Reforma tributária: o que é, como funciona e quais as propostas
Projetos em discussão não reduzem a carga, mas propõem a unificação e simplificação dos complexos impostos sobre consumo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantiram em diversos momentos desde a eleição que a reforma tributária deve ser uma das grandes e primeiras prioridades do novo governo.
As tentativas de uma reforma vêm de longa data – o próprio Lula chegou a tentar, sem sucesso, emplacar uma em seu primeiro mandato, em 2003.
Em anos recentes, o debate voltou à tona e, atualmente, há três grandes propostas de reforma tributária em discussão no Congresso.
Deve ser de uma delas, ou de uma mistura das três, que virá a nova legislação tributária brasileira.
Nenhuma tem o objetivo de reduzir a carga tributária do país. As três versam sobre a unificação e simplificação dos impostos sobre consumo, pleito longamente aguardado por empresários e investidores no Brasil.
Há ainda um quarto projeto, apresentado em 2021 pelo governo de Jair Bolsonaro, que reformula o Imposto de Renda das pessoas, empresas e investimentos.
É neste pedaço que está a proposta de taxar os dividendos, que são a parte do lucro das empresas pagas aos donos e acionistas. Hoje eles são livres de impostos no Brasil – um dos poucos países do mundo onde existe essa isenção.
A seguir conheça mais sobre o que está em discussão.
O que é a reforma tributária?
Reforma tributária é a reformulação do atual sistema de impostos do Brasil, por meio de uma nova legislação que modifique ou substitua as leis vigentes. Para isso, os projetos apresentados devem ser debatidos e aprovados pelo Congresso.
O principal objetivo das propostas em discussão no Parlamento é simplificar a complexa malha tributária do Brasil, formada por um emaranhado de impostos federais, estaduais e municipais.
Os objetivos da reforma tributária
São três os grandes e principais projetos que chegaram ao Congresso Nacional sobre o assunto: a PEC 45, apresentada pela Câmara dos Deputados, em 2019, a PEC 110, de autoria do Senado, também de 2019, e o projeto de lei (PL) 3.887, apresentada em 2020 pelo poder Executivo, pelo então ministro da Economia Paulo Guedes.
As três estão focadas em um grande tema em comum: criar um imposto unificado que facilite a mixórdia de tributos existentes hoje sobre o consumo no Brasil, ou seja, aqueles aplicados sobre a produção e a venda de produtos e serviços.
PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS são alguns deles, muitos cobrados cumulativamente uns sobre os outros.
A ideia é reuni-los todos ou em parte em uma coisa só e se aproximar mais do modelo internacional do chamado IVA – o Imposto sobre Valor Agregado – adotado em diversos países para tributar os bens e serviços.
Nas PECs 45 e 110, esse imposto único recebeu o nome de IBS (Impostos sobre Bens e Serviços). No projeto de Guedes, foi batizado de CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
A essência de todos, porém, é a mesma: agrupar os diversos impostos da malha brasileira em um só de maneira a tornar o recolhimento pelas empresas mais simples, ágil e barato, e o pagamento pelos consumidores mais claro e transparente.
“Hoje, 1,2% dos custos das empresas e indústrias está relacionado ao pagamento dos impostos”, diz o tributarista Luis Wulff, presidente da consultoria Tax Group.
“São softwares, assessores, auditorias, recursos humanos e físicos alocados para fazer essa tarefa. Com uma simplificação, esse custo poderia ser reduzido substancialmente.”
Vantagens e desvantagens da reforma tributária no Brasil
A principal vantagem do que há em andamento está na simplificação da complexa malha de cobranças brasileira e na agilidade que isso trará para as indústrias, comércios e serviços do país.
Entre as desvantagens, estão os conflitos de interesse que devem, inevitavelmente, surgir e que prometem dificultar a aprovação.
Um deles está no desafio de criar uma cobrança única para impostos que, hoje, são geridos separadamente por cada município e estado, além dos da União.
“Deverá ser a maior dificuldade para passar qualquer uma das propostas”, diz Wulff, do Tax Group. “Se será unificado, de quem será a competência da cobrança? Como será feita a distribuição e a garantia da receita dos estados? Será um cabo de guerra.”
