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    Inflação da Argentina chega a 104,3% em março em meio a crises climática e econômica

    "Se percebe a inflação em tudo quanto é canto e de uma forma bem agressiva", relata brasileiro que vive no país

    Argentina ocupa o topo do ranking dos maiores índices inflação entre os membros do G20
    Argentina ocupa o topo do ranking dos maiores índices inflação entre os membros do G20 FOTO DE ARQUIVO: Uma vendedora de vegetais em um mercado em Salta, Argentina, em 11 de agosto de 2021. Foto tirada em 11 de agosto de 2021. REUTERS/Agustin Marcarian/Foto de arquivo

    Tamara Nassifda CNN

    em São Paulo

    De três meses para cá, o brasileiro Juliano Sousa, de 26 anos, relata ter sentido um aumento no custo de suas compras de supermercado na cidade onde mora, em Buenos Aires, capital da Argentina. Os preços dos ovos, por exemplo, subiram 70%.

    “Quando cheguei, há três meses, eu pagava 1.000 pesos em 30 ovos. Na mesma loja, hoje, eu pago 1.700 pesos pelos mesmos 30 ovos”, conta ele à CNN. “Se percebe a inflação em tudo quanto é canto e de uma forma bem agressiva”, diz Sousa.

    O relato mostra o impacto no cotidiano dos consumidores do que o Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) do país divulgou na última sexta-feira (14). O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) apontou uma inflação de 104,3% em março, na comparação anual. Na comparação com o mês de fevereiro, os preços estavam 7,7% maiores.

    O dado coloca o país no topo do ranking dos maiores índices de inflação entre os membros do G20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia.

    Mesmo a taxa de juros, principal instrumento de bancos centrais para controlar a temperatura econômica, parece não conseguir domar os preços. Na última reunião do Banco Central da República Argentina (BCRA), em março, ela foi definida em 78% ao ano, um aumento de 3 pontos percentuais desde o encontro anterior.

    Com a maior taxa nominal do mundo, segundo levantamento da gestora Infinity Asset Management que compila dados das 40 principais economias globais, a Argentina também é o país com os menores juros reais — aqueles que descontam a inflação.

    “A inflação elevadíssima da Argentina é resultado da pouca credibilidade que o BC tem com a população e de uma política fiscal muito irresponsável há muitos anos”, afirma à CNN Alberto Bernal, estrategista internacional da Mesa Institucional da XP em Nova York.

    “Os salários reais estão caindo, o que implica em um empobrecimento populacional alarmante. A inflação é muito, muito significativa, e os ajustes salariais costumam vir só depois que a inflação se instala. O trabalhador sempre perde seu poder de compra e consumo, e por isso há tanto mal-estar”, avalia.

     

    Seca

    A situação se agrava ao se olhar para a crise climática que a Argentina atravessa, um dos maiores exportadores mundiais de grãos. Lidando com uma das piores secas da história, as safras locais podem render quase um quarto a menos de dólares de exportação nesta temporada em relação ao ciclo anterior, de acordo com a bolsa de grãos de Buenos Aires.

    O resultado é um encarecimento ainda maior dos preços dos alimentos — e uma perspectiva de perdas de dezenas de bilhões de dólares para a economia.

    Como tentativa de conter a crise, o governo Alberto Fernández tem lançado mão de medidas de contenção de divisas e estímulos para determinados setores.

    Desde 2018, a Argentina mantém em curso uma política que restringe a compra de dólares para mantê-los no país. A medida permite que apenas alguns poucos setores da economia, geralmente ligados a bens de capital e insumos industriais, tenham acesso ao dólar oficial, a 216,63 pesos por US$ 1 na cotação atual.

    Pessoas físicas, que queiram destinar o dinheiro para poupança ou viagens, também podem comprar a esse valor, mas são limitadas a apenas US$ 200 por mês. Em resposta, o mercado paralelo de câmbio é quem sai ganhando, com dezenas de cambistas em quarteirões de ruas movimentadas de Buenos Aires tentando atrair turistas e locais para trocar moedas estrangeiras pela cotação do dólar “blue”, que, mesmo não sendo o oficial, é vendido sem grandes problemas com autoridades do país.

    Dólares

    O atual cenário de escassez de divisas, somado aos compromissos do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de acumular reservas monetárias, tem levado a Argentina a adotar novas medidas para o câmbio.

    São 16 variações do dólar para estimular setores específicos da economia. O último, em vigor desde 1.º de abril, leva o nome de “dólar Malbec” e é focado no mercado nacional de vinhos, mirando elevar a competitividade da bebida.

    Ele segue a esteira de outras variações — algumas com nomes inusitados, como dólar Coldplay, dólar Catar e dólar Netflix.

    “Tomamos essa medida porque recebemos reclamações de setores da economia e porque queremos cuidar das reservas para produção e geração de empregos. Para isso, é preciso evitar a fuga de divisas”, disse Carlos Castagneto, chefe da AFIP (Receita Federal Argentina) em entrevista a jornalistas.

    “Não estamos proibindo a compra de mercadorias ou pacotes turísticos, apenas encarecendo o dólar para proteger nossas reservas.”

    “Décadas de má-gestão”

    Segundo especialistas consultados pela CNN, a situação econômica da Argentina é reflexo de “décadas de má gestão”.

    “O país tropeça de crise em crise há anos, porque a combinação de políticas lá é muito ruim”, comenta o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Relações Internacionais do Banco Central (BC).

    “Nenhum governo parece conseguir ajustar esse problema. A análise quanto à Argentina não tem segredo: é simplesmente um país que tem sido mal gerido há décadas. A política monetária é absolutamente inconsistente com o objetivo de trazer a inflação para um mínimo de controle e, para piorar essa questão, o volume de gastos públicos não para de crescer.”

    Para Alberto Bernal, a solução é uma só: “O Banco Central precisa aumentar os juros e ter uma política fiscal responsável, contracionista. Se não, será muito, muito difícil diminuir a inflação e dar confiança à sustentabilidade da dívida pública.”

    Mesmo afetando o país independentemente do governo à frente, as eleições presidenciais batem à porta e as projeções não são animadoras para Alberto Fernández, que pleiteia a reeleição.

    Os especialistas avaliam que as estratégias adotadas nos últimos anos — inclusive a criação de variações do dólar com nomes curiosos — são heterodoxas e extremas, e não atacam, necessariamente, os problemas estruturais que afetam a economia.

    Temendo mais queda na popularidade, Fernández e a vice-presidente, Cristina Kirchner, relutam em adotar medidas impopulares e urgentes. É, porém, uma forma de empurrar o problema com a barriga, sem gerar resultados concretos nas chances de reeleição.

    “É muito pouco provável que Fernández seja reeleito. A população tem uma péssima visão do governo por causa da péssima situação econômica”, avalia Bernal, que afirma acreditar que a oposição deve levar a maioria dos votos.

    Entre os adversários, na direita liberal, há o atual prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, e a ex-ministra de Segurança, Patricia Bullrich, ambos do partido Juntos por el Cambio. Correndo pela direita radical, há o deputado Javier Milei.

    *Com informações da Reuters