80 anos de CLT: veja como foi a criação do principal marco trabalhista do país
Considerado o maior marco laboral do país, conjunto de normas foi criado em 1.º de maio de 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sancionada em 1.º de maio de 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas, completa 80 anos nesta segunda-feira.
Considerado o maior marco laboral do país, o conjunto de normas foi a primeira legislação específica no Brasil voltada para a regulamentação de direitos e deveres de empregados e empregadores, unificando uma série de leis já vigentes na época com outras que robusteceram o sistema trabalhista.
“A CLT representou um movimento histórico importantíssimo para o Brasil na época. Quando foi criada, tínhamos uma população predominantemente agrária, e a CLT foi arrojada, porque olhava para o futuro da urbanização, o rompimento da política do ‘café-com-leite’, pavimentando o caminho para o Brasil ingressar no capitalismo de fato”, afirma Paulo Renato Fernandes, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.
O professor explica que, especialmente em São Paulo, ocorriam excessos e abusos, e, por consequência, inúmeras greves. E então, teria sido esse cenário que motivou Vargas, que tinha sido um representante de empresários no Sul, a reconhecer as questões sociais do país.
“O que era tratado como caso de polícia virou caso de legislação. Então, a CLT teve o papel de classificar as relações de trabalho e dar segurança jurídica, resolvendo questões sociais que reivindicavam melhores condições de trabalho”, diz Fernandes.
A criação durante o Estado Novo, porém, não é apenas um detalhe no papel. Pesquisadores afirmam que Vargas “se inspirou” em regimes totalitários vigentes no mundo e trouxe ao Brasil, por exemplo, o modelo corporativista italiano, no período do fascismo, para a consolidação dos direitos dos sindicatos trabalhistas — um dos principais marcos da CLT.
“Ela foi criada numa ditadura, mas é e precisa continuar sendo alterada em um regime democrático”, avalia Fernandes. Nesse sentido, o marco trabalhista foi uma espécie de divisora de águas entre o Brasil do passado e o do futuro, “congregando leis esparsas em um código legislativo robusto”, completa.
O Decreto 3.724 de 1919, por exemplo, já estava em vigor e regulava as obrigações dos contratantes em relação a acidentes no trabalho. Também já existia o Decreto 17.943-A de 1927, que proibia que menores de idade trabalhassem.
Ao mesmo tempo, o marco trabalhista de 1943 consolidou regulamentações sobre a jornada de trabalho, descanso semanal remunerado e férias e organizações sindicais. De lá para cá, a CLT sofreu mais de 500 alterações.
O artigo 373-A, por exemplo, foi incluído em 1999 para regular e tratar do trabalho das mulheres. Instituído via Lei 9.799, ele proibia a revista íntima em funcionárias e a exigência de atestado ou exame para comprovação de gravidez. Em abril de 2002, foi inserido um artigo para a extensão da licença-maternidade de 120 dias também para mães adotivas.
Em 2011, foi aprovada uma lei que regulamenta o trabalho a distância — essencial para a continuidade da “vida normal” em meio aos anos mais críticos da pandemia. São apenas alguns exemplos que mostram como a legislação trabalhista foi adaptada aos novos tempos desde sua criação. Ainda assim, segundo Fernandes, ela parecia “estagnada no tempo” até 2017, quando a reforma trabalhista entrou no debate.
“Algumas coisas mudaram, mas o grosso ficou o mesmo. Esse descolamento da realidade gerou uma série de problemas, porque a lei já não correspondia mais à realidade. Era burocrática, cheia de ciladas, limitava os contratantes e toldava as necessidades do empregado”, explica Paulo Renato Fernandes. Foi natural, então, que a reforma, sancionada pelo então presidente Michel Temer, aparecesse.
“Ela era esperada há muito tempo, porque o sistema anterior tinha uma conta que não fechava. A reforma trabalhista trouxe um sistema mais harmônico para que o mundo do trabalho entrasse no século XXI. Ela ainda não é o ideal, mas consagrou um passo importante em direção ao que precisamos”, avalia o professor da FGV.
Segundo ele, a última reforma trabalhista foi o fato mais importante para o mundo do trabalho desde a criação da CLT. “Nenhuma outra foi tão importante.”
A reforma nas leis trabalhistas — que modificou quase 100 artigos da CLT — trouxe um tripé para as relações de trabalho, segundo o especialista: negociação coletiva, boa-fé contratual e segurança jurídica.
Ela segue, porém, “constantemente desatualizada”, segundo especialistas, à medida que a sociedade muda com rapidez, e a CLT não acompanha no mesmo compasso.
Há de se esperar agora, por exemplo, como a chamada “gig economy”, que diz respeito a formas alternativas de emprego, como prestação de serviços por aplicativos ou o trabalho freelancer, pode afetar a legislação. Fica para os próximos capítulos.