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    ‘Há um enorme abismo entre a riqueza e o povo’, diz Nobel da Paz Muhammad Yunus

    Entrevistado durante o “Fórum de Economia CNN”, o economista criticou duramente o modelo de maximização de lucros e de educação atual

    Fórum de Economia CNN
    Fórum de Economia CNN Divulgação/CNN

    Matheus Pradodo CNN Brasil Business

    Desenvolver economia, educação e tecnologia em prol das pessoas. Para o economista e banqueiro Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz de 2006, é assim que o mundo precisa seguir. Entrevistado por Márcio Gomes durante o Fórum de Economia CNN – Os desafios de um Brasil essencial”, ele criticou duramente o modelo corporativo de maximização de lucros e o sistema de educação atual, que só ensina o jovem a replicar o que as gerações anteriores já fazem.

    “O sistema foi criado de um jeito errado, porque a riqueza está se afastando do povo. 99% das pessoas estão na base, e 1% das pessoas estão no ‘céu’, concentrando 99% da riqueza. E esse buraco está aumentando no mundo inteiro. Há um enorme abismo entre a riqueza e o povo”, diz.

    “A educação atualmente só repete o que já fazemos, orientando os jovens a fazer o mesmo. Criamos as mesmas empresas, os mesmos bancos, os mesmos negócios para maximizar lucros. Temos que construir um sistema em que a renda seja distribuída entre a população, não só para um pequeno grupo de pessoas. E isso começa na educação.”

    Yunus ficou conhecido ao criar o Grameen Bank, banco especializado em microcrédito que atua junto à população de baixa renda de Bangladesh, principalmente mulheres, sem fins lucrativos. Foi pelas mãos dele que negócios socialmente responsáveis começaram a ganhar espaço no mundo todo.

    Leia abaixo alguns dos principais pontos da entrevista:

    O que mudou desde que apresentou sua tese ao mundo?

    O problema continua e foi exacerbado por conta da pandemia. Pessoas que tinham dificuldade de sair da linha da pobreza estão perdendo ainda mais, enquanto muitos que estavam fora entraram. Além disso, enquanto bilhões perdiam tudo, aumentamos muito a concentração de riqueza.

    E é para isso que estou tentando chamar atenção. O sistema foi criado de um jeito errado, porque a riqueza está se afastando do povo. 99% das pessoas estão na base, e 1% das pessoas estão no ‘céu’, concentrando 99% da riqueza. E esse buraco está aumentando no mundo inteiro. Há um enorme abismo entre a riqueza e o povo. Eu acredito que temos que reformular o sistema para que a riqueza chegue até o povo, para que não fiquem separadas. É a única coisa que temos que fazer, pois a situação se tornou inadmissível.

    Como surgiu a ideia de oferecer microcrédito para pessoas de baixa renda?

    Estava lecionando em uma universidade, e o país estava muito pobre, com gente passando fome. Achei que meu trabalho era inútil e quis procurar algo para realmente ajudar os pobres. Eu não sabia como. A economia nunca me ensinou. Então, como ser humano, quis ir até essas pessoas para tentar ajudar. Ali vi uma coisa terrível. Quando os trabalhadores precisavam de dinheiro, precisavam ir até agiotas, que pegavam tudo que as pessoas tinham como depósito. Via essas pessoas sofrendo e queria protegê-las dos agiotas. Pensei, então, que podia eu mesmo lhes emprestar dinheiro.

    Comecei a fazer isso com quantias pequenas: US$ 5, US$ 10, US$ 20. As pessoas gostaram e fui expandindo. E eles me pagavam porque eu dizia “não cobro a mais, mas precisam pagar para receber mais”. Depois criei um banco que cresceu para o país todo, e o empréstimo ficou conhecido como microcrédito ou pequenos empréstimos para pobres, principalmente mulheres. Hoje é um fenômeno mundial.

    Pensando nisso, como o senhor enxerga o papel da caridade no mundo?

    Falo disso há muitos anos. Caridade é muito importante e já salvou muita gente. O problema é que o dinheiro não volta, então, só se usa uma vez. O que eu proponho é não fazer dinheiro e ajudar as pessoas. É uma empresa sem fins lucrativos para resolver problemas.

    Hoje há três opções: você pode ter um negócio para maximizar lucros e ganhar muito dinheiro com isso, fazer caridade e ajudar as pessoas ou criar um negócio social para ajudar as pessoas e conseguir o dinheiro de novo. E usá-lo de novo, de novo, de novo.

