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    Gargalos da pandemia tornam mudança de meta da inflação justificável, dizem economistas

    Especialistas ressaltam que a alteração pode abrir caminhos para BC cortar juros no futuro, mas que ação deve ser tomada sem pressão política

    Fabrício JuliãoDiego Mendesda CNN , em São Paulo

    Em meio às críticas do presidente Lula à política monetária do Banco Central, a discussão em torno de uma nova meta de inflação tem ganhado força, principalmente após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter sinalizado que poderia aumentar a meta de 3,25% para 3,5% este ano.

    A possibilidade não agradou o mercado, o que é refletido na alta do dólar e queda no Ibovespa, mas economistas dizem que a mudança pode ser uma opção “viável” no momento.

    Para Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, a mudança da meta é uma solução mais apropriada para diminuir a tensão entre o governo e a autarquia, sem que haja atritos mais relevantes e impactos negativos para a economia.

    “Ao que me parece, esta é a via mais fácil para resolver esse imbróglio, pois não acho que o governo vai mudar a lei de autonomia de independência do Banco Central, até porque, dependeria do Congresso, e acho muito difícil passarem isso. Além disso, também acho pouco provável que algo aconteça ao Campos Neto até o fim do mandato à frente do BC, acho que ele fica. Portanto, o caminho mais natural é a mudança da meta da inflação, que realmente é muito baixa”, destacou.

    O economista pontuou ser importante analisar o contexto em que a meta foi estipulada inicialmente. O Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação em 3,25% para 2023, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, em meados de 2020. Desde então, a demanda reprimida e a oferta em falta em razão das quebras nas cadeias de suprimento pela Covid-19 levaram à escalada da alta dos preços no Brasil e no mundo.

    “Antes da pandemia, estávamos em um período de inflação muito baixa no mundo. Nos EUA, era abaixo de 2%, enquanto no Brasil um pouco mais alta, de cerca de 3% ao ano. Era um cenário de ausência de inflação no mundo, mas, depois da pandemia, isso mudou completamente. Estamos falando de inflação nos EUA e na Europa de 10% ao ano, o que não era visto desde os anos 1980”, explicou Paulo Gala.

    “Para uma economia emergente como a do Brasil, uma meta de inflação de 3% é muito difícil de ser alcançada. O nível de sacrifício é muito alto, os juros têm que ficar lá em cima e estrangular bastante a economia. Então, eu acho que o governo vai se mobilizar e caminhar para uma mudança de meta para o ano que vem, eventualmente 3,5% ou até 4% e, assim, liberar um pouco o Banco Central para fazer uma política monetária mais acomodativa, mais expansionista”, completou.

    Na visão de Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, a mudança da meta é uma alternativa viável, mas deve ser feita em razão de uma necessidade e com base em análises contundentes, e não por pressão às pressas.

    “Não acredito que seja bom alterar as metas diante de pressões políticas, mas me parece difícil que não ocorra. Mudar a meta porque ocorreu um cataclismo, como uma catástrofe, uma pandemia, é aceitável, mas nesse momento vai parecer casuísmo, parece que é por conta dessa cobrança política, mesmo que não seja”, afirmou o economista.

    Espírito Santo também reforçou que as consequências trazidas pela pandemia são fatores preponderantes para a avaliação de alterações no objetivo-alvo do BC, e considerou ainda alongar o espaço do teto da meta.

    “É bem provável que haja mudanças. A meu ver, se for fazer, o melhor seria alterar pouco o centro, para 3,5%, e voltar com um intervalo maior de cerca de 2%, dando mais graus de liberdade e permitindo uma queda mais para o fim do ano. Agora, nada disso vai adiantar sem a nova regra fiscal: é aqui que as expectativas podem ou não ser mais fortemente afetadas, mais até do que a eventual mudança”, declarou.

    Segundo os especialistas, as indefinições e os ataques de membros do Executivo ao BC contribuem para aumentar as expectativas sobre a inflação em 2023 e 2024, o que seria “um tiro no pé” na estratégia de cortar juros e controlar a alta dos preços futuramente.

    Marília Fontes, sócia-fundadora e analista de Renda Fixa da Nord, avalia que a queda de indicadores de inflação do país deveria estar fazendo com que as expectativas caíssem, o que faria com que o BC tivesse espaço para diminuir a Selic já no segundo semestre deste ano, pois desancoraria as expectativas.

    “Nesse sentido, as expectativas de inflação acabam influenciando muito, porque as empresas reajustam seus preços com base nelas. E as expectativas estão subindo justamente porque o governo está criando atritos com o Banco Central, falando em aumentar gastos, financiar países vizinhos pelo BNDES… tudo isso faz com que o mercado piore as expectativas de inflação”, declarou.

    Nicolas Borsoi, da Nova Futura investimentos, destaca que no cenário atual a Selic deve permanecer estável em 13,75% durante todo o ano de 2023, mas chama a atenção para o impacto do arcabouço fiscal proposto por Haddad, que, se for crível, pode garantir o retorno do superávit primário a partir de 2024 e o controle da dívida pública nos próximos anos, levando a quedas no câmbio e nas expectativas de inflação.

    “Pensando em cenários alternativos, acredito que há dois outros fatores que podem justificar um ciclo de cortes à frente: se os preços globais de commodities cederem devido à expectativa ou o início de uma recessão global. Ou, menos provável, se os bancos centrais dos países desenvolvidos reverterem sua política monetária atual, iniciando o ciclo de cortes no 2º semestre, o que apreciaria o real, abrindo espaço para o Copom reduzir a taxa Selic”, afirmou.

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