Ágio de 9.000% em leilão vem de aposta conservadora do governo, diz especialista
Para ele, a diferença entre as ofertas para os mesmos blocos foi mais impressionante, pois mostrou a percepção de risco de cada empresa
O governo federal realizou nesta quarta-feira (7) o primeiro dia de leilões da Infra Week. Ao todo, foram concedidos 22 aeroportos em três blocos: Sul, Norte I e Central, captando R$ 3,3 bilhões em valores de outorga. Além disso, as empresas devem investir outros R$ 6,1 bi durante os 30 anos de arrendamento.
Em entrevista ao CNN Brasil Business, Guilherme Naves, sócio da Radar PPP, uma das maiores consultoras do ramo no país, comentou o resultado do leilão. Para ele, fica claro o potencial do setor de concessões quando, mesmo durante uma severa crise, vários players participam da concorrência.
“Ninguém duvida mais do mercado de concessões, por isso tivemos players nacionais e internacionais no certame”, diz. “O mercado tem liquidezm e o Brasil ainda está com taxa de juros num patamar historicamente baixo. Fazer investimentos agora faz sentido, principalmente visando o longo prazo.”
Apesar disso, Naves não se impressiona com o ágio das propostas, em uma delas superior a 9.000%. O consultor entende que isso se deve a uma precificação conservadora por parte do governo combinada com percepções diferentes, por parte das empresas, do risco envolvido na operação neste momento.
O bloco Sul, com nove terminais, tinha oferta mínima de R$ 130,2 milhões, enquanto o Norte I, com sete, tinha R$ 47,8 mi. Já no Central, com seis aeroportos, o valor mínimo era de R$ 8,1 mi.
Com isso, a CCR levou os blocos Sul e Central, por R$ 2,1 bilhões e R$ 754 milhões, respectivamente, e a francesa Vinci Airports arrematou o bloco Norte I por R$ 420 milhões. O que, para Naves, indica que o modelo está funcionando e deverá ser replicado com sucesso nos próximos leilões.
Confira abaixo os principais pontos da conversa:
Como o senhor enxerga o valor do ágio conseguido pelo governo no leilão de hoje?
Não me impressionou tanto o ágio das propostas, pois considero que o governo foi conservador nas ofertas mínimas à espera que os próprios players em competição ajustassem os valores no leilão. E isso de fato ocorreu, já que tivemos várias empresas importantes participando.
Me atentei mais à diferença entre os valores apresentados, e não acho que seja um problema de avaliação ou modelagem. Considero que isso ocorreu por conta da percepção de risco de cada empresa, muito atrelada ao momento da pandemia e às dificuldades que o setor vive.
Apesar das dificuldades no longo prazo, os três blocos tiveram pelo menos duas ofertas. O que atraiu os investidores?
O mercado tem liquidez, o Brasil ainda está com taxa de juros num patamar historicamente baixo. Fazer investimentos agora faz sentido, principalmente visando o longo prazo. CCR (Confins-BH) e Vinci (Salvador), que venceram a concorrência, possuem concessões aeroportuárias no Brasil e já conhecem o potencial do mercado.
A iniciativa privada tem, e continuará tendo, muitas oportunidades de investimento no país. Tanto é verdade que players estrangeiros, como a própria Vinci e a espanhola Aena Desarrollo (que possui concessão de aeroportos no Nordeste), estão buscando investir aqui após saturação do mercado europeu.
Acredita que o resultado de hoje é um bom presságio para os próximos leilões?
Ninguém duvida mais do mercado de concessões, por isso tivemos players nacionais e internacionais no certame. E, para além da Infra Week, que ainda terá a concessão da ferrovia Fiol 1 e de cinco terminais portuários no Maranhão e no Rio Grande do Sul, serão realizados outros grandes leilões em sequência.
Temos as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), no dia 20 de abril; a BR-153, no dia 29; a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que está agendada para o dia 30 (deputados estaduais ainda tentam barrar a realização do leilão).
E, voltando ao setor aeroportuário, as concessões dos aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, que podem ocorrer entre o final deste ano e o início do ano que vem. Ainda temos bastante espaço para explorar essas parcerias entre o governo e a iniciativa privada.
O ministro Tarcísio disse que o governo foi corajoso em realizar o leilão durante uma das maiores crises da história do setor. Concorda com essa leitura?
Não tenho dúvidas que foi preciso coragem para realizar um conjunto de leilões dessa magnitude num momento de crise, mas, na minha visão, o processo serve mais para reforçar o quanto a pauta da infraestrutura é importante para que o governo consiga trazer boas notícias.
Com dificuldades em outras áreas, o Planalto estava em busca de pautas positivas e recorreu, novamente, à uma pasta que tem entregado bons resultados desde o início da gestão.