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    “À beira do colapso”: entregadores de delivery na China estão sendo pressionados ao limite

    A indústria de US$ 200 bilhões mais do que dobrou durante os três anos de lockdowns e ofereceu uma renda sólida para trabalhadores informais, mas isso não é mais uma realidade

    Chris Lau e Marc Stewartda CNN

    Um entregador delivery perde o controle de repente no meio da rua, jogando seu celular no chão depois de receber uma avaliação negativa de um cliente.
    Outro entregador se ajoelha para pedir desculpas a um policial que o parou por avançar o sinal vermelho, antes de se levantar, empurrar com sua motocicleta e correr pela rua sem se preocupar com o tráfego.

    Em outro incidente, multidões de motoristas irritados se reúnem do lado de fora de um complexo de apartamentos, exigindo justiça para um colega entregador que teria sido intimidado por seguranças do local.

    Esses são apenas alguns dos muitos episódios de confrontos explosivos envolvendo entregadores na China que circulam nas redes sociais chinesas, mostrando pessoas no limite de sua resistência.

    A indústria de US$ 200 bilhões, a maior do mundo em receita e volume de pedidos, mais do que dobrou durante os três anos de lockdowns causados pela Covid-19 e ofereceu uma renda sólida para trabalhadores informais. Mas isso não é mais uma realidade.

    À medida que a economia da China enfrenta uma série de contratempos, desde uma prolongada crise imobiliária até a falta de consumo, os entregadores estão sofrendo um duro golpe.

    Esses desafios foram evidenciados nesta sexta-feira (18), quando o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS) anunciou que a economia chinesa desacelerou ainda mais no terceiro trimestre, pressionada pelo fraco consumo e pela crise no mercado imobiliário.

    O produto interno bruto cresceu 4,6% no período de três meses, de julho a setembro, em comparação com o ano anterior. Isso foi apenas um pouco maior do que as expectativas dos economistas consultados pela Reuters, que previam uma expansão de 4,5%.

    “Eles estão trabalhando longas horas, sendo realmente pressionados”, disse Jenny Chan, professora associada de sociologia na Universidade Politécnica de Hong Kong. “[E] eles continuarão enfrentando pressão, pois [as plataformas de entrega] têm que manter os custos baixos”, acrescentou.

    Uma economia lenta significa que as pessoas estão pedindo refeições mais baratas. Isso reduz os ganhos dos trabalhadores, já que a maioria trabalha por comissão, obrigando-os a trabalhar mais horas para manter sua renda, explica Chan.

    Além disso, a dominância de duas grandes plataformas de entrega de comida permite que elas ditem os termos contratuais, deixando pouco espaço para que os trabalhadores resistam às condições de trabalho deterioradas, dizem observadores dos direitos trabalhistas.

    Uma grande frota

    Cerca de 12 milhões de entregadores formam a espinha dorsal da vasta rede de entrega de comida da China, que começou a ganhar força com a fundação do aplicativo Ele.me, em 2009, agora de propriedade do gigante da tecnologia Alibaba.

    Os trabalhadores desempenharam um papel fundamental em manter as comunidades durante a Covid, quando os residentes foram proibidos de sair de casa sob regras rígidas de lockdown. Agora, eles se tornaram uma parte indispensável da cultura gastronômica do país.

    Eles estão em toda parte: cruzando uma imensa rede de estradas movimentadas e becos desconhecidos para entregar refeições todos os dias. Alguns nem param durante chuvas fortes ou tufões intensos.

    O mercado atingiu US$ 214 bilhões em 2023, 2,3 vezes o valor de 2020, segundo estimativas da iiMedia Research, uma empresa baseada na China que acompanha tendências de consumo. A indústria deve alcançar US$ 280 bilhões em 2030. A Morningstar afirma que a China tem o maior mercado de entrega de comida do mundo.

    Atualmente, os trabalhadores estão constantemente sob imensa pressão para cumprir prazos apertados, mesmo que isso signifique cortar caminho nas ruas – acelerando ou passando no sinal vermelho – o que causa riscos que colocam em perigo tanto a eles mesmos quanto outros usuários da via.

    O entregador que quebrou seu celular insistiu, em uma entrevista à mídia estatal chinesa, que a reclamação feita contra ele era infundada. Mas ele afirma que ainda foi penalizado com a redução de tarefas, o que diminuiu sua renda, ecoando queixas semelhantes.

    “O que eles querem afinal? Querem que eu morra?”, disse ele no vídeo.

    No ano passado, os lucros das duas maiores empresas do setor, Meituan e Ele.me, dispararam. A receita da Meituan foi de US$ 10 bilhões, um aumento de 26% em comparação a 2022.

    O Alibaba reportou uma receita de US$ 8,3 bilhões para sua divisão de serviços locais, impulsionada principalmente pela Ele.me, no ano fiscal que terminou em 31 de março, um aumento de 19% em relação ao ano anterior.

