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    Há chance real de o Tesouro não conseguir pagar seus investidores e dar calote?

    Dívida pública alta e dúvidas quanto ao controle das contas do governo têm feito investidores resistirem a comprar títulos públicos

    Juliana Elias, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Com os volumosos gastos que vieram com a pandemia de coronavírus, a dívida pública brasileira, que já era alta, disparou. As despesas também seguem muito maiores que a receita e os investidores já estão mais reticentes em comprar os títulos emitidos pelo governo. 

    Isso está aparecendo na dificuldade do Tesouro em conseguir encontrar comprador para seus títulos de vencimentos mais longos, de cinco anos ou mais. O resultado é que os juros desses papéis estão subindo e ficando caros para o governo, mesmo com a Selic, a taxa básica que serve de referência para eles, despencando. 

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    Se o governo, então, está cada vez mais sem dinheiro para pagar uma dívida cada vez maior, significa que as chances de ele dar um calote estão se tornando reais? Ou seja: quem tem títulos do Tesouro, que nada mais são que um pedaço dessa dívida, corre o risco de não ver seu dinheiro de volta?

    É uma pergunta que pode zumbir na orelha de muitos, dado que o fantasma do calote e da moratória já foi bem vivo nos países latinos no passado, incluindo o Brasil, e ainda assombra alguns no presente, caso da Argentina, que está às voltas com a nona renegociação de seus débitos com investidores e credores.  

    Ainda assim, para analistas e gestores, a possibilidade de um calote do Tesouro Nacional segue bem distante. “É preocupante, sim, o crescimento da dívida”, disse o analista da Omninvest Sérgio Goldenstein, que também foi chefe de mercado aberto do Banco Central. “Mas ainda estamos muito longe de discutir uma moratória. Teríamos que ter muitos anos de irresponsabilidade fiscal para que esse risco fosse significativo.”

    A dívida pública brasileira, que encerrou o ano passado em 75% do PIB, deve disparar para próximo de 100% até o fim deste ano, bem mais alta do que vários países emergentes e já bem para lá do sinal de conforto. Algumas particularidades do Brasil de hoje, entretanto, ajudam a aplacar o risco de o governo ficar, de fato, incapaz de honrá-la. 

    Uma delas é o fato de que os juros muito baixos acabam compensando em parte a dívida maior, porque há uma economia grande no que se paga com eles. “Juros menores permitem dívidas maiores, e os investidores entendem isso”, disse Paulo Clini, diretor de investimentos da Western Asset, gestora com forte atuação em fundos de renda fixa. 

    Também alivia o cenário adverso o fato de que o grosso da dívida pública brasileira, hoje, é interna, quer dizer, foi tomada aqui e em reais. É diferente de como fomos no passado e do que ainda acontece em muitos emergentes, onde a maior parte dos empréstimos dos governos continua sendo em dívida externa, captada em dólares. 

    “Se a dívida não é na sua moeda ela pode disparar quando há uma desvalorização cambial, e esses saltos por conta do câmbio nós já sabemos que não temos mais”, diz Clini. 

    Medo de que?

    Se, então, não é o medo de calote que está deixando os investidores reticentes, por que o chamado “risco fiscal” se tornou a bola da vez nos alertas dos economistas e há um desequilíbrio evidente no mercado de títulos do Tesouro Nacional?

    De acordo com os analistas, a resposta passa pelo temor crescente de que a taxa Selic, hoje na mínima histórica de 2% ao ano, acabe tendo que subir mais cedo e com mais força do que o esperado. Isso pode acontecer caso o governo abra demais a mão dos gastos, mesmo depois de acabados os programas emergenciais da pandemia, o que pioraria a dívida e a credibilidade de vez e pode gerar inflação.

    É essa desconfiança que está causando a bagunça no mercado de juros futuros e nas tentativas do Tesouro Nacional de rolar sua dívida, isto é, de emitir títulos novos para pagar os que vencem. Esses títulos são vendidos em leilões para grandes investidores, como bancos e fundos de investimentos, mas esses compradores não estão aceitando qualquer oferta. 

    Os títulos pós-fixados (Tesouro Selic ou LFT), que remuneram exatamente a Selic, sempre foram a prata da casa, mas, com a Selic menor até do que a inflação, menos gente quer comprá-los. 

    Já os prefixados ou atrelados à inflação (LTN, NTN-F e NTN-B) só estão sendo aceitos se a remuneração oferecida for mais generosa, em especial para aqueles com vencimentos mais longos, de 2026 em diante.

    Isso está abrindo uma distância inédita entre os juros efetivos – os 2% atuais da Selic – e os futuros. Para se ter uma ideia, o título prefixado do Tesouro Direto para 2026 está pagando 7,1% para quem comprá-lo hoje. Em agosto, essa taxa estava em 5,7%. 

    A lógica desses investidores é: se eu travar agora juros mais brandos (por exemplo, 5%), mas, até lá, os juros do país subirem muito (para, por exemplo, 7%), o título que eu tiver em mãos perde valor.  

    “É normal que os juros longos [de títulos com prazos compridos de vencimento] sejam maiores que os presentes, mas os investidores estão pedindo um prêmio adicional sobre essa diferença, por conta da incerteza fiscal”, disse Clini, da Western.

    Então é hora de comprar?

    Se, então, esses títulos estão com juros bem mais gordos do que deviam, e ainda sem risco de calote, não é esta uma ótima oportunidade para encher a cesta com eles?

    A resposta não é tão simples: pode ser um bom quanto um mau negócio. A resposta depende justamente desse futuro nublado em relação ao caminho de controle dos gastos e da dívida que o governo pode decidir trilhar ou não de 2021 em diante. 

    “Se houver equilíbrio fiscal e, portanto, redução do prêmio de risco, quem tiver um título prefixado agora ganha”, disse Goldenstein, da Omninvest. Nesse caso, os juros tendem a subir menos do que o que foi precificado e quem comprar os títulos agora, com os juros mais altos, terá embolsado uma boa rentabilidade extra.

    “Já se a situação fiscal piorar, o teto de gastos for abandonado, o risco e os juros sobem ainda mais e quem comprar agora perde.”

    “A decisão vai depender da visão pessoal de cada um”, diz Clini, da Western, “e de qual cenário a pessoa acredita ser o mais provável”. 

    Na dúvida, a indicação para quem não quer arriscar e evitar os títulos públicos prefixados, que têm toda remuneração definida na compra e são os mais engessados, e ficar com aqueles atrelados à inflação.

    Estes têm uma parte da remuneração em juros fixos, como os prefixados, e a outra indexada à inflação, o que significa que se a inflação sobe, a remuneração deles também sobe. Isso evita que seu lucro seja “espremido” pelas altas de preço ao longo do tempo.

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