IPOs: Ainda é boa hora para estrear na bolsa ou momento passou? Analistas opinam
Nos últimos meses, muitas companhias precisaram baixar preços para concluir suas operações e várias outras desistiram no caminho
O ano de 2021 prometia (ou ainda promete?) muito para o mercado acionário nacional, com o cenário global de liquidez e juros baixos injetando recursos em ativos de renda variável, e diversas empresas se preparando para abrir capital.
Este movimento já havia começado em meados do ano passado, mas a expectativa dos analistas era que ganhasse ainda mais tração em 2021. Prova disso é que 13 novas empresas passaram a negociar ações na B3 somente no mês de fevereiro, enquanto outras sete tomaram o mesmo caminho em abril.
Entre elas, a subsidiária Seguridade, da Caixa Econômica Federal, chama atenção. Com o preço por ação de R$ 9,67 (acima do piso da faixa indicativa), a oferta movimentou R$ 5 bilhões, considerando a oferta base (450 milhões de ações) e o lote suplementar (67,5 milhões de ações).
Mas as aberturas concluídas contam apenas parte da história. O grande problema é que muitas dessas companhias precisaram baixar preços para concluir suas operações e várias outras desistiram no caminho. Segundo o site da CVM, já são 33 desistências formais em 2021, contra 25 durante todo o ano de 2020.
Entre os que se viram obrigados a dar desconto, é possível citar a rede de hospitais mineira Mater Dei, que saiu por um valor 20% menor do que o proposto inicialmente. Já entre os que deixaram a ideia pelo caminho, é possível citar o grupo funerário Cortel, o Hospital Care, a Ubook Editora e a BR Partners, entre outros.
Tendo este cenário como base, aparentemente não tão benigno assim, o CNN Brasil Business ouviu diversos analistas para entender como eles têm enxergado o movimento e o que esperam dos investidores daqui para frente. Confira:
A janela de oportunidade fechou?
Todos os especialistas ouvidos pela reportagem entendem que o ambiente ainda é propício para a entrada de novas companhias na B3. Argumentam, no entanto, que a intensidade dessa abertura varia.
“A janela está aberta desde 2019, mas o que tínhamos no início do ano era um cenário de mais empolgação”, diz Pedro Mesquita, head do banco de investimento e sócio da XP. “Metade das operações estavam vingando, hoje este número caiu para cerca de um quarto.”
Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, diz, por outro lado, que a despeito do que pensava que ocorreria, ofertas continuam saindo nos últimos dias. “Estão saindo IPOs, e alguns deles de empresas não tão boas. A janela continua aberta, o que é bastante interessante, já que o mercado está pessimista”, diz.
Por que o mercado está pessimista?
Entre novembro e dezembro do ano passado, o Ibovespa acumulou valorização superior ao S&P 500, principal índice de referência do mercado norte-americano. A partir de janeiro, no entanto, as bolsas dos EUA continuaram avançando para suas máximas históricas, enquanto o Ibovespa passou a andar de lado. O que desandou?
Para Barbosa, é um pouco de tudo. “Política, Brasília, os fura-teto, a falta de reformas, a economia não crescendo tanto quanto gostaríamos, o juro longo subindo. E, mesmo assim, ainda temos IPOs. Achei que fosse reflexo da bolsa forte, mas, com o CDI em baixa, ainda temos um forte fluxo entrante na bolsa.”
Já Alberto Amparo, analista de investimentos da Suno, acha que o principal peso contra o mercado nacional é a crise sanitária. “Os Estados Unidos avançaram muito mais que nós em termos de vacinação. Ainda temos uma série de negócios afetados pelas medidas de isolamento, e isso prejudica a receita das empresas”, afirma.
“Ainda acredito que teremos um ano muito acima da média em termos de IPOs, mas o cenário atual afeta a narrativa de algumas empresas que querem negociar ações, mas não têm business tão bons. Para abrir capital em tempos de crise é preciso ter um case de crescimento muito bom ou precisar muito do dinheiro para quitar dívidas.”
Nessa linha, Fernando Barbará, gestor de renda variável do Andbank Brasil, entende que parte dos cancelamentos tem ocorrido em função da performance recente de empresas que fizeram IPO nos últimos meses.
“Cerca de 20 empresas realizaram IPO este ano e mais da metade teve desvalorização depois disso. É uma situação diferente do ano passado. Isso também acaba influenciando a formação de preços porque, quem vai comprar, principalmente os institucionais, acabam demandando mais descontos”, diz.
Quem está investindo?
Com toda liquidez despejada no mercado, principalmente nos Estados Unidos, esperava-se que os investidores internacionais partissem para o risco e buscassem ativos brasileiros com mais afinco. O saldo em 2021, até o final de abril, ainda é de R$ 19,1 bilhões positivo, mas menos do que os analistas esperavam.
“Tudo é preço, né? Quando a gente tinha mais investidores internacionais, conseguíamos colocar mais preço nos IPOs. Agora não temos isso, então as empresas estão conseguindo negociar menos. Quem se preocupa mais com preço não está abrindo, ou quem não precisa do dinheiro”, diz Barbosa.
As que avançam mesmo assim, encontram um investidor institucional mais criterioso e um investidor pessoa física ainda em lua de mel com a bolsa de valores. Para Amparo, o processo também tem algo de FOMO (“fear of missing out”, em inglês, ou medo de ficar de fora, em português).
“Porque tivemos, nos últimos tempos, papéis que decolaram após sua abertura de capital, como Locaweb e Banco Inter, investidores mais inexperientes têm participado de IPOs à procura da próxima grande tacada. O que sabemos que não é um movimento replicável”, argumenta.
O que esperar dos próximos meses?
A XP segue animada, acreditando na realização de 100 ofertas no ano, entre primárias e secundárias, e um Ibovespa chegando aos 145 mil pontos até dezembro de 2021. Mesquita afirma que os esforços da companhia estão voltados para empresas de tecnologia e do agronegócio.
Ele também entende que, no final de 2019, quando a bolsa chegou pela primeira vez aos 120 mil pontos, os resultados das empresas não eram tão sólidos como agora, o que dá mais segurança em relação ao momento atual.
Barbará, do Andbank, enxerga cenário semelhante. “Estamos com visão muito positiva para os próximos anos, mas não sabemos se isso deve se realizar ainda em 2021. Temos companhias de mais qualidade, mais estabelecidas, de marcas mais fortes, bem geridas, saindo muito fortes da crise. Acredito que está acontecendo um processo de seleção natural em que empresas menores, mais frágeis estão sofrendo e empresas maiores estão tomando os espaços”, afirma.
Barbosa, por outro lado, teme problemas macroeconômicos. “A economia americana está voando, vai subir 6%, 7% este ano, enquanto a nossa vai subir 3%. Não passamos as reformas, o Congresso está mais preocupado em gastar, ainda não temos perspectiva de vacinação da população. Vamos ter crescimento cíclico este ano, mas não parece que estamos caminhando rápido o suficiente para manter um crescimento pós-2021 forte.”