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    Inflação, alta dos juros e custo energético: como cenário europeu pode afetar o Brasil?

    Segundo especialista, atual cenário econômico europeu reflete a dificuldade e desafio do banco central do bloco de estabelecer uma única política monetária para diversos países, com inflações diferentes

    A Alemanha, que registrou uma inflação de 6,1% em agosto, enfrenta uma retração econômica que impacta diretamente a dinâmica na Zona do Euro, por ser o grande motor de crescimento do grupo
    A Alemanha, que registrou uma inflação de 6,1% em agosto, enfrenta uma retração econômica que impacta diretamente a dinâmica na Zona do Euro, por ser o grande motor de crescimento do grupo Guillaume Périgois/ Unsplash

    Luiza Palermoda CNN*

    São Paulo

    Na última semana, o Banco Central Europeu (BCE) elevou a taxa de juros para 4%, o nível mais alto desde o lançamento do euro, em 1999.

    A decisão ocorreu em meio a resultados decepcionantes da atividade econômica do continente e perspectivas de recuperação desanimadoras, que podem impactar outras nações, inclusive o Brasil.

    O BCE também aumentou as estimativas da inflação média de 2023, passando de 5,4% da expectativa em junho para 5,6%. Já para o ano que vem, as previsões subiram de 3% para 3,2%.

    No caminho oposto, a inflação média em 2025 foi revista para baixo, de 2,2% para 2,1%. O valor se aproxima dos objetivos a médio prazo da instituição, que persegue a meta inflacionária de 2%.

    Além disso, a Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia, divulgou uma queda além do esperado na produção industrial da zona do euro, de 1,1% em julho ante junho, surpreendendo os analistas de mercado, que previam recuo de 0,7%.

    Na avaliação do professor de economia do Insper Roberto Dumas o atual cenário econômico europeu reflete as dificuldades e os desafios do BCE em estabelecer uma única política monetária para diversos países, com inflações e realidades econômicas diferentes.

    “Uma única política monetária não está servindo para todo mundo. Se 4% é uma taxa de juros exagerada para a Espanha, por exemplo, ela é bem baixa para Eslováquia e Croácia. A missão do Banco Central é controlar a inflação. Se tenho inflações dispares, é preciso acertar em alguma delas, e é obvio que vai dar mais importância para países maiores”, afirma o especialista.

    A Alemanha, que registrou uma inflação de 6,1% em agosto, enfrenta uma retração econômica que impacta diretamente a dinâmica na Zona do Euro, por ser o grande motor de crescimento do grupo.

    O relatório econômico mensal do banco central alemão, divulgado na segunda-feira (18), mostra que a economia do país provavelmente encolherá neste trimestre, uma vez que o setor industrial está em recessão e o consumo privado contribui pouco para o crescimento.

    Caso se concretize, será o quarto trimestre consecutivo de taxas negativas ou estáveis.

    “O problema é que uma taxa de juros de 4% ainda é baixa para a inflação da Alemanha, então acaba ficando com uma taxa de juro real negativa. Só que o país está com um PIB [Produto Interno Bruto] que já caiu dois trimestres”, avalia Dumas.

    Por outro lado, o professor afirma que a desaceleração de crescimento na China impacta drasticamente a economia do país europeu, já que é o parceiro comercial mais importante da Alemanha.

    “Além da taxa de juros subir e isso prejudicar a atividade econômica, a Alemanha ainda exporta para China, que está crescendo menos”.

    Para o professor de economia da FGV Joelson Sampaio, as perspectivas para ao final do ano indicam um cenário ruim para continente e sem previsões de mudanças para dados mais positivos.

    “A gente tem aí uma possível recessão já impactando bastante economia europeia, mesmo a Alemanha, que é uma economia super forte, tem dado resultados negativos para o PIB. E temos um cenário de uma combinação ruim, que são os juros altos, o preço da energia alto e, consequentemente, a inflação alta”, explica o especialista.

    Neste cenário, o também professor de economia do Insper Ulisses Ruiz de Gamboa ressalta como os resultados econômicos da Alemanha acabam influenciando na economia dos outros países da União Europeia.

    “Como a Alemanha também tem um comércio muito integrado com a Zona do Euro, isso vai acabar desacelerando e até derrubando a atividade nos outros países europeus”, afirma o professor.

    Enquanto isso, a previsão do PIB para os países da região foi reduzido em 0,7% em 2023, frente ao 0,9% inicialmente previsto há três meses. Para 2024, o BCE espera um expansão de 1%, em comparação ao 1,5% estimado anteriormente.

    As previsões para o futuro no continente também não são tão animadoras. Um relatório divulgado pela Comissão Europeia, antes da decisão da taxa de juros, mostrou que a Zona do Euro deverá crescer menos do que se esperava neste ano e no próximo diante da fraqueza da demanda doméstica e arrefecimento da demanda global.

