Entenda as diferenças entre os modelos de exploração de petróleo pelo mundo
Com a trajetória de alta no preço dos combustíveis, autoridades do Executivo e do Legislativo têm falado sobre a possibilidade de privatização da Petrobras
Em meio às sucessivas altas nos preços dos combustíveis em 2021 — entre elas a da gasolina, que já valorizou mais de 40% desde janeiro —, cresce o debate sobre como conter a pressão no bolso do consumidor. Na mira, além do imposto cobrado pelos estados, entra a política de preços da Petrobras.
Neste cenário, a possibilidade de privatizar a Petrobras foi citada nos últimos dias pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Hoje, o Estado já não detém todas as ações da empresa. A composição acionária da estatal é dividida entre União (36,75% do total de ações —e 50,50% das ações ordinárias, que dão direito a voto), investidores brasileiros (20,45% do total) e estrangeiros (42,79% do total).
Mas não funciona desta maneira em todos os lugares. Alguns países possuem empresas estatais que controlam toda a exploração, outros deixam a atividade com empresas privadas, e há aqueles que permitem a atuação dos dois tipos de companhias. Entenda como isso funciona:
Os tipos de exploração de petróleo
Marcio Couto, pesquisador da FGV Energia, explica que existem, em geral, três modelos de exploração de petróleo.
O primeiro é o privado, em que não há uma empresa estatal e existe “pouca ou quase nenhuma interferência” nas companhias ou nos preços cobrados, que seguem o mercado internacional.
O papel do Estado acaba sendo o de conceder, em geral via leilão, o direito de exploração de um local, com a empresa pagando royalties em troca. É um modelo comum em países ocidentais mais ricos, como Estados Unidos e Reino Unido.
O segundo modelo é o estatal, em que o Estado detém a grande maioria ou todas as ações de uma empresa, e ela possui um monopólio na exploração com poucas áreas liberadas para empresas privadas.
Nesses casos, comum em países como Arábia Saudita, Irã, Venezuela e Rússia, ainda que o preço dos combustíveis esteja ligado ao mercado internacional, os governos possuem mais espaço para interferências, em geral, regulando a produção para reduzir a oferta disponível e fazer os preços caírem, ou obrigando as empresas a segurar os preços e arcar com prejuízos.
Por fim, há o chamado modelo misto, caso do Brasil. Nele, existe uma empresa estatal, que possui capital privado e do governo, e o Estado permite a exploração por empresas privadas, que competem com a estatal em leilões.
A Petrobras tinha o monopólio da exploração da sua fundação, em 1953, até 1997. Além disso, a Lei da Partilha, de 2010, dá prioridade para a estatal na escolha de campos que considere estratégicos, permitindo que ela detenha ao menos 30% deles para exploração.
“Eu acho que na área de exploração, o Brasil está aberto desde o início dos anos 2000, com várias rodadas de leilão e muitas empresas explorando. É um país mais alinhado até com o modelo dos Estados Unidos. A Petrobras é um agente grande, mas temos outros agentes”, afirma Valéria Lima, diretora-executiva de downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).
“Esses modelos coexistem no mundo. A literatura mostra que, do ponto de vista de eficiência, o controle é menos importante do que a governança que uma empresa tem. Se tem uma boa qualidade, consegue de alguma forma blindar a empresa de interferências governamentais, a saúde da empresa é maior”, diz Couto.
O tamanho das estatais petrolíferas ao redor do mundo
A exploração de petróleo ao redor do mundo está ligada principalmente às estatais, e não às empresas privadas.
Um levantamento da Universidade de Stanford aponta que 73% das reservas de petróleo são controladas por estatais. Outra pesquisa, do Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que elas controlam cerca de US$ 3 trilhões em ativos.
Dados do site Global Petrol Prices, que agrega preços da gasolina ao redor do mundo, indicam que 9 dos 10 países com os menores preços possuem empresas estatais que atuam no setor de petróleo. O Brasil fica na 81ª posição no grupo com 160 nações.
Entre eles estão países como Venezuela, Irã, Nigéria e Kuwait, grandes produtores de petróleo e com grandes reservas da commodity. A Etiópia é a única exceção. Desses 10 países, 7 estão na lista das 20 nações com as maiores reservas do mundo, segundo dados da agência governamental dos Estados Unidos Administração de Informações Energéticas (EIA, na sigla em inglês).
Como o petróleo é uma das commodities mais importantes e negociadas em todo o mundo, com alta demanda, é comum que essas estatais tenham grandes receitas, e integrem rankings das empresas mais ricas do mundo.
