Aluguel de carros e venda de seminovos despencam: qual o futuro das locadoras?
Aluguéis diários, para turismo de lazer e de negócios, e semanais, para motoristas de aplicativo, despencaram durante a crise; venda de seminovos idem
O pedido de falência da Hertz nos Estados Unidos acionou um alarme para o mercado de aluguel de veículos. Duas das principais frentes de receita do setor – o aluguel diário predominante nos aeroportos e o semanal para motoristas de aplicativo –, tiveram suas demandas reduzidas a pó durante a pandemia do novo coronavírus.
Há cerca de 10,8 mil locadoras no país, apontam dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). A terceirização de frota corresponde a mais de 50% do segmento e teve redução de 20% durante a pandemia. Já o aluguel para motoristas de aplicativo, que representa cerca de 20% do mercado, teve queda de 80%. Enquanto isso, a locação diária, responsável por 30% do mercado, registrou tombo de 90%. Por último, venda seminovos, também reverenciada como parte relevante dos ganhos, só ocorre ao final da vida útil das frotas para as locadoras. Ou seja, o tombo foi grande.
“Boa parte destas empresas tem fluxo administrado entre compra e venda de veículos, então as pequenas locadoras estão vendendo frotas para fazer caixa”, diz Paulo Miguel Junior, presidente da Abla. “Projetávamos que as coisas fossem começar a voltar em junho, mas o Brasil é muito grande e não conseguimos ter visão nacional.”
No momento mais agudo da crise, as ações das três gigantes do setor, Localiza, Movida e Unidas, chegaram a cair 60% entre o final de fevereiro e meados de março. Apesar disso, com o isolamento só começando, de fato, na segunda quinzena de março, não houve um impacto tão grande disso nos resultados apresentados pelas empresas relativos ao primeiro trimestre de 2020.
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A Localiza, que é a líder do setor, teve uma alta de 17,7% no seu faturamento, a R$ 2,7 bilhões. Foi um patamar parecido que teve a Unidas, que registrou crescimento de 17,9% e teve receita de R$ R$ 1,2 bilhão. Por último, a Movida, que é a menor das três listadas em bolsa, teve um crescimento superior, de 19,6%, e alcançou o R$ 1 bilhão.
Com abril já entregando resultados aterradores, as empresas constaram dos resultados dos primeiros três meses do ano uma parcial para o quarto mês do ano, com projeções não auditadas sobre o real impacto do coronavírus em cada segmento dos negócios. Confira abaixo:
Terceirização sobe, mas aluguel preocupa
De todos os serviços oferecidos pelas grandes locadoras, a terceirização foi a menos afetada. Na Movida a queda em relação à média do primeiro trimestre foi baixa, a 2,5%. A Localiza teve até aumento nas taxas de utilização dos veículos deste segmento e chegou a 97,4%, contra 96,7% dos três meses anteriores. A Unidas também oscilou positivamente, de 97,8% para 98,1%.
Apesar disso, Miguel Junior, da Abla, projeta dificuldades para as empresas menores. “Estes carros têm contratos mais longos, de 24 a 36 meses e são comprados conforme as escolhas do cliente. Quando este contrato é cancelado, complica o reaproveitamento do veículo”, afirma.
No caso do aluguel, no entanto, o problema é grande. As três empresas saíram de um patamar próximo de 80% para utilização de apenas de 50% a 60% da frota. Esse número deve cair ainda mais nos próximos meses com o turismo de lazer e de negócios parado. O que salvou o segmento de uma queda ainda pior foi a locação realizada por profissionais da saúde e empresas que buscaram oferecer um meio de transporte mais seguro aos seus trabalhadores de serviços essenciais.
O aluguel mais longo, em parte voltado para motoristas de aplicativo, foi o outro setor que registrou grandes quedas. A Kovi, locadora especializada no nicho e com operação no Brasil e no México, acredita que tenha conseguido manter 60% dos seus clientes. Adhemar Milani Neto, fundador e CEO da Kovi, explica que muito desse alívio veio dos planos de baixa quilometragem – uma saída no meio da pandemia. O motorista que rodar até 50 quilômetros na semana paga R$ 10 por sete dias de aluguel.
“A receita cai muito, mas ajuda porque assim não tem tantas devoluções. Tivemos um custo logístico para disponibilizar 2 mil vagas e transportar os carros das pessoas que escolheram devolver o veículo”, diz. A empresa, que conta com mais de 5 mil veículos, tem escolhido então diminuir a tolerância com inadimplência. “Estamos operando com planos agressivos. Se a pessoa deixa de pagar, temos prejuízo grande. Então a gente pega o carro de volta”, explica.
Venda de seminovos também sofre
A venda de veículos seminovos é uma das áreas mais rentáveis das locadoras de automóveis. Isso porque, com o volume alto na hora da compra, as companhias conseguem barganhar descontos de até 35% com as montadoras. Para completar, elas conseguem alíquotas mais baixas do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na hora de vender, no entanto, seguem os valores praticados no mercado.
Porém, nem essas vendas escaparam de uma queda em relação ao primeiro trimestre. Afinal, com um ambiente mais inseguro na economia, o consumidor se retrai e decide postergar gastos maiores. Na Movida, por exemplo, houve uma queda de 25,7% das vendas de seminovos em abril, quando comparadas as do primeiro trimestre.
Na Localiza foram vendidos 2.460 carros contra uma média de 12,7 mil nos três primeiros meses do ano. Unidas foi outra que teve queda no segmento: 1.594 veículos comercializados em abril em contraste com uma média de 5,4 mil mensais no 1º tri.
Para conseguir sofrer menos, a Movida tentou adiantar como pode a sua transformação digital. “Era algo para o futuro que conseguimos colocar no ar no final de março e deu ótimos resultados em abril. Já vendemos 3.500 carros em jornada 100% digital, entregando na casa do cliente”, argumenta Renato Franklin, CEO da marca.
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Para onde vai o setor?
Empresas apostam no reaquecimento do mercado interno primeiro, já no terceiro trimestre. Uma outra leitura é que o o aumento do desemprego pode até ser benéfico para as empresas: sem alternativa de renda, boa parte da população pode ser empurrada para empregos como o de motorista de aplicativo. A venda de seminovos, em jornada digital, também é esperança para mitigar algumas das perdas. O turismo, tanto de lazer quanto o de negócios e que representa uma fatia importante dos negócios, é que deve demorar mais.
Para o analista de investimento da Mirae Asset, Pedro Galdi, o setor pode demorar um pouco mais para observar uma retomada, já que parte dos seus negócios estão atrelados ao setor aéreo. Apesar disso, considera ser uma boa aposta para o longo prazo. “O setor funciona com duas torneiras. Quando o aluguel não está bom, a venda de seminovos ajuda”, diz.
“Também poderemos observar, depois da pandemia, uma mudança no perfil de consumo. Não sabemos se as pessoas vão continuar comprando carro. Transporte público também é arriscado. A partir disso, o aluguel de carros pode se tornar uma opção”, completa.
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