Esses números foram sendo revisados e amenizados conforme as atividades foram sendo reabertas nos estados, principalmente a partir de junho, e setores como comércio e indústria começaram a responder. As projeções mais recentes de mercado falam em queda de “apenas” 5,3% ao fim de 2020.
“O Brasil agiu de forma muito rápida para enfrentar os vários impactos econômicos da pandemia e, ao compará-lo com outros emergentes, vemos que de fato tem se saído melhor”, disse o representante do Banco Intermamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, Morgan Doyle, mencionando os pesados pacotes de ajuda.
Além do auxílio emergencial, ele cita também o programa de manutenção de emprego, em que o governo complementou parte do salário dos funcionários que tiveram jornada e pagamento reduzidos. Outras medidas incluíram ainda a liberação de saques extras do FGTS.
Juntos, esses programas terão vertido próximo de R$ 300 bilhões na economia ao longo deste ano e, no cálculo de vários economistas, mais que compensam o que o país perdeu em renda por conta da perda do trabalho das pessoas.
“Foi um esforço extraordinário e totalmente louvável do governo nesse momento”, disse Doyle. “Mas vai exigir também uma maior disciplina fiscal no pós-pandemia, para que o país não perca a confiança na trajetória da dívida pública.”
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