Eletrobras deve ganhar eficiência, mas efeito em tarifas é incerto, dizem analistas
Capitalização da estatal deve aumentar capital para investimentos, sem limitação da União
Com previsão de conclusão entre junho e julho deste ano, o processo de capitalização da Eletrobras não deve mudar apenas a estrutura societária da empresa.
Segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, empresas recém-privatizadas acabam tendo, em geral, um ganho na sua eficiência operacional.
José Glauber Cavalcante dos Santos, professor da UFC, explica que o termo se refere à capacidade de uma empresa de “gastar menos para produzir e ganhar mais ou a mesma coisa”.
Mesmo assim, esse ganho de eficiência pode não se traduzir necessariamente em um benefício para o consumidor.
Primeiro porque é necessário considerar as perdas e os ganhos com o processo, mas principalmente porque o aspecto operacional não é o único que determina os valores das taxas cobradas nas contas de luz.
Da origem à privatização: entenda a história da Eletrobras
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Eficiência da Eletrobras
Santos avalia que é necessário primeiro as diferentes visões sobre eficiência da Eletrobras. Por um lado, existe a busca do Estado por um tipo de eficiência, e do outro, o ponto de vista empresarial.
“Hoje, a União controla a Eletrobras, e o interesse como proprietário é econômico, a continuidade operacional e lucratividade, mas também uma intervenção política pensando nos interesses sociais, em um setor estratégico como o elétrico, pensando em estratégias da empresa que não necessariamente convergem com a eficiência privada”, diz.
Já após a capitalização, o controle é repassado para a iniciativa privada, assim como a gestão e processos, ou seja, os interesses empresariais passam a ser o foco.
Nesse sentido, Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, cita estudos feitos nas décadas de 1990 e 2000 que indicam que, do ponto de vista empresarial, há sim um aumento na eficiência e produtividade.
Para ele, isso está ligado a uma maior liberdade de gestão. “O problema em si não é ser estatal, mas o controle do Estado tem um certo limite na capacidade de gestão, é um dilema entre necessidade de controle, respeitar leis e regras de uma estatal, e a gestão em si”.
“Ao privatizar, os proprietários têm um controle mais flexível”, afirma. O exemplo mais comum nesses casos é a liberdade da empresa não precisar mais seguir as leis de licitações, dando velocidade para projetos.
Castelar cita ainda o estabelecimento de uma gestão mais focada em resultados, encerrando um mandato “ambíguo” nas estatais, em que há um foco empresarial mas também em políticas públicas.
Ele avalia que mesmo a existência do chamado “golden share” na Eletrobras, que permite que o governo federal vete certas medidas mesmo sem ter a maioria das ações, não interfere nessa liberdade.
“Várias empresas têm golden share, Embraer, Vale, mas são usadas em casos mais extremos, não costuma intervir na gestão, é mais coisa de coisa de segurança nacional, e a prática é de não usar”, diz.
Santos afirma que, em seus estudos, encontrou casos com mais e menos sucesso, dependendo da perspectiva. No médio e longo prazo, não foram notadas grandes diferenças em termos de rentabilidade, endividamento e liquidez antes e depois de privatizações no setor elétrico.
Nos primeiros anos pós-privatização, porém, essa diferença é mais nítida, com melhora em alguns indicadores.
“Do ponto de vista da empresa, há sim um benefício em termo de eficiência, muito talvez em consequência da mudança de viés, com uma busca pela eficiência, produtividade, gastar menos para produzir e ganhar mais ou a mesma coisa. É um efeito positivo, mas que não tem se mostrado duradouro ao longo dos anos”, pondera.
Marcelo Fodra, professor da UFU, afirma que a Eletrobras possui particularidades, sendo uma empresa de grande porte que atende diversos mercados.
Por isso, para prever com mais segurança se haverá ganho de eficiência será necessário esperar expectativas e análises do mercado. Entretanto, ele aponta que há sim espaço para a estatal melhorar nesse quesito, mesmo com a sequência de lucros nos últimos quatro anos.
Capacidade de investimentos
Fodra diz que resultados de estudos indicam alguma melhora na eficiência operacional de estatais após a desestatização. Para ele, isso “provavelmente é motivado por questões de melhoria da capacidade de investimentos nessas empresas, que gera impacto financeiro”.
“A questão da redução da capacidade de investimento estatal vem acontecendo há algum tempo”, afirma. Com mais restrições orçamentárias, o governo não consegue fazer todos os investimentos que uma empresa demanda para se manter eficiente e atualizada, o que é negativo.
Já para Castelar, o orçamento do governo não tem muito a ver com uma falta de investimentos, e a rentabilidade da empresa fica comprometida mais por outras prioridades de gastos da empresa que são elencadas pela União, reduzindo a capacidade de investimentos.
Ele ressalta, porém, que o setor elétrico demanda muitos investimentos, e que o risco de racionamento se tornou mais comum no país, indicando a necessidade dos investimentos aumentarem para expandir a capacidade de geração de energia elétrica.
Santos, da UFC, avalia que a abertura de capital “com certeza” trará mais capacidade de investimentos, citando como exemplo o caso da Vale, que também foi privatizada.
“O ente público tem orçamento limitado, diversas áreas prioritárias. Falta governança nas estatais para promover eficiência, um conjunto de instrumentos para garantir que os objetivos sejam atingidos”, diz.
Por que o privado consegue fazer e o público não? Talvez seja a questão do capital, ter recursos de sobra, e a segunda coisa é trabalhar governança e ter interesses convergindo. Dá para ser eficiente em organizações públicas
José Glauber Cavalcante dos Santos, professor da UFC
Efeitos para os consumidores
Castelar, da FGV, diz que, em teoria, o ganho de eficiência leva a uma queda das tarifas de energia, mas não de forma imediata. A ideia é que, ao reduzir os custos operacionais, é possível cobrar valores menores da população.
Mesmo assim, Marcelo Fodra ressalta que é difícil dizer com certeza se essa queda chegaria ao consumidor final, já que a tarifa na conta é composta por outras variáveis além dos custos, e que estão fora do controle das empresas, caso do regime de chuva.
“É difícil mensurar exatamente se reduz e quanto, se fosse só por questão operacional, possivelmente reduziria sim”, afirma.
José Santos lembra que o setor de energia elétrica é regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que estabelece regulações para corrigir distorções de mercado.
“Em tese, um estímulo à competitividade gera uma redução de preços”, diz. Na prática, porém, a influência do regulador torna o quadro mais complexo. A Aneel possui uma medida, por exemplo, que obriga as empresas a destinar parte do faturamento para pesquisa e desenvolvimento com foco no meio ambiente.
“É um benefício que garante que o setor invista para ficar mais competitivo, mas a obrigatoriedade não leva em consideração a capacidade econômico-financeira”, avalia, o que afeta as margens das empresas.
O professor explica que a Aneel estabelece tarifas levando em conta muitos fatores, e que é preciso considerar elementos que encarecem o valor, como inflação e impostos. Por isso, diz que, a princípio, o consumidor “não deve sentir tanto” os efeitos da privatização no bolso.
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