Bancos estão endurecendo seus padrões de empréstimo após turbulências e aumentos dos juros, diz Fed
Pesquisa mostra mudanças nos padrões de empréstimo devido à incerteza econômica, redução do apetite por risco e deterioração nos valores das garantias
Já era difícil para empresas e famílias conseguir dinheiro emprestado no início deste ano nos Estados Unidos, mas após o colapso de três bancos regionais e uma cascata de aumentos de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), conseguir dinheiro tornou-se um pouco mais complicado.
Mais credores endureceram seus padrões após o aumento da turbulência no setor bancário, de acordo com a Pesquisa de Opinião de Agentes de Empréstimos Sênior (SLOOS, na sigla em inglês) trimestral do Federal Reserve, divulgada na segunda-feira (8).
Os entrevistados da pesquisa atribuíram as mudanças nos padrões de empréstimo à incerteza econômica, redução do apetite por risco, deterioração nos valores das garantias e preocupações mais amplas sobre os custos de financiamento dos bancos e posições de liquidez, de acordo com o relatório do Fed.
Além disso, os credores informaram que esperam endurecer os padrões em todas as categorias de empréstimos até o final deste ano, citando as preocupações acima, bem como as retiradas de clientes.
Quando os bancos apertam seus padrões, os empréstimos podem ser mais difíceis de obter ou vêm com termos mais onerosos, tornando difícil para as empresas fazer melhorias de capital ou contratar pessoal; ou para os consumidores comprarem uma casa, comprarem ou alugarem um carro ou fazerem melhorias nos seus lares.
“O impacto do aperto de crédito [é pior] para pequenas empresas, que são grandes empregadores, e os bancos são os principais provedores de crédito para pequenas e médias empresas”, disse Warren Kornfeld, vice-presidente sênior da Moody’s Investors Service, à CNN. “Portanto, dependendo de quanto tempo esse aperto e quão significativo ele seja, tem o potencial de ter impactos materiais na rapidez com que a economia cresce.”
O relatório normalmente não atrai muita atenção do público; no entanto, esse não é o caso agora, depois que três grandes bancos regionais faliram em um período de quatro semanas e o Fed está tentando um precário “pouso suave” para derrubar a inflação sem causar um aumento no desemprego.
“Outras evidências de condições de empréstimo mais rígidas e uma possível crise de crédito podem ser vistas no notável declínio na demanda por crédito por grandes e médias empresas do mercado dentro [da pesquisa]”, disse Joseph Brusuelas, economista-chefe da RSM US, em comunicado. “Os formuladores de políticas e os investidores devem prever que isso impactará a economia real no curto prazo, à medida que o investimento, as contratações e o crescimento desaceleram devido a empréstimos mais restritos.”
O Fed pesquisa até 80 grandes bancos dos EUA e 24 filiais domésticas de bancos estrangeiros e pergunta aos funcionários sobre tópicos como mudanças nos termos e padrões de empréstimos, bem como a demanda das famílias por empréstimos.
“Bancos estão passando por estresse”
O último SLOOS, divulgado em janeiro e geralmente correspondente à atividade no quarto trimestre de 2022, mostrou que os padrões se tornaram mais rígidos para a maioria dos empréstimos comerciais, especialmente produtos imobiliários comerciais.
Os padrões ficaram mais rígidos e a demanda enfraquecida por empréstimos residenciais, bem como categorias específicas de consumo, como cartões de crédito, automóveis e empréstimos pessoais.
Na época, os bancos esperavam que a tendência de restrição do crédito, diminuição da demanda e deterioração da qualidade dos empréstimos continuaria.
Então, em março, dois bancos regionais faliram em rápida sucessão. O Fed, o Tesouro e a Federal Deposit Insurance Corporation intervieram para fortalecer o sistema bancário e evitar futuras corridas aos bancos; no entanto, aumentou a incerteza quanto aos potenciais efeitos cascata no setor bancário, bem como na economia.
“Talvez o que [esse relatório SLOOS aponta] é que ele mostra que há alguma evidência de que os bancos estão passando por estresse”, disse Jill Cetina, diretora-gerente associada da Moody’s Investors Service, à CNN. “Acho que sabíamos disso antes da pesquisa, mas agora temos isso quantificado aqui e como isso está impactando os empréstimos.”
Para os consumidores, os impactos foram variados, de acordo com um relatório separado divulgado na segunda-feira pelo Federal Reserve Bank de Nova York.
O declínio acentuado no acesso e disponibilidade de crédito observado em março não foi replicado nos resultados da pesquisa deste mês. Em abril, as quedas foram observadas tanto na proporção de domicílios que relataram ter mais facilidade para obter crédito, quanto na proporção de domicílios que relataram ter mais dificuldade.
Ainda assim, as expectativas de crescimento da renda das famílias diminuíram ligeiramente, mas uma queda maior foi observada nas expectativas de crescimento dos gastos. Esses caíram para o nível mais baixo desde setembro de 2021. Os últimos índices federais sobre os gastos do consumidor mostraram um esfriamento que, segundo os economistas, pode ser um indicativo de que as pessoas estão “recuando” ou retornando aos padrões de gastos mais típicos.
Presidente do Fed: banco central deve pesar efeitos
O presidente do Federal Reserve Bank de Chicago, Austan Goolsbee, disse em entrevista ao Yahoo! Finance na segunda-feira que “a crise de crédito, ou pelo menos um aperto de crédito, está começando” e que isso deve ser algo que as autoridades do Fed devem considerar fortemente ao decidir as taxas de juros.
Funcionários do Fed, incluindo o presidente Powell, observaram anteriormente que o aperto de crédito poderia agir de forma semelhante a um aumento de taxa.
“Você não pousa o avião de nariz para baixo, então queremos apenas ter certeza de que esses bancos estressarão – não sei se é uma crise de crédito total, mas certamente é um aperto de crédito”, disse Goolsbee. “Conversando com os agentes de crédito ou contatos comerciais aqui no meio-oeste, você vê que isso desacelerará a economia e devemos levar isso em consideração quando definirmos a política monetária.”
Ele acrescentou que os setores mais dependentes de crédito para realizar suas operações seriam “mais diretamente afetados”.
“Temos que descobrir quanto do trabalho da política monetária já está sendo feito por meio das condições de crédito e temos que estar cientes de que isso não será distribuído uniformemente pelo país”, disse ele.
Um “risco saliente”
Separadamente, na segunda-feira, o Fed divulgou seu relatório semestral de estabilidade financeira, que avalia a resiliência do sistema financeiro dos EUA.
As tensões contínuas no setor bancário se transformaram em um “risco saliente” desde que o relatório de estabilidade anterior foi divulgado em novembro. Outros riscos incluem: inflação persistente, aperto monetário, tensões EUA-China, imóveis comerciais e residenciais e a guerra da Rússia na Ucrânia, de acordo com o relatório.
“Uma forte contração na disponibilidade de crédito aumentaria o custo de financiamento para empresas e famílias, resultando potencialmente em uma desaceleração da atividade econômica”, segundo o relatório do Fed. “Com um declínio nos lucros de negócios não financeiros, o estresse financeiro e a inadimplência de algumas empresas podem aumentar, especialmente à luz do nível geralmente alto de alavancagem nesse setor.”
O aperto de crédito apresenta riscos para a economia, disse a secretária do Tesouro, Janet Yellen, à CNBC na segunda-feira. Mas ela disse que ainda acredita que um pouso suave é possível.
“Não podemos descartar uma recessão, mas não acho que esse seja o caminho mais provável”, disse ela.