A planificação dos impostos em uma cobrança igual também gera outro problema: os serviços, como escolas, consultas médicas ou academias, que hoje pagam alíquotas mais baixas que a média, sairiam com um imposto final maior.
Do outro lado, bens industriais, como roupas, veículos ou máquinas, que pagam mais e têm uma carga pesada em IPI, sairiam mais baratos.
“O principal custo dos serviços está na mão de obra e, como eles não compram insumo em larga escala, como a indústria ou o comércio, também não têm tanto crédito tributário quanto eles”, explica Wulff.
Os créditos tributários são descontos que as empresas ganham do Fisco pelos impostos que pagam na compra de produtos que irão usar, como uma máquina adquirida por uma indústria ou um televisor comprado por uma rede de varejo para vender em sua loja.
Sem muito uso desse benefício, e com uma alíquota maior com o novo “IVA”, os serviços acabariam ficando mais caros.
“As alíquotas precisariam ter um balanço especial para os serviços, além de uma reforma que reduzisse os impostos sobre a folha de pagamento”, diz Wulff.
O INSS é o principal tributo aplicado sobre os salários, e, embora desonerar as contratações seja também um dos pontos de debate dos últimos anos, ainda não há propostas concretas sobre isso.
Principais impostos do Brasil
Impostos federais
- IRPF (Imposto sobre a renda das pessoas físicas)
- IRPJ (Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas)
- IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros)
- CSLL (Contribuição social sobre o lucro líquido)
- IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários)
- ITR (Imposto territorial rural)
- IPI (Imposto sobre produtos industrializados)
- II (Imposto de importação)
- IE (Imposto de exportação)
- PIS/Pasep (Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público)
- Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social)
- Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico)
Impostos estaduais
- ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias)
- IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores)
- ITCMD (Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis)
Impostos municipais
- IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)
- ISS (Imposto Sobre Serviços)
- ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Móveis)
Principais pontos da reforma tributária
IPVA
Além de mexer nos impostos sobre consumo, a PEC 110 também propõe a ampliação do Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores, o IPVA, para aeronaves e embarcações, como jatinhos e lanchas.
Hoje, eles são isentos, enquanto apenas os veículos terrestres, como carros, motos e ônibus, são obrigados a pagar o IPVA.
IBS
O Imposto sobre Bens e Serviços, ou IBS, é o nome que recebeu, nas PECs 45 e 110, o imposto único que reuniria em um só os vários tributos sobre o consumo.
No PL 3.887, de Guedes, foi chamado de CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços.
Em todas as propostas, a mudança vale apenas para empresas médias e grandes, que recolhem seus impostos pelos modelos de lucro presumido ou lucro real.
As menores, enquadradas no Simples Nacional ou como Microempreendedor Individual (MEI) já têm uma malha tributária própria simplificada.
Apesar de a ideia geral ser a mesma, há diferenças na cesta de impostos aglutinados por cada um dos projetos:
- PEC 45. O IBS reuniria cinco tributos: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. A alíquota dele seria igual para todos os setores, e é sugerida em 25%.
- PEC 110. O IBS reuniria nove tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS. A alíquota poderia variar entre diferentes bens e serviços, mas deve ser definida depois por lei complementar.
- PL 3.887. A CBS reuniria dois impostos federais: PIS e Cofins. A alíquota deles dois juntos seria 12%, única para todos os setores.
A proposta incorporava a ideia de “IVA dual”, ou seja, um imposto reunindo os tributos federais, e um outro, que seria apresentado depois em um projeto separado, com os estaduais e municipais, como o ICMS e o ISS.
O mandato de Bolsonaro e Guedes, porém, acabou em 2022 sem que a segunda parte fosse apresentada.
Imposto Seletivo
Alguns produtos, pelas propostas, poderiam ter uma cobrança extra, no que foi chamada de Imposto Seletivo – ou “imposto do pecado”, como chegou a ser apelidado por alguns.
