Arrecadação é principal dúvida em projeto de novo marco fiscal, dizem economistas
Fazenda divulgou nesta terça-feira (18) texto do projeto do novo marco fiscal, que traz detalhamento em relação ao sumário lançado anteriormente
O governo apresentou ao Congresso nesta terça-feira (18) o texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) do novo marco fiscal. As linhas gerais da proposta foram apresentadas no dia 30 de março.
O texto traz detalhamento em relação ao sumário divulgado anteriormente. A redação aponta uma lista de 13 itens que representam exceções ao limite de gastos.
Após a divulgação do texto mais detalhado que o apresentado em 30 de março, economistas consultados pela CNN apontam que ainda resta dúvida com relação ao mecanismo para chegar na arrecadação para atingir as metas de superávit, assim como o resultado primário de 2024, estabelecidas no projeto.
“Ainda sobram as dúvidas, a maior é se de fato a Fazenda vai conseguir aumentar o nível de receita como eles tem dito. A capacidade de aumento de receita que estava sendo indicada será uma frente de batalha para esse arcabouço funcionar, ele precisa desse aumento”, disse Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC).
De acordo com um estudo feito pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), para dar certo a nova regra, a arrecadação precisará de um incremento de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões.
Sergio Vale, sócio da MB Associados, explica que as projeções que têm sido feitas pelo governo como aquelas apresentadas na segunda-feira (17), com o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, são otimistas.
A própria coletiva de imprensa do LDO informou ser necessário um esforço de R$ 155 bilhões em receitas para fechar as contas, considerando medidas que ainda não foram anunciadas.
De acordo com o arcabouço fiscal, o crescimento do gasto público em 2024 deveria ser 70% do crescimento da receita real acumulada até a metade do ano anterior, ou seja, até a metade deste ano.
A MB Associados projeta que, dada a forte desaceleração da receita, o crescimento real do gasto projetado para 2024 deveria ser no piso de 0,6%. Mas o governo estima crescimento de gasto real para o ano que vem em 2,1%, sem considerar possíveis aumentos em salário mínimo, investimentos e funcionalismo público que poderão acontecer ainda.
Ao mesmo tempo, o governo trabalha com crescimento real de 7,8% na receita líquida ano que vem.
“Tem essa estimativa super alta de crescimento de receita para o ano que vem de quase 8%, não vemos isso acontecer, vai depender de esforço do governo para conseguir essa arrecadação”, diz Vale.
Para o economista, o cenário é de que o governo, com os atuais resultados e projeções, o governo “vai viver contingenciando para entregar os resultados”.
“A regra é baseado quase integralmente em aumentar arrecadação para fazer o ajuste fiscal. Sem falar das exceções que ainda estão fora, todo o ajuste vai ter que ser integralmente da receita. Tanto que o governo jogou na LDO a arrecadação de quase 8%, quase impossível fazer isso para o ano que vem sem aumento de imposto, alíquota”, conclui.
Nesta terça-feira (18), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que há medidas no Congresso que podem aumentar a arrecadação, como a regularização de fundos fechados, repatriação e atualização de valores de imóveis no Imposto de Renda.
“Se decidirmos por uma dessas ou outra, vamos colocar na peça orçamentária”, explicou o ministro. Haddad afirmou que todo o governo tem o direito de mudar os parâmetros da regra fiscal.
Além disso, os especialistas apontam também para a lista de exceções divulgadas no texto da proposta. A redação aponta uma lista de 13 itens, que representam exceções ao limite de gastos.
Estão entre elas o piso dos enfermeiros, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), despesas não recorrentes com a realização de eleições, capitalização de estatais não financeiras e não dependentes e precatórios.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, avalia que apesar do limite de crescimento dos gastos ser positivo, tanto pelo teto de 2,5% como pela proporção de crescimento da receita em 70%, ainda há dúvidas sobre a capacidade do governo de cumprir a regra.
“Considerando as exceções que foram definidas como gastos com educação, saúde e até capitalização de estatais, bem como as propostas de novas políticas públicas que demandam mais gastos, como a valorização do salário-mínimo”.
A economista também se mostra cética com relação às metas apresentadas pelo governo e pela LDO. Vitória considera que a meta de superávit primário tinha sido vista como positiva, uma vez que mostra o comprometimento do governo em reverter a atual previsão de déficit de mais de R$ 100 bilhões para esse ano, segundo último relatório bimestral do tesouro.
Contudo, a economista chama a atenção para a meta do próximo ano. “A meta de zerar o déficit até 2024 é bastante ousada e é baseada em aumento de arrecadação que ainda são incertos e, por isso, sua credibilidade deixa dúvidas.”
Os especialistas ouvidos pela CNN consideraram ainda que a penalização pelo descumprimento das regras é frágil, uma vez que, segundo o projeto, o presidente terá de enviar ao Congresso Nacional uma mensagem com os motivos desse descumprimento e o que poderá fazer para tentar corrigir o rumo das contas públicas.
O projeto diz ainda que o não cumprimento da meta de superávit primário “não configura infração a esta Lei Complementar”.
Entenda a proposta
A nova regra fiscal prevê que — para os exercícios de 2024 a 2027 — os gastos do governo não podem ter crescimento acima de 70% do crescimento da receita.
Em momentos de avanço excepcional da arrecadação, porém, a despesa primária não poderá ter crescimento acima de 2,5% ao ano. Caso haja retração extraordinária, a despesa primária adotará outro gatilho e não poderá crescer mais que 0,6% ao ano.
O plano ainda estabelece metas de superávit primário. A ideia é de que o governo tenha déficit primário zero em 2024, superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e de 1% em 2026.
Se a meta de superávit primário não for atingida e o resultado ficar fora da variação tolerável, haverá obrigação de redução do crescimento de despesas para 50% do crescimento da receita no ano seguinte.