Americanas consegue prorrogar em 6 meses proteção contra cobrança de credores
Ações e execuções contra o grupo permanecem suspensas
A 4ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro aceitou o pedido da Americanas para prorrogar o prazo de proteção contra cobranças de credores por mais 180 dias, informou a varejista em fato relevante nesta terça-feira (12).
Com isso, permanecem suspensas todas as ações e execuções existentes contra o grupo, assim como a exigibilidade dos créditos concursais, disse a empresa.
O prazo adicional é contabilizado a partir do término do stay period concedido no momento em que o pedido de recuperação judicial da Americanas foi deferido.
Entenda o caso
Há seis meses, em janeiro deste ano, a Americanas comunicava ao mercado que havia detectado inconsistências em lançamentos contábeis estimadas em R$ 20 bilhões, com data-base de 30 de setembro de 2022.
A notícia veio acompanhada do pedido de demissão do diretor-presidente da empresa, Sergio Rial.
Era o início da maior fraude da história corporativa do Brasil que abalaria o mercado pelos próximos meses.
A resposta veio logo, no dia seguinte as ações da varejista despencaram quase 80%, com perda estimada de US$ 8 bilhões em valor de mercado.
À época, os acionistas buscaram denunciar a companhia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para apurar responsabilidades da empresa de auditoria PwC, encarregada de analisar os balanços da varejista.
A Americanas buscou estabelecer um comitê de apuração interna. Em meio a isso, a empresa anunciava que as inconsistências detectadas no balanço deveriam levar a uma dívida da ordem de R$ 40 bilhões.
A varejista então conseguiu proteção na justiça contra bloqueio de ativos e cobranças de credores, – pedido esse que acaba de ser renovado – em um primeiro sinal de possível pedido de recuperação judicial. No dia 19 daquele mês, a previsão se concretizou e a Americanas deu entrada em um pedido de recuperação judicial que, futuramente, seria classificado como um dos maiores da história do país.
Enquanto bancos credores recorriam à justiça para recuperar a dívida da empresa, o trio de acionistas da varejista — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira — afirmava publicamente que desconhecia quaisquer manobras e dissimulações contábeis na companhia.
Em 26 de janeiro, a Justiça de São Paulo autorizou o pedido de busca e apreensão na Americanas expedido pelo Bradesco, como forma de obtenção de provas de possível fraude na gestão da companhia.
Longo caminho pela frente
Em fevereiro, a equipe de administração judicial da Americanas atualizando o valor total da dívida da companhia para R$ 47,9 bilhões.
A partir daí, grandes baques na cúpula da empresa. Ainda em fevereiro, a varejista anunciou o afastamento de toda a diretoria, cujos nomes eram alvo de investigação por parte da CVM por possível uso de informações privilegiadas para recebimento de bônus. Três meses depois, é a vez do diretor afastado da companhia, José Timotheo de Barros, renunciar ao cargo.
Em 13 de junho, a investigação interna conduzida pela Americanas apontou que a antiga diretoria tinha conhecimento da fraude contábil ocorrida na empresa.
O relatório apontou que as demonstrações financeiras da empresa vinham sendo fraudadas pela antiga diretoria da companhia, que atuou até o fim do ano passado. Os executivos trabalhavam em conjunto para esconder o esquema de fraude e forjar o aumento dos lucros da empresa, o que resultava em pagamentos astronômicos de bônus.
Especialistas afirmaram que um rombo de aproximadamente R$ 21,7 bilhões teve origem em verbas publicitárias tradicionalmente negociadas entre a indústria e o varejo.
Ao todo, foram R$ 20,6 bilhões de fraude em empréstimos que a Americana tomava — esquema conhecido desde janeiro de 2023, quando o caso foi deflagrado e Sérgio Rial renunciou.
Apesar das ações da empresa terem valorizado em 20% após reconhecimento da fraude, Guilherme Paulo, operador de renda variável da Manchester Investimentos, avalia que as investigações ainda devem se estender por muito tempo.
“Com certeza é uma operação bastante longa, que vai levar muito tempo. A gente tem que ver se, de fato, surtirá algum efeito”, afirma.
Paulo destaca que a varejista levará muitos anos para se recuperar. “Talvez depois que a empresa estiver ajustada possa haver uma consolidação de mercado”, afirma.
Quanto a isso, Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research, destaca que o momento ainda não é propício para a varejista, que ainda deve fechar mais lojas.
“O faturamento das lojas físicas caiu, mas não muito. Por outro lado, no digital, temos R$ 1,2 bilhão em dezembro de 2022 contra apenas R$ 100 milhões em abril de 2023. Isso representa uma queda muito expressiva, de 90%”, explica.
“A Americanas tinha quase 2 mil lojas, não tem como ter isso tudo com uma dívida desse tamanho e em meio de um processo de recuperação judicial. Ela já fechou 29 lojas, mas vai ter que fechar muito mais”, afirma.
Mas o analista enfatiza os próximos passos, e diz que a situação está caminhando para evoluir mais.
“Há uma expectativa de que a empresa faça uma assembleia em agosto e comece a aprovação do plano de reestruturação”, diz.
Enquanto isso, Guilherme Paulo conclui que o caso Americanas passou uma grande lição para o mercado como um todo, que deve passar por melhorias na parte contábil. “Também vale citar que a auditoria independente da época que deixou passar esse rombo com certeza também vai acabar sofrendo alguma penalidade”.
*Com informações de Amanda Sampaio, Fabricio Julião e Fernando Nakagawa, da CNN, e da Agência Reuters