Um ano pós crash da Covid: bolsa tem ações disparando, mas maioria amarga perdas
Recuperação depois das grandes quedas de março foi rápida, mas muito desigual entre os diferentes setores
Ainda existia Carnaval no Brasil e a festa estava acontecendo nas ruas enquanto bolsas de valores do mundo inteiro despencavam na segunda e na terça-feira, 24 e 25 de fevereiro de 2020. Não havia um fato pontual, mas foi naqueles dias que o mundo vislumbrou quais poderiam ser os estragos do ainda pouco conhecido coronavírus, o novo vírus que, até poucas semanas antes, tinha ficado concentrado na China e alguns vizinhos.
A Itália, onde 2,8 milhões de pessoas já pegaram a doença, contava 300 casos e as 11 primeiras mortes. Em um espaço de poucos dias, Alemanha, Áustria, Croácia, Espanha e Suíça reportaram suas primeiras infeções. Os três principais índices das bolsas americanas –o Dow Jones, o S&P 500 e a Nasdaq–, que surfavam uma onda de recordes históricos nas semanas anteriores, caíram mais de 6% naquele dois dias, em uma das piores sequências de quedas que já tiveram.
No Brasil, foi também naquela terça-feira de Carnaval, dia 25, que o primeiro dos 10,3 milhões de casos oficiais da Covid-19 no país seria confirmado, em um paulistano de 61 anos recém-chegado da Itália.
Como de costume, a B3, a bolsa de valores brasileira, tinha ficado fechada nos dois dias do feriado. Quando voltou a abrir, na quarta-feira de cinzas, 26 de fevereiro de 2020, a sangria era certa. O Ibovespa, o principal índice acionário da bolsa, caiu 7% de uma vez. E era só o começo.
Festival de ‘circuit breakers’
Nos 26 dias ou 19 pregões que se seguiram até 23 de março, dia em que atingiu seu menor nível, o Ibovespa já tinha caído 44%. Alguns desses momentos foram históricos, caso da sessão de 12 de março: a queda de 14,8% segue sendo a maior para um fechamento desde a crise cambial global de 1998. A sessão foi interrompida, ainda, por dois dos seis “circuit breakers” que a B3 acionou em um espaço de apenas nove dias naquelas semanas que abalaram os mercados.
O auge do pânico, dentro e fora do Brasil, acontecia um dia depois de a Organização Mundial da Saúde decretar o surto de coronavírus como pandemia, em 11 de março. O canal da CNN Brasil entraria no ar pela primeira vez no domingo seguinte, 15 de março, já com a missão de reportar uma das piores crises da história moderna no mundo.
Os circuit breakers, o nome em inglês para disjuntor, são um mecanismo criado pela B3 em 1997 e que interrompem o pregão por 30 minutos quando a bolsa cai mais de 10%. Caso a queda, na volta, passe dos 15%, ele é acionado de novo, por uma hora. A parada dupla em um único dia só aconteceu outras três vezes na bolsa brasileira, nas crises cambiais de 1997 e 1998 e na crise financeira internacional de 2008. Desde que foi criado, o sistema de circuit breaker foi usado 20 vezes.
A grande diferença é que esta foi uma crise gerada por um problema de saúde. Não conhecíamos suas características e este era o grande desafio. Não dava para discutir as variáveis macroeconômicas, políticas e fiscais com que estamos acostumados
Eduardo Carlier, co-gestor de renda variável da AZ Quest
Juros negativos e pacotes trilionários
O Ibovespa chegaria ao fundo do poço em 23 de março, quando saiu dos 113 mil pontos em que estava antes do Carnaval para desabar aos 63 mil, a menor pontuação desde 2017.
Dali para frente, porém, a resposta rápida, arrojada e trilionária que governos e bancos centrais do mundo inteiro passaram a dar em estímulos a suas economias começou a funcionar.