    O documento atribui a perspectiva de crescimento menor à fragilidade do consumo privado, diante da persistência da inflação alta.

    “As taxas de juros derrubam consumo e derrubam investimento, não tem como aumentar a taxa de juros para 4% e não afetar a atividade econômica. Então, a Europa tende a sofrer muito mais que os Estados Unidos, por exemplo, por causa dessa politica monetária contracionista que pode ser exagerada para alguns países e não ser suficiente para outros”, afirma Dumas.

    Encarecimento da energia

    Segundo os economistas, o cenário negativo também se relaciona com a questão energética no continente europeu, que desde a eclosão da Guerra na Ucrânia viu os preços do gás natural aumentarem esporadicamente.

    Após meses de queda, o preço do gás natural chegou a disparar 52% em junho deste ano, atingindo 35 euros (cerca de R$ 135) por megawatt-hora, de acordo com dados do Independent Commodity Intelligence Service (ICIS).

    “Por conta da guerra e do apoio europeu a Ucrânia, a Rússia diminuiu o fornecimento e encareceu o preço do gás natural, que é vital para Europa. Com esse encarecimento do preço de um insumo básico, se gera uma situação de inflação de custo, o que gera uma queda na atividade”, explica Gamboa.

    Dumas também chama a atenção para os efeitos secundários, como o aumento da energia elétrica gerada pelo insumo.

    “Como o preço do gás natural subiu em grande parte desses países, a conta de luz também aumentou muito. Vários países, como Espanha, Reino Unido, Alemanha, França e Portugal, passaram a dar subsídio nas contas de energia elétrica das famílias, o que acabou pressionando a dívida pública”.

    Reino Unido impactado

    Apesar de não fazer mais parte da União Europeia, o Reino Unido vem sentindo os reflexos da desaceleração das atividades econômicas, registrando uma queda na produção industrial de 0,7% em julho.

    Na avaliação de Dumas, os problemas econômicos e comerciais do país foram agravados após o Brexit, quando o Reino Unido deixou de fazer parte da União Europeia, em janeiro de 2020.

    “O problema é que o Reino Unido não pode contar mais com a mão de obra vinda do exterior, o que já causa uma inflação de serviços. Além disso, todos os produtos que vem da União Europeia são taxados, então você já está importando mais inflação via mais impostos”, explica Dumas.

    “Se você saiu da União Europeia, você é tratado como um país fora do acordo aduaneiro. Então os impostos de importação que os países da União Europeia não precisariam pagar e cada produto que entra tem que passar por uma certa especificidade, principalmente de saúde e segurança, porque era tudo harmonizado”, completa o especialista.

    Como o cenário europeu pode afetar o Brasil?

    O continente europeu é um importante parceiro comercial do Brasil e, segundo Gamboa, também é um dos principais destinos para as exportações agropecuárias.

    “Com isso, claramente uma recessão na Europa nesses mercados consumidores tão importantes para nós vai significar uma menor procura pelos produtos agropecuários que o Brasil exporta, e isso deve se refletir tanto em queda de preço dessas exportações, quanto também em queda do volume exportado”, afirma o especialista.

    Além disso, de acordo com o professor, a situação da economia europeia também pode impactar em uma redução dos investimentos estrangeiros no Brasil.

    “A Europa também é um grande investidor em termos de capitais financeiros de longo prazo e isso também afetaria negativamente a economia brasileira, que precisa desse fluxo de recursos financeiros para financiar investimentos do ponto de vista produtivo e de infraestrutura”, completou.

    Por outro lado, apesar do cenário negativo no continente europeu, os efeitos podem não ser tão impactantes para a atividade econômica brasileiras. Isso porque, segundo Dumas, o comércio de exportações brasileiras também é composto por outros países, como China, que detêm a maior parcela das compras, e os Estados Unidos.

    Já de acordo com Sampaio, da FGV, o país não deve sentir um impacto tão forte na crise no continente europeu graças ao atual cenário econômico brasileiro mais forte.

    “O Brasil é um parceiro comercial importante da Europa, mas o continente não é o principal parceiro econômico que o Brasil tem. Então, nesse contexto, eu diria que a gente pode sim ter esses impactos, principalmente via comércio. Se a Europa cresce menos, demanda menos produtos do Brasil e isso afeta a nossa exportação, por exemplo”, afirma o especialista da FGV.

    “Mas eu diria que hoje o Brasil tem um cenário melhor em relação à Europa, porque a gente tem, ao contrário deles, um crescimento econômico com uma tendência de queda da taxa de juros”, destaca.

    *Sob supervisão de Gabriel Bosa 

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