Entenda por que as ações de tecnologia estão tão voláteis na bolsa
As condições macroeconômicas que existiam no ano passado, com juros e inflação em patamares baixos e sem tendência de alta, não se apresentam mais
O setor de tecnologia foi o grande vencedor da bolsa de valores em 2020, com o índice Nasdaq avançando mais de 40% no período e diversas empresas crescendo até quatro dígitos em valor de mercado após o crash causado pela pandemia em março. Mas, ao que tudo indica, a coisa pode ser mais difícil em 2021.
Na segunda-feira (8), por exemplo, as ações do segmento sofreram uma liquidação e o Nasdaq tombou 2,41% em um só dia, num movimento que ofuscou ganhos em outros segmentos, que avançaram por esperança de que o projeto de lei de alívio à Covid-19, de US$ 1,9 trilhão, estimule a economia dos Estados Unidos.
Já na sessão seguinte, de terça-feira (9), o índice registrava alta de 3,49%, devolvendo boa parte das perdas dos pregões anteriores.
Entre os BDRs negociados na bolsa brasileira, ativos do setor também sofreram, com papéis como NVIDIA e Mercado Livre perdendo quase 10% do seu valor em uma semana.
Ou seja, o nível de volatilidade tem aumentado nos últimos meses, e alguns fatores ajudam a explicar o processo. Confira abaixo os principais.
Cenário macroeconômico
As condições macroeconômicas que existiam no ano passado, com juros e inflação em patamares baixos e sem tendência de alta, não se apresentam mais. Atualmente, o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) está sendo mais leniente com gastos, pois busca uma retomada no crescimento dos EUA e, consequentemente, uma maior geração de empregos no pós-crise.
Tanto é verdade que a meta de inflação estabelecida para o país é de 2%, superior aos cerca de 1,6% registrados atualmente. O problema é que, enquanto o órgão garante que não deve alterar o juro básico do país até 2023, o mercado vem apostando numa alta –a curva longa de juros está “empinando”, juntamente com a expectativa de inflação.
“Os juros de longo prazo saltaram de 0,6% para 1,6% em pouco tempo, o que assustou o mercado”, diz Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities. “Investidores começaram, então, a temer um aumento na inflação e a apostar que haverá reajuste na taxa de juros mais rápido do que prometido pelo Fed, fazendo com que os Treasuries [títulos dos EUA] se tornem mais atrativos.”
Isso conflita com a performance dos papéis de tecnologia porque muitas dessas empresas só serão rentáveis no longo prazo, justamente quando os juros estarão, segundo apontam os movimentos do mercado, num patamar mais elevado do que o que temos hoje.
“O impacto da alta de juros é maior sobre setores em que a performance dos ativos só ocorrerá no longo prazo”, diz Artur Wichmann, CIO da XP Private. “Isso porque, se as expectativas do mercado estiverem corretas, uma fatia maior do resultado dessas empresas será impactada pela taxa.”
Além disso, também há mais problemas na hora de conseguir recursos. Por ser muito dependente de aceleração e escala, o segmento é conhecido por queimar caixa. E, para conseguir fazer este desenvolvimento, precisa receber investimentos e/ou contrair empréstimos. O que também fica mais caro com a alta da taxa de juros.
Rotação de portfólios
O que nos traz para esse movimento que vem ocorrendo desde o ano passado, a rotação de carteiras. A reabertura esperada para várias economias do mundo (o Brasil ainda é um ponto de interrogação) promove uma maior atratividade para setores “presenciais”, e isso não é novidade.
Mas, no caso do setor de tecnologia, e ainda na linha do crescimento rápido, existe uma dificuldade para repassar custos. “As petroleiras, por exemplo, tiveram aumentos nos custos e repassaram estes custos ao cliente final. Entre as techs isso não ocorre, pois precisam criar market share, desenvolver o mercado”, diz Zanin.
“Isso faz com que o segmento tome um caminho deflacionário em termos de receita. Os custos podem até aumentar (logística, commodities), mas a expectativa é que o setor entregue sempre produtos com mais tecnologia embutida e por um preço cada vez menor.”
Tecnologia é muita coisa
Apesar disso, hoje o setor de tecnologia é muito mais diluído, com várias realidades diferentes, diz Wichmann. “Temos as empresas de semicondutores, mais cíclicas; as mais tradicionais, como IBM, Dell, HP, que já não estão na fronteira tecnológica; as FAAMG [Facebook, Apple, Amazon, Microsoft e Google], que dominam o mercado e entregam resultados fortíssimos; e essas empresas mais jovens, que ainda buscam escalar seu negócio.”
Para o gestor, é aqui que precisa entrar o discernimento do investidor. Várias empresas de cloud, por exemplo, surgiram no mercado e são negociadas a múltiplos altíssimos, mas a maioria delas vai ficar pelo caminho. “Investir numa dessas companhias é diferente de apostar no Google ou na Apple”, diz.
“E a rotação tem limites também. Empresas com bons modelos de negócio podem ficar baratas em momentos como esse.”
(*Com informações da Reuters)