Na PEC 45, a ideia do Imposto Seletivo seria a de desestimular o consumo de alguns itens, como cigarros ou bebidas. A lista de bens seria definida depois.
Na PEC 110, a função do Imposto Seletivo é, principalmente, promover uma arrecadação extra. Ele seria aplicado sobre combustíveis, cigarros, bebidas e veículos, além de energia elétrica e telecomunicações.
Quais alterações podem acontecer na reforma tributária?
Para as empresas, a principal diferença com a unificação dos impostos seria sentida na maneira como computam e pagam suas contas ao Fisco.
É uma tarefa que hoje toma 1.500 horas de trabalho por ano (o equivalente a 61 dias completos) e coloca o Brasil em uma das piores colocações do mundo nesse quesito, de acordo com os rankings do Banco Mundial sobre a facilidade de se fazer negócios em cada país.
Para os consumidores, a principal mudança seria na transparência do quanto pagam em cada coisa que compram.
O modelo de um imposto aplicado apenas sobre o valor agregado, como é o IVA, permite ao contribuinte saber exatamente o quanto está pagando em imposto no preço das coisas.
Hoje, os vários tributos são aplicados ao longo de uma malha complexa, recolhidos por diversos entes (União, Estados e municípios) e, em boa parte, cobrados uns sobre os outros, o que gera cumulatividade.
O resultado é uma corrente longa, confusa e difícil de rastrear, e ninguém sabe exatamente quanto dos preços é imposto. Os valores são apenas estimados.
Propostas do governo Lula para a reforma tributária em 2023
A ambição de Lula e do ministro Haddad é realizar a primeira parte da reforma, que unifica os impostos sobre o consumo, ainda no primeiro semestre de 2023.
Isto porque esse é o pedaço da reforma tributária que está mais avançado, com propostas bem maduras, amplamente divulgadas e debatidas no Congresso.
O novo governo, porém, ainda não apresentou nenhuma proposta própria, bem como não apontou o que teria interesse em aproveitar ou não dos projetos já conhecidos.
Lula deu, no entanto, um sinal ao nomear o economista Bernard Appy para chefiar a recém-criada secretaria para reforma tributária, no Ministério da Fazenda.
Appy é atualmente um dos maiores nomes do Brasil nas discussões acerca da reforma tributária e foi o principal autor do projeto que deu origem à PEC 45, uma das três propostas que circulam no Congresso.
Voltar a taxar os dividendos, bem como reduzir a regressividade do sistema tributário brasileiro, que pesa proporcionalmente mais sobre os pobres, e aumentar o quinhão pago pelos mais ricos, são outras bandeiras empunhadas por Lula ao longo de seus discursos.
Também foi promessa de campanha do petista garantir a isenção do Imposto de Renda para todos que ganham até R$ 5 mil.
As faixas de cobrança do IR estão congeladas há 8 anos e todos que ganham mais de R$ 1.904 já pagam o imposto.
Todas essas mudanças, porém, devem fazer parte de uma segunda etapa da reforma, ligada ao Imposto de Renda, que também não teve ainda propostas apresentadas pelo novo governo.
Esse tema, de acordo com Haddad, deve começar a ser elaborado depois que a primeira reforma, com a unificação dos impostos sobre consumo, esteja concluída e aprovada.
Paulo Guedes chegou a apresentar sua proposta de mudanças para o IR durante o governo de Bolsonaro, incluindo a criação da taxação para os dividendos e uma redução na porção do que é pago pelas empresas. O projeto, porém, acabou parado ao fim do mandato.
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Conclusão
A reforma tributária é uma das grandes reformas que entraram na agenda dos governos nos últimos anos, junto com a reforma trabalhista, feita em 2017, a da Previdência, de 2019, ou a administrativa, que mexe com os servidores públicos e segue parada.
Um grande consenso sobre a reforma tributária é que ela é tão necessária quanto será complexa.
Mas, mesmo com muitos detalhes ainda a definir, as expectativas atualmente estão grandes para que ela destrave e consiga ser a próxima da fila a ser realizada, dado o longo debate já amadurecido sobre ela e também a ênfase dada a ela pelo novo governo.