    Dinheiro de caridade tem uma vida e dinheiro de negócios sociais tem vida interminável, então, se torna um dinheiro poderoso.

    Por que seu foco é, prioritariamente, ajudar mulheres?

    Eu via as mulheres sofrendo mais que os homens. Quando a fome chega, o homem às vezes abandona a família para encontrar alguma coisa, mas as mulheres sempre ficam para cuidar das crianças. O fardo é delas. Então, com o nosso projeto, quisemos mudar suas vidas, e elas levaram isso muito a sério. Se tornaram grandes empreendedoras.

    Quando a ideia de microcrédito se espalhou no mundo, a maioria das iniciativas era voltada para as mulheres. Hoje temos o Grameen America nos Estados Unidos, com 140 mil usuárias, e 100% são mulheres, às vezes sem documentos, sem visto. Mas nós lhes emprestamos dinheiro e elas pagam de volta.

    As grandes empresas entendem o seu propósito?

    Eu falo com todo mundo: “você ganha dinheiro, é o seu negócio. Mas por que você também não cria um negócio secundário para ajudar as pessoas? Você não precisa fugir disso”. Se há dinheiro para filantropia, por que não construir um negócio social?

    Alguns tomam coragem, como, por exemplo, a Danone, que começou a produzir iogurtes com todos os nutrientes que as crianças pobres de Bangladesh precisam. Fizemos um iogurte saudável e barato para que as pessoas pobres pudessem comprar, e a empresa recebesse o dinheiro de volta. Também fizemos isso com a UNIQLO, com a McCain.

    A McCain é interessante porque criou um negócio social com batatas, seu core business. 40% das batatas eram jogadas fora porque não estavam no formato adequado para virar batata frita.  Então a empresa começou a comprar batatas e outros vegetais “feios” para produzir sopa e vendê-la por valores menores.

    Quando as empresas falam de ESG, é da boca para fora?

    É marketing. Se o lucro estiver aumentando, eles só vão olhar para isso. É o que chamamos de greenwashing. Contratam bons profissionais de comunicação para criar uma narrativa sobre as contribuições incríveis que fazem enquanto, na verdade, boa parte está destruindo o planeta.

    Alguns empresários levam isso a sério, mas há limitações. Os acionistas só pensam no lucro, não ligam para ESG. No mercado, se os preços das ações baixarem, você não será perdoado.

    Como podemos estimular mudanças na educação?

    A educação atualmente só repete o que já fazemos, orientando os jovens a fazer o mesmo que já fazemos. Criamos as mesmas empresas, os mesmos bancos, mesmos negócios para maximizar lucros. Os jovens não aprendem novas formas de fazer as coisas.

    Eu insisto que, se formos pelo mesmo caminho, vamos chegar sempre ao mesmo destino. Temos que construir novos caminhos. Deixar, por exemplo, de lado essa ideia de maximização de lucros, de crescimento do PIB. O crescimento do PIB só interessa aos ricos. São 5% das pessoas. E os outros 95%? Temos de promover o crescimento das pessoas.

    Temos que construir um sistema em que a renda seja distribuída entre a população, não só para um pequeno grupo de pessoas. E isso começa na educação.
    Precisamos, por exemplo, ensinar como atingir índice zero de emissão de carbono para evitar o aquecimento global. Isso foi criado pelos negócios. Combustíveis fósseis, plástico, todas essas coisas que as empresas tentam ignorar e continuam produzindo e consumindo.

    A nossa casa está queimando, mas dentro de casa, estamos festejando. Comemorando crescimento, avanços tecnológicos e esquecemos que a casa está em chamas. Então, a escola precisa ensinar os jovens a construir novos caminhos, com zero carbono, zero concentração de renda e zero pobreza.

    E como a tecnologia pode ajudar nisso?

    Tecnologia é útil para tudo. Durante a pandemia estamos aprendendo a lidar com isso, até mesmo no desenvolvimento de vacinas. O problema é que as farmacêuticas também estão buscando lucros. Apenas 1% da população na África tem acesso à vacina. 5% em Bangladesh. É um uso errado da tecnologia.

    Vários países como Brasil, Índia, Bangladesh têm capacidade de produzir a vacina caso as patentes sejam quebradas. Assim, a velocidade de produção aumentaria muito. No ritmo atual, levaria 57 anos para vacinar toda a população mundial.

    Estes são usos ruins da tecnologia, assim como a inteligência artificial substituindo todos os empregos. Temos que parar isso. Temos que utilizar estes recursos de forma mais adequada. A inteligência artificial pode salvar a vida de pessoas na medicina. Isso é um bom uso.