Decisões da Justiça somam quase R$ 94 bilhões em arrecadação ao governo
Fazenda reitera publicamente seus esforços para injetar recursos nos cofres públicos — inclusive para viabilizar a nova regra fiscal
Decisões recentes de cortes superiores têm potencial para gerar incremento de R$ 93,8 bilhões por ano à arrecadação do governo federal.
A mais recente das decisões deve gerar R$ 5,8 bilhões ao ano. No trâmite em questão, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para autorizar o governo a suspender redução de alíquota de PIS/Cofins sobre receitas financeiras das empresas que usam a tributação do lucro real.
Já a mais impactante dos trâmites se deu no final de abril. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou a exclusão de benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL — decisão com potencial de gerar R$ 88 bilhões ao ano para os cofres públicos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe econômica reiteram publicamente os esforços do governo federal para alavancar a arrecadação, especialmente para que as metas de superávit primário da nova regra fiscal — que deve ser votada no Congresso Nacional nas próximas semanas — sejam atingidas.
De acordo com um estudo feito pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), para dar certo a nova regra, a arrecadação precisará de um incremento de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões.
O economista e especialista em contas públicas Murilo Viana indica que o impacto das decisões na arrecadação é de fato “bastante significativo”. Ele explica, contudo, que este valor não é totalmente revertido aos cofres do governo federal, já que parte terá como destino fundos de participação de estados e municípios.
“Além disso, as empresas que são afetadas tendem a reagir a essas decisões, para tentar diminuir o impacto financeiro. Existe então a possibilidade de que estes valores estejam superestimados”, indica.
Governo alavanca arrecadação via Judiciário
Murilo Viana confere parte das vitórias à “capacidade política” de Haddad. Segundo o especialista, o ministro vem conseguindo êxito ao argumentar junto ao Judiciário em prol das medidas que geram arrecadação.
Após o ministro do STF André Mendonça recuar em suspender o julgamento do STJ a respeito da exclusão o ICMS da base dos tributos federais, o petista afirmou que a decisão representa “50% do esforço fiscal necessário para ajustar as contas no próximo ano”.
Entre outras ações julgadas que podem impactar os cofres públicos há ainda decisão do STF que considerou que a chamada “coisa julgada” em matéria tributária perde efeito se a Corte se posicionar em sentido contrário.
A fim de alavancar a arrecadação, o governo atual também junto ao Congresso — onde não vem obtendo tamanho êxito. A maior parte dos movimentos que alavancam a arrecadação foram estabelecidas via medida provisória (MP), que tem força de lei, mas expiram caso não sejam aprovadas pelo Legislativo em 120 dias.
A MP 1.171, que taxa os rendimentos de pessoas residentes no Brasil feitos no exterior e visa contrabalançar a alteração na tabela do Imposto de Renda, vem sofrendo críticas por diversos setores e é um dos exemplos.
Após quase três meses de tramitação sem aprovação pelo Congresso, a MP 1.160, que restabelece o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), foi substituída por um projeto de lei com o mesmo tema.
A pasta vem se dedicando, a fim de aumentar a arrecadação, à “caça de jabutis fiscais”. O governo prometeu enviar medida para taxar apostas esportivas, por exemplo. A gestão chegou a anunciar também que retiraria isenção de tributação em encomendas internacionais de até U$ 50, mas voltou atrás após pressão pública.
Regra fiscal depende de avanço da arrecadação
Para economistas consultados pela CNN, ainda resta dúvida em relação aos mecanismos que possibilitará ao governo atingir a arrecadação necessária para as metas de superávit.
“Ainda sobram as dúvidas, a maior é se de fato a Fazenda vai conseguir aumentar o nível de receita como eles tem dito. A capacidade de aumento de receita que estava sendo indicada será uma frente de batalha para esse arcabouço funcionar, ele precisa desse aumento”, disse Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC).
Sergio Vale, sócio da MB Associados, explica que as projeções que têm sido feitas pelo governo como aquelas apresentadas no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 são otimistas.
“A regra é baseada quase integralmente em aumentar a arrecadação para fazer o ajuste fiscal. Sem falar das exceções que ainda estão fora, todo o ajuste vai ter que ser integralmente da receita. Tanto que o governo jogou na LDO a arrecadação de quase 8%, quase impossível fazer isso para o ano que vem sem aumento de imposto, alíquota”, diz.