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    Entenda como a França abandonou embalagens descartáveis em alimentos e fast-food

    Lei antirresíduos francesa, criada em 2020, mira a redução gradual de embalagens de uso único para diminuir a geração de lixo

    Tamara Nassifda CNN , em São Paulo

    Em fevereiro de 2020, o governo do presidente francês Emmanuel Macron pôs em curso um plano para uma economia mais sustentável: a lei antirresíduos, que, entre outros objetivos, mira o abandono de descartáveis e embalagens plásticas na indústria de alimentos.

    Desde então, todo dia 1º de janeiro vem acompanhado de uma restrição ao setor na França. Em 2021, o uso de garrafas plásticas foi vetado em estabelecimentos e eventos públicos. Em 2022, foi a vez das embalagens de frutas e vegetais, brinquedinhos infantis de brinde e a compra de qualquer tipo de plástico descartável por parte do Estado francês.

    Neste ano, a lei antirresíduos chegou aos restaurantes e tirou de vista talheres, copos, pratos e embalagens descartáveis para refeições no local.

    “O fim dos talheres e pratos de utilização única é mais um passo na luta contra o desperdício desnecessário”, disse Christophe Bechu, o ministro francês do Meio Ambiente. “É uma medida concreta que fará com que os franceses recordem a importância do meio ambiente em sua vida cotidiana”.

    A lei diz respeito a utensílios de mesa utilizados por clientes consumindo nos restaurantes. Quem pede comida para viagem continua recebendo embalagens descartáveis.

    No país conhecido pela gastronomia refinada, a conta da mudança tem pesado justamente na outra ponta: a dos fast-foods, cujo modelo de funcionamento calcado na rapidez e na agilidade tem tropeçado sob a nova legislação.

    Com mais de 30.000 pontos de venda na França, o ramo é um dos maiores produtores de lixo do país, conforme afirmaram ONGs especializadas em artigo do Journal du Dimanche, em 4 de dezembro do ano passado. Ao ano, são mais de 6 bilhões de refeições servidas — e 180.000 toneladas de lixo.

    A estimativa da Agência Francesa de Meio Ambiente e Gestão de Energia (Ademe) é que, com a adoção da medida, cerca de 130.000 toneladas de resíduos sólidos sejam poupadas.

    Desde que anunciou a lei, o governo deu o prazo de dois anos para que os estabelecimentos se adaptassem à nova legislação. Antes mesmo de virar o calendário, o McDonald’s, por exemplo, trocou as embalagens descartáveis de batatas fritas por louças de borracha vermelha — tão populares que até o presidente Emmanuel Macron chegou a divulgar a nova moda no Twitter, quando repostou uma foto de uma cliente do fast-food para promover a iniciativa.

    “A lei anti-lixo não é apenas o fim dos canudos de plástico. Olhe ao seu redor: na França, mudanças estão acontecendo para mudar nossos padrões de consumo e reduzir nossos resíduos. Estamos nos esforçando para fazer isso globalmente”, escreveu ele.

    Problemas de logística

    À medida que os efeitos da lei começam a surtir, também aparecem os primeiros revezes. Um deles, por exemplo, é como clientes têm levado as embalagens laváveis para casaimplicando na necessidade de reposição frequente.

    Outros problemas incluem treinamento de funcionários, novos equipamentos para lavar, secar e armazenar a louça e custos adicionais — que podem chegar a até 15 mil euros (cerca de R$ 83 mil, na cotação atual) por loja, segundo uma estimativa feita pelo jornal Financial Times.

    “Uma mudança que parece simples é, na verdade, bastante trabalhosa e cara”, disse à publicação britânica Stéphane Klein, diretor geral europeu da cadeia de lanchonetes Pret A Manger, sediada no Reino Unido. “Precisamos de mais de um ano de teste de diferentes abordagens para descobrir o que poderia funcionar”.

    O Burger King, para tentar driblar os “souvenirs“, firmou parceria com a empresa Loop e cobra um “depósito” por embalagem. Quando os utensílios forem devolvidos para o restaurante, o dinheiro é estornado ao cliente.

    A Pret A Manger é outro exemplo de como a adoção de um novo modelo de funcionamento ainda engatinha. As refeições, agora, são servidas de duas formas: ou embaladas em papel descartável para quem pede comida para viagem, ou em travessas de vidro com tampa de borracha, para quem quer comer no restaurante.

    Quando as embalagens para viagem acabam, clientes que buscam uma refeição rápida a caminho do trabalho, por exemplo, podem mudar de restaurante ou passar por atrasos imprevistos.

    Mobilizar funcionários para reeducar clientes e impedir que a louça reutilizável seja jogada fora é um outro empecilho da logística. “Passem a usar sacos de lixo transparentes, para que seus empregados possam recuperar mais facilmente todos os pratos e garfos que as pessoas jogam fora!”, brincou o executivo Antoine Barat, um dos fundadores da franquia francesa Eat Salad, ao Financial Times.

    Sustentabilidade?

    A redução gradual de descartáveis tem ganhado adeptos na Europa — e críticos também.

    A European Paper Packaging Alliance (EPPA), associação que reúne os fabricantes de embalagens de papel no continente, argumenta, por exemplo, que os produtos de uso único são menos prejudiciais ao meio-ambiente do que os propostos pelos estabelecimentos, muitas vezes feitos de borracha e plástico rígido. Segundo ela, a taxa de reciclagem das embalagens passava de 80%.

    Um outro estudo, feito pela mesma associação, diz que a quantidade de água e energia adicionais necessárias para lavar e secar a louça implica em 280% a mais de emissões de carbono em comparação às embalagens de uso único feitas de papel. O consumo de água também salta — nesse caso, para 340%.

    Na outra ponta, ativistas ambientais elogiaram a atitude do governo francês. “Estamos extremamente felizes que isso finalmente esteja entrando em vigor”, afirmou Alice Elfassi, representante da ONG Zero Waste France, ao jornal britânico The Guardian.

    “O fast food é um setor que gera muito lixo. Embora o plástico de uso único já tenha sido banido nesse setor, ele foi substituído por grandes quantidades de produtos descartáveis, como papelão, madeira, bambu, que consideramos um desperdício inaceitável de recursos.”

    A proibição marca mais um passo da França em direção ao fim definitivo do plástico descartável — uma meta prevista para 2040, segundo a lei antirresíduos. E, embora esteja restrita ao território francês, a Comissão Europeia segue de olho nas implicações para testar a viabilidade de disseminar a medida por toda a União Europeia.

    Desde a Conferência das Nações Unidas pelas Mudanças Climáticas (COP21), em 2015, a França se propõe a seguir a “Transition Énergétique pour la Croissance Verte” (Plano de Transição Energética para o Crescimento Verde, em tradução livre) — também conhecida como “Acordo de Paris”.

    O compromisso, assinado por 195 países, está em diminuir a emissão de gases de efeito estufa em 40% até 2030. A proibição do plástico descartável segue essa linha: quando dispostos em aterros sanitários, os resíduos sólidos emitem o gás metano, um dos principais vilões do aquecimento global.

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