    A CNN procurou tanto a Meituan quanto a Ele.me para comentar, mas elas não responderam.

    Salários encolhendo

    Nesse contexto, os salários dos entregadores diminuíram significativamente.

    No ano passado, eles ganhavam 6.803 yuan (US$ 956) por mês, de acordo com um relatório do China New Employment Research Center. Isso é quase 1.000 yuan (US$ 140) por mês a menos do que ganhavam cinco anos atrás, apesar de muitos relatarem que estão trabalhando mais horas.

    Pode não parecer muito em dólares americanos, mas uma diferença de 1.000 yuan é um valor considerável em um país onde a média salarial mensal nacional foi de 1.838 yuan (US$ 258) no ano passado, de acordo com o NBS.

    Lu Sihang, 20 anos, disse à CNN que trabalha em um turno de 10 horas fazendo 30 entregas por dia. Ele ganha cerca de US$ 30 a US$ 40 por turno. Nesse ritmo, Lu tem que trabalhar quase todos os dias para alcançar a média de US$ 950.

    O consumo “rebaixado” da China é o culpado, diz Gary Ng, economista do banco de investimentos francês Natixis. À medida que a economia da China desacelera, os consumidores estão gastando menos.

    O economista disse que, embora a comida seja uma necessidade, uma economia fraca faz com que os clientes gastem menos em pedidos de entrega, enquanto os restaurantes têm que reduzir os preços para atrair clientes.

    Isso afeta a renda dos entregadores, já que seu pagamento geralmente está atrelado a uma comissão baseada no valor do pedido. Quando os clientes estão com pouco dinheiro, também é menos provável que ofereçam gorjetas.

    Enquanto isso, a economia fraca significa que há menos empregos, tornando a competição mais acirrada. A taxa de desemprego entre os jovens na China disparou para 18,8% em agosto, a mais alta desde que as autoridades mudaram a metodologia no ano passado para excluir estudantes.

    “Se você tem uma grande oferta de trabalhadores, o poder de negociação deles diminui. Enquanto isso, há apenas uma quantidade limitada de pedidos de entrega para compartilhar entre eles”, disse Ng.

    Um duopólio

    Nem sempre foi assim. Pesquisas do China Labour Bulletin, uma ONG com sede em Hong Kong, disseram que os aplicativos de entrega inicialmente investiram pesadamente para oferecer salários mais altos a fim de atrair trabalhadores suficientes para sua expansão.

    “Mas, à medida que as condições mudaram, com as empresas de plataformas monopolizando o mercado e o desenvolvimento de algoritmos controlando o processo de trabalho, os trabalhadores têm poucas proteções trabalhistas e perderam um grau de liberdade”, disse.

    Muitos restaurantes não cobram taxa de entrega. Alguns até oferecem preços mais baixos do que o consumo no local ou a retirada pessoal.

    Chan, da Universidade Politécnica, disse que as plataformas investiram pesadamente no início para reduzir os preços e eliminar concorrentes. Mas agora que alcançaram seu domínio, começaram a transferir o custo para os motoristas, cortando seus bônus e salários.

    No início deste ano, o portal de notícias online estatal Workers.cn relatou várias reclamações de motoristas que disseram não ter feito nada de errado.

    Um motorista disse que foi multado em 86 yuans (US$ 12) por não pegar um pedido pronto, mesmo tendo informado ao restaurante que não o levaria porque o estabelecimento não conseguiu preparar a comida a tempo, relatou o Workers.cn.

    Chan disse que outro problema é que os trabalhadores de entrega são tratados como freelancers, pagos por viagem, em vez de receberem um salário mensal, o que os incentiva a ignorar condições perigosas nas estradas para fazer o maior número de entregas possível.

    “Quem gostaria de avançar o sinal vermelho se pudesse entregar as refeições com segurança? Mas eles não podem se dar ao luxo de fazer isso”, disse ela.

    As consequências se mostraram fatais. Em 2019, um entregador morreu após ser atingido por uma árvore derrubada por ventos fortes em Pequim, segundo a mídia estatal Global Times.

    Na semana passada, o Chongqing Broadcasting Group exibiu imagens de um entregador colidindo sua scooter contra um carro em um cruzamento na província de Hunan, no sul da China, após avançar o sinal vermelho.

    Um entregador de 35 anos, que se identificou apenas pelo sobrenome Yang, reconheceu os aspectos negativos, dizendo que a indústria “não é tão boa quanto antes”.

    Mas ele ainda acha que o trabalho lhe convém por enquanto, depois de ter conciliado uma série de funções anteriores, desde vender lanches até trabalhar em um escritório.

    “É um trabalho com flexibilidade. Se você quiser ganhar mais dinheiro, precisará trabalhar mais tempo; se quiser descansar, então pode trabalhar menos”, disse Yang.

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