Na dianteira, os Estados Unidos derrubaram os juros para zero e concluíram um dos maiores pacotes de ajuda da sua história. O Brasil seguiu os passos e, em poucos meses, já tinha cortado a Selic, a taxa de juros doméstica, de 4,5% para a mínima histórica de 2%, além de ter feito um dos maiores pacotes de auxílio fiscal do mundo, quando calculado em proporção do PIB. Descontada a inflação, os juros brasileiros já estão negativos há nove meses, coisa que nunca aconteceu no ex-país dos juros mais altos do mundo.
Foram duas fases bem marcadas: a primeira foi do susto, e a segunda, da reação. Com todos os estímulos que foram colocados na mesa, as bolsas tiveram recuperações muito fortes
Igor Lima, gestor de ações da Trafalgar Investimentos
Recuperação rápida, mas desigual
Na bolsa brasileira não foi diferente, e quem teve coragem e sorte ganhou dinheiro como nunca: do pior dia em março até o fim do ano, a alta do Ibovespa foi de 87%. Dezenas de ações subiram mais de 100%. Um punhado de retornos ficou acima dos 400%.
A recuperação até aqui, porém, reflete ainda uma economia patinando e com efeitos bastante desiguais entre os setores. Depois de um fim de ano de euforia, com a tão aguardada chegada das vacinas, e de ter conseguido renovar o recorde histórico no começo de 2021, a bolsa brasileira estancou e perdeu força.
No fechamento desta quinta-feira, 25, o Ibovespa ficou em 112.256 mil pontos, 1,2% abaixo do nível em que parou em 23 de fevereiro de 2020 (113.681 pontos), último dia útil antes de a pandemia derreter o mercado financeiro.
No meio, há alguns fenômenos: neste um ano desde o “crash” da Covid-19, a Vale (VALE3) subiu 101%, a CSN (CSNA3) saltou 171% e a novata Locaweb (LWSA3) disparou 412% (veja a lista completa ao fim). É uma boa amostragem dos setores que saíram vitoriosos da crise: as empresas de e-commerce, com digitalização forçada da economia, e as exportadoras de produtos básicos, com a disparada do dólar e a recuperação rápida da China.
Mas elas contam apenas um pedaço incompleto da história. Das 100 ações que compõem o índice IBrX 100 da B3, 63 ainda não voltaram ao nível pré-pandemia, de acordo com levantamento feito pela consultoria Economatica a pedido do CNN Business.
O IBrX 100 reúne as 100 ações de maior movimentação na bolsa, e é um pouco mais amplo do que o Ibovespa, que é composto pelas 77 maiores. O levantamento considerou as variações entre 23 de fevereiro de 2020 e o fechamento de 24 de fevereiro de 2021.
No lado das que ainda estão no negativo, há uma mistura enorme de atividades que vai das companhias aéreas e shopping centers aos grandes bancos, construtoras, supermercados e empresas de energia, além das grandes estatais, como Eletrobras e Petrobras.
Tem um número grande de ações que ainda está mal, e um grupo pequeno que está excelente. É como se umas empresas estivessem no congelador e outras, na fogueira, e a temperatura média parece ok, mas não é isso. A recuperação mostra um falso equilíbrio
Igor Lima, gestor de ações da Trafalgar Investimentos
O que esperar de 2021
Para os analistas e gestores, será mais ou menos essa a cara da bolsa de valores ainda durante 2021 inteiro: muitos acreditam que o Ibovespa tem força para subir e flertar com os 130 mil pontos ainda neste ano, mas ainda com muita incerteza, muitos altos e baixos e muita diferença entre um setor e outro.
“Não é um absurdo pensar na bolsa a 135 mil pontos até o fim do ano, mas com desempenhos bem discrepantes entre os setores. Não será como em 2019, por exemplo, em que houve uma alta generalizada e qualquer coisa que você tivesse comprado deu ganho”, disse Lima, da Trafalgar Investimentos.
“Os juros ainda estão baixos e o contexto para a bolsa ainda é positivo. Mas a crise de saúde ainda não acabou e 2021 inteiro ainda será um ano de volatilidade acima no normal”, acrescentou Calier, da AZ Quest.