A Fortune Global 500, ranking elaborado pela Forbes com as 500 maiores empresas do mundo, lista 7 petrolíferas estatais:
- Sinopec Group e China National Petroleum Corporation, ambas da China;
- Saudi Aramco, da Arábia Saudita;
- Rosneft, da Rússia;
- Petrobras, do Brasil;
- Indian Oil Corporation, da Índia;
- Petronas, da Malásia
Dessas, as duas estatais da China e a saudita estão entre as 20 empresas mais ricas do mundo, segundo o ranking de 2021.
O controle total das ações pelo Estado também varia de país em país, e não é estático. A Saudi Aramco, por exemplo, abriu capital em 2020, e realizou uma das maiores ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês) de ações da história. Já a venezuelana PDVSA é controlada inteiramente pelo governo.
A questão dos preços
Um estudo realizado pelo IBP mostrou que, no mundo, cerca de 80% dos países aderem à chamada paridade internacional. “O petróleo é uma commodity. Os preços são definidos pelo número de compradores e vendedores internacionais, e fugir disso traz problemas em termos de suprimento para o país”, afirma Lima.
“Eu acho que tem que separar a exploração da produção de derivados. Hoje temos o mesmo ente, que é a Petrobras, fazendo os dois, mas não é algo obrigatório”, diz Lima. Para ela, o fato de o Brasil ainda precisar exportar derivados de petróleo, como gasolina e diesel, traz a necessidade da paridade.
Tentando diminuir esses preços, mas com a dificuldade de mexer na política da Petrobras, diversas opções já foram consideradas. Uma delas é igualar a cobrança do ICMS em todos os estados e mudar a referência de cálculo, o que, em teoria, reduziria os preços, algo já aprovado em um projeto na Câmara.
Outra opção que chegou a ser levantada, mas perdeu força, seria criar um fundo, financiado pelos dividendos (lucros) da estatal e que poderia ser usado para reduzir a intensidade de altas nos preços.
Entretanto, Lima afirma que a principal causa para as altas atuais é a valorização do dólar. “Hoje o petróleo está mais ou menos no mesmo preço que em 2018, mas ninguém reclamava muito do preço. O estresse surgiu agora por causa da desvalorização muito grande do câmbio. A média não mudou muito que há 10 anos, a percepção veio pelo câmbio. Então uma política monetária que reduzisse esse câmbio reduziria essa percepção”.
O pesquisador da FGV afirma que os países desenvolvidos já chegaram a tentar usar fundos e outras estratégias para conter altas de preços, mas isso não funcionou. “Historicamente eles acabaram virando quase que um sistema de subsídio ao preço e não funcionava pegando todas as variações, atuava para segurar quando os preços subiam, mas não era reposto quando o preço caia”, diz.
A alternativa que esses países adotaram foi a de fixar um valor de imposto, equivalente ao ICMS, por litro. “Isso não seria ruim para os estados se eles pudessem reajustar ao longo do ano. Teoricamente dá mais previsibilidade na arrecadação”, afirma.
“É o que trouxe mais efeito. Outras tentativas de fundo, controle direto na refinaria, bandas de variação de preço, tudo não deu certo e pesava para o estado”.
Ele considera que, hoje, há um limite no grau de alívio desses preços, já que o petróleo, insumo para produção de gasolina e diesel, varia com a cotação internacional.
Pesquisa do IBP também mostrou que cerca de 80% dos países não possuem mecanismo para controlar a flutuação dos preços de combustíveis.
“O problema é que esses mecanismos envolvem um gatilho. Quando fala que só vai ter uma alta máxima, é difícil definir, em especial quando tem muitos agentes e não sabe definir quem vai bancar, e quando vai intervir ou não”, diz Lima.
Ela considera que as altas nos países, como no Brasil, dependem do câmbio, mas também de um cenário ligado às refinarias. O caso brasileiro, em que a Petrobras controla um grande parque de refinarias e quase monopoliza o setor, é visto por ela como “algo único”.
“Quando temos vários agentes, o aumento pode ser diferente, não necessariamente no dia só, não precisa de um preço único no país inteiro, depende de cada refinaria, os produtos que elas teriam, é algo mais dinâmico”, diz.
Já nos Estados Unidos, por exemplo, o balanço dos preços ocorre por meio da alta na produção das petrolíferas privadas, que buscam aumentar o lucro já que a demanda fica maior. Como o país não é um grande exportador, a alta na produção, com aumento na oferta, leva a uma queda nos preços internos.
*Sob supervisão de Ligia Tuon e Thâmara Kaoru