O que fazer com as ações em cenário de bolsa em queda e juros em alta
Gestores e analistas estão atentos ao aumento de riscos, mas ainda enxergam potencial de longo prazo para a bolsa de valores
A bolsa de valores brasileira não está em seus melhores dias. O Ibovespa, índice que reúne as principais empresas da B3, está rodando atualmente na casa dos 110 mil pontos, nos menores níveis desde março. Desde o recorde, de 130.776 pontos, batido em junho, a queda é de 15%.
Não só as instabilidades domésticas, em especial as incertezas políticas e fiscais, estão pesando sobre a bolsa brasileira, como também uma importante mudança de cenário desde o começo do ano para cá.
Em 2020, a Selic, taxa de juros de referência do país, tinha chegado à mínima de 2% ao ano, depois de quatro anos seguidos em trajetória de queda, fenômeno essencial que ajudou a chacoalhar os investidores da renda fixa e a levar centenas de pessoas para o mundo da renda variável pela primeira vez.
Bancos centrais do mundo inteiro também derrubaram os juros e despejaram incentivos nos mercados para que continuassem girando durante a pandemia. O resultado foram montanhas de capitais rodando o mundo atrás de ativos de mais risco e mais retorno, e bolsas de valores que se recuperaram das quedas inéditas da pandemia tão rápido quanto caíram.
É esse cenário de hiperestímulos que está chegando ao fim. Com uma inflação que saiu do controle, o Banco Central brasileiro vem desde o começo do ano subindo a Selic, na escalada mais forte e mais rápida já vista no país em quase duas décadas.
Economistas aguardam a Selic chegando perto dos 9% nos próximos meses, o que deixa a renda fixa já bem mais atraente do que quando a remuneração de base estava nos 2%.
Lá fora, o banco central dos Estados Unidos sinalizou que deve começar a retirar seus estímulos bilionários em breve e, para completar, indícios de que a economia da China deve crescer menos também aguaram o otimismo dos investidores no mundo todo.
Não bastando, o Brasil ainda tem pela frente as eleições presidenciais de 2022, evento que tradicionalmente deixa a bolsa doméstica instável e que, neste ano, promete ser especialmente polarizada.
É uma porção de nuvens nublando o horizonte da renda variável ao mesmo tempo. Ainda assim, analistas e gestores consultados pelo CNN Brasil Business recomendam os investidores a irem com calma: nem é hora de sair correndo da bolsa, e nem de riscá-la das opções de investimentos.
“Se você está esperando a bolsa subir rápido, você nem deveria estar na bolsa”, disse Murilo Breder, analista de renda variável da corretora Nu invest, antiga Easynvest.
“As pessoas que entraram na bolsa de valores depois da pandemia nunca passaram por um momento de três ou quatro meses de queda, mas isso acontece. É renda variável. A bolsa deve ser um investimento de longo prazo”, afirma.
Isso, de acordo com Breder, significa que, sim, o Ibovespa tem fôlego para recuperar os 130 mil pontos que perdeu – inclusive porque as quedas recentes acabaram deixando muita ação mais barata do que deveriam valer, dado que o resultado das empresas continuaram sólidos.
A dificuldade, como em tudo na renda variável, é adivinhar quando essa retomada irá acontecer. “É o cenário macro que está conturbado e isso significa uma conjuntura de volatilidade; o mercado ainda vai balançar”, disse.
Bolsa barata e oportunidades
“Quem entrar na bolsa agora vai, sim, ganhar dinheiro no médio prazo. Vai ganhar dinheiro nesse ano ainda? Não sei”, diz Renato Iversson, gestor da gestora de patrimônio Taler, mencionando que a relação atual entre os preços das ações e o lucro das empresas é um dos piores para o Ibovespa em pelo menos duas décadas.
Quer dizer: a bolsa brasileira ficou muito barata, e valendo muito menos do que os potenciais de retorno que as companhias têm a dar.
Na Taler, que administra o patrimônio de famílias de alta renda, os gestores não estão reduzindo a porção de renda variável no portfólio dos clientes.
De acordo com Iversson, a estratégia atual tem sido deixar uma porção maior de dinheiro em caixa para conseguir comprar oportunidades que apareçam – tanto nos títulos de renda fixa, com os juros mais altos, quanto na renda variável, com as ações em desconto.
Saber escolher
Para Welliam Wang, responsável pela estratégia de renda variável da gestora de melhores fundos AZ Quest, os vários riscos no ar tornam mais importante a tarefa de selecionar bem as ações e setores a incluir ou manter na carteira.
“A principal mensagem é que tem que ser seletivo. Tem alguns setores que estão muito baratos e outros que demandam mais cautela”, disse.
Entre as apostas atuais das gestoras, de acordo com Wang, estão a Petrobras, que está barata para os retornos que têm dado, as siderúrgicas (como CSN, Usiminas e Gerdau), que ganham em redução de custo com o preço do minério de ferro caindo, e setores defensivos como o de saúde, que incluem a rede de farmácias Raia Drogasil.
Na outra ponta, estão as empresas de varejo e consumo, guarda-chuva que inclui as redes de moda, shopping centers e, principalmente, as empresas fortes em e-commerce, que, na visão de Wang, tinham subido demais.
“Nós continuamos apostando na bolsa no longo prazo”, disse. “No curto prazo vai ter muita volatilidade, principalmente com o cenário de incerteza eleitoral. Mas, no médio e no longo prazo, continuamos acreditando que a bolsa poderá dar um retorno melhor do que a renda fixa.”