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    Equilíbrio fiscal e reformas serão desafios na economia em 2023, dizem analistas

    Especialistas afirmam ser importante que se faça um esforço para implementar medidas de controle para tentar compensar possíveis novas despesas

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    O próximo governante do Brasil deverá ter grandes desafios em 2023 na economia, com questões importantes como o avanço de reformas e a necessidade de manter um equilíbrio fiscal.

    Especialistas consultados pelo CNN Brasil Business afirmam que o próximo ano deve contar com um movimento de revisão e substituição do teto de gastos, saindo dos moldes atuais.

    Nesse cenário, eles avaliam que será importante que o governo faça um esforço para implementar medidas de controle para tentar compensar possíveis novas despesas, com destaque para as chances cada vez maiores de um Auxílio Brasil permanente de R$ 600.

    O mais provável, afirmam, é que essa compensação se dê com aumentos de impostos. No pior dos cenários, porém, novos gastos sem uma nova âncora fiscal ou cortes resultariam em uma reação negativa do mercado, impactando desde a taxa de câmbio até a inflação.

    Teto de gastos

    Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e especialista CNN em economia, o teto de gastos “está morto” em 2023. A tendência é que o novo governo tenha novos gastos, independentemente do vencedor, com uma “perenização” do novo valor do Auxílio Brasil.

    Apenas em 2023, o novo valor representaria R$ 50 bilhões. Ele alerta ainda para o risco de um reajuste no funcionalismo público. Nas contas do economista-chefe da Ryo Asset Gabriel Barros o aumento deve chegar a patamares elevados, de 20% a 30%.

    Schwartsman afirma também que, nos últimos anos, a política deu sinais de que consegue passar por regras de controle de gastos quando elas interferem nos interesses políticos. É o caso das mudanças na lei de responsabilidade fiscal e, mais recentemente, no teto, com retirada de despesas e mudanças do cálculo.

    “O teto de gastos veio via PEC. Achava-se no mercado que uma reforma constitucional [necessária para mudar o teto] seria difícil e teria punição forte do mercado, mas o governo fez reformas constitucionais para precatórios, com indexador [que corrige o teto todos os anos]”, observa.

    O especialista não acredita que uma nova regra fiscal que venha a ser proposta ou prometida seja efetivamente cumprida, mas que isso ainda não foi totalmente assimilado pelo mercado.

    “Quando cair a ficha do mercado, vai reagir mal, mas vai demorar para isso acontecer. Vai dar problema, em um cenário externo também negativo”, ressalta.

    Para o professor da FGV Samuel Pessôa, a questão não é o teto de gastos, mas sim o déficit público, com dificuldade de ter superávits primários para estabilizar a dívida pública.

    “Se o teto fica menos rigoroso, só aumenta a dívida pública ainda mais. Pode até mudar a regra fiscal, mas se ela permite que o gasto cresça mais que o teto, precisa criar novos impostos”, avalia o professor.

    Pessôa acredita que o maior desafio na economia para o governo federal em 2023 é o mesmo dos últimos anos, “que é que o setor público brasileiro tem posição fiscal estruturalmente deficitária”.

    “Ao longo dos ciclos econômicos, o setor público não é capaz de ter superávit suficiente para estabilizar a dívida pública. Em condições normais da economia, o setor não consegue sustentar uma trajetória decrescente ou estável da dívida. Isso é grave, e importante”, destaca.

    O problema, afirma, não é de natureza técnica, mas sim política, com orçamentos trazendo gastos ao Estado superiores à própria capacidade de arrecadação, muitas vezes decorrentes de um conflito entre Executivo e Legislativo, este último menos propenso a aumentar impostos.

    “O próximo presidente tem buraco fiscal grande, acima de R$ 250 bilhões, que vai ter que lidar, criando novos impostos ou fazendo reformas que reduzam gastos”, projeta.

    Já Barros, da Ryo Asset, afirma que os desafios começam no âmbito fiscal, com 2022 trazendo uma “fatura elevada”, de pressões de gastos que precisarão ser abordadas no próximo ano.

    Ele destaca que o líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), propôs reajustes reais no salário mínimo, acima da inflação.

    “É importante porque tem custo fiscal relevante, e várias despesas do governo, como Previdência, são atreladas ao salário mínimo. E isso afeta inflação de serviços também”, destaca.

    Ele observa que existem demandas de mais investimento público e de mudança de arcabouço fiscal, todas voltadas a um aumento de gastos.

    “O teto é hoje a única âncora fiscal que a gente tem, mesmo tendo várias regras, e é o que o mercado usa de referência para calcular trajetória de despesa, dívida pública”, diz Barros.

    Também considerando que o teto deve ser revisto em 2023, Barros afirma que “aí que mora o perigo”. “Diante de tantas demandas, fica a preocupação do mercado de qual vai ser a trajetória das contas públicas daqui para frente”.

    Reformas

    Se o fim do teto de gastos e as promessas de novas despesas e investimentos preocupam o mercado ao trazerem riscos de descontrole fiscal, uma forma de acalmar os investidores seria aumentar a arrecadação e cortar outros gastos, avalia Barros.

    “O ideal era, junto com rediscutir o arcabouço fiscal, reduzir as despesas obrigatórias. É difícil para o mercado acreditar que nova regra será cumprida, será suficiente para ter responsabilidade, e a forma de controlar a falta de credibilidade é já entregar alguma redução efetiva de gasto”, defende.

    Para isso, ele acredita que é essencial realizar uma reforma administrativa que reestruture gastos e salários, eliminando privilégios. Hoje, as despesas com pessoal são a segunda maior do governo, daí a importância de reduzi-las.

    Barros afirma que seria importante também fundir políticas sociais atuais, atualmente desarticuladas, como forma de reduzir gastos e aumentar a eficiência delas. Desde a pandemia, os gastos com políticas sociais aumentaram mais de três vezes, indicando a necessidade de ter um “gasto mais eficiente”.

    Sem essas medidas, ele acredita que o mercado ficaria “perdido”, o que prejudicaria a taxa de câmbio, com o real perdendo valor, algo que também encarece os preços de produtos.

    O mais provável, na sua visão, é que o governo também compense os novos gastos com novos impostos, mas que é importante saber “quanto que vai aumentar e onde. A carga tributária já é muito alta, tem risco de aumentar imposto e tirar crescimento potencial da economia”.

    Ele acredita ser importante ter um sistema tributário que funcione, eficiente, com qualidade regulatória e estabilidade jurídica, permitindo atrair investimentos em um ambiente externo negativo, em especial para países emergentes.

    Para uma possível reforma tributária, ele espera que um novo governo Lula foque em criar fontes de financiamento de novas despesas, com uma nova alíquota para Imposto de Renda e tributação de lucros e dividendos.

    Já um segundo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) também deve trazer a tributação de dividendos, mas focar na unificação de tributos, como um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) federal ou até nacional, se for possível unificar tributos federais, estaduais e municipais.

    Samuel Pessôa, da FGV, avalia que as reformas podem avançar, mas que são naturalmente difíceis por mexerem no “desenho do Estado”, demandando tempo de discussão. Para ele, a reforma tributária estaria melhor encaminhada que a administrativa.

    Ele espera que uma reforma do tipo altere impostos indiretos, ficando mais em uma estrutura menos complexa e sem regimes especiais, e outra para tributos diretos, com mais progressividade no imposto de renda.

    “No caso da administrativa, mais importante que mexer em estabilidade no emprego é organizar melhor as carreiras, reduzir o número, dar mais flexibilidade para que o gestor possa alocar melhor o seu pessoal, reduzir salário de entrada e a progressão depender mais do desempenho do que da passagem do tempo”, defende.

    Schwartsman também vê mais chances da reforma tributária avançar, incluindo uma tributação por dividendos. O ideal, defende, seria melhorar “a eficiência, precisaria mexer em tributação indireta, PIS/Cofins, ICMS”.

    “Pode passar tributação de grandes fortunas, mas com potencial arrecadatório baixo, com muito trabalho, e muitos países desistiram exatamente por isso. Mais importante seria mexer na tributação indireta, com efeitos de eficiência potencialmente maiores”, avalia.

    Já no caso da reforma administrativa, ele acredita que qualquer texto aprovado teria um impacto pequeno nos próximos anos, o que é negativo, já que a situação das contas públicas demanda “algo com impacto imediato”.

    Ele observa que a dívida pública teve queda de oito pontos percentuais em 2021 e 1,7 p.p. em 2022, mas o movimento está mais ligado à inflação alta do que a mudanças estruturais.

    Para 2023, o quadro de inflação menor, juros reais altos e um déficit primário que tende a subir com mais gastos deve fazer com que a dívida volte a subir, sem uma solução para seus desafios atuais.

    O ex-diretor do Banco Central acredita que é importante para o próximo governo “mostrar que vai engajar em um projeto de ajuste fiscal, uma discussão, ter um projeto crível, com um conjunto de reformas que reduza o gasto público. Pessoalmente, não acho que isso vai ocorrer”.

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