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    Entenda as mudanças na cotação no dólar na Argentina após acordo inicial com FMI

    Banco Central do país implementará um grande plano de arrecadação de moeda estrangeira para estabilizar a economia, diz ministro

    Amanda Sampaioda CNN

    São Paulo

    Como parte do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), anunciado no último domingo (23), a Argentina fará uma série de alterações em algumas cotações de dólar essenciais para o país, numa tentativa de conter a saída de moeda estrangeira.

    Em entrevista ao canal “C5N”, o ministro da Economia, Sergio Massa, disse que a negociação irá garantir dólares suficientes para que o governo consiga cumprir todas as obrigações financeiras até o fim deste ano.

    Massa destacou que, como contrapartida ao acordado com o FMI, o Banco Central da Argentina deverá implementar um grande plano de arrecadação de dólares para estabilizar a economia.

    Como parte disso, será adotada a cobrança do Imposto Para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAIS), de 30%, sobre algumas importações, com o propósito de evitar a saída de moeda americana do país.

    Com a alteração, o dólar para compras no exterior passará a ser cotado a 350 pesos (R$ 6,10).

    Em documento oficial, a Argentina também menciona uma nova cotação para as exportações de alguns produtos locais.

    Rodrigo Reis, internacionalista e fundador do Instituto Global Attitude (IGA), diz que as medidas do acordo visam evitar uma corrida cambial, ao mesmo tempo em que implicam numa desvalorização encoberta do peso argentino.

    “De uma maneira muito prática: toda vez que uma pessoa compra o dólar na cotação oficial, ela estará pagando 30% do imposto PAIS sobre o preço base”, explica Reis.

    “Com essa medida, ele [Sergio Massa] está desvalorizando o peso argentino para honrar as expectativas e o acordo com o FMI. Ao mesmo tempo, ele visa estimular a economia interna, quando ele torna mais caro os produtos de fora da Argentina”, diz o especialista.

    Reis também destaca que o imposto é aplicado na compra de produtos no exterior com o cartão de crédito.

    Na importação de bens, o PAIS será fixado em 7,5%, salvo algumas exceções que ficarão isentas, como medicamentos, insumos e intermediários para cesta básica e combustíveis.

    Para o especialista, as medidas são “superficiais”.

    “Elas estão voltadas a atender às exigências do FMI para realmente fazer todas as renovações e dar continuidade às negociações do empréstimo”, diz.

    No entanto, ele cita que a arrecadação extra com o imposto pode adicionar 0,8% ao Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com fontes oficiais.

    “Isso seria em torno de US$ 1,3 trilhão durante o ano”, afirma.

    “Essa medida faz com que o déficit fiscal fique dentro das expectativas do FMI e, ao mesmo tempo, adiciona pesos argentinos aos cofres públicos do governo argentino, que foram gravemente atingidos pela seca e pela queda nas arrecadações”, avalia.

    A posição de Massa é classificada como “curiosa” pelo especialista, visto que ele é o nome apoiado pelo atual governo para assumir a presidência nas eleições de outubro.

    “Ele está defendendo, de um ponto de vista, os interesses da Argentina para poder manter as aparências e honrar o que foi acordado”, afirma.

    “Porém, como candidato à presidência, ele quer e precisa ter uma aceitação para validar seu posicionamento com a opinião pública para ter chances de ser eleito presidente”, conclui.

    Durante a entrevista ao “C5N”, Massa destacou que o acordo “de certa forma afasta, de agosto até o final do ano, a discussão do FMI”.

    De acordo com Massa, os prazos acordados com o FMI irão garantir que o assunto não se torne um fator de campanha.

    O ministro não divulgou os valores do pacote e deixou essa responsabilidade para o fundo, que deve apresentar os detalhes da negociação nesta semana.

    Além disso, Massa não descartou a possibilidade de um aumento no valor do dólar oficial como medida para conter a saída da divisa do país.

    A professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Regiane Bressan, afirma que o entendimento entre as partes é necessário, mas destaca que, politicamente, a medida não é muito popular.

    “Esse acordo deve unificar as cotações e evitar a saída de dólares. Por outro lado, o país já está muito saturado de impostos. Então, não é uma medida muito popular, mas é o que estava ao alcance de Massa”, afirma.

    Bressan destaca que uma eventual intervenção da China para ajudar o país seria bem-vinda.

    Na visão da educadora, as próximas eleições serão difíceis.

    “O descontentamento econômico vai levar, inclusive, ao maior apoio à direita e até à extrema-direita”, analisa.

    Sobre o acordo, o FMI disse nesta segunda-feira (24) que as medidas econômicas anunciadas podem ajudar a fortalecer as reservas do país.

    “Consideramos que as medidas anunciadas hoje pelas autoridades argentinas são positivas para fortalecer as reservas e consolidar a trajetória da ordem fiscal, variáveis ​​fundamentais para fortalecer a estabilidade econômica”, afirmou o porta-voz do fundo.

    O pacote de ajuda da entidade será dividido em duas partes, entre agosto e novembro.

    Negociações seguem em meio a grave seca

    Mesmo com o fracasso da Argentina em cumprir muitas das metas estabelecidas em um programa de crédito de US$ 44 bilhões acordado com o FMI no ano passado, a pressão para aumentar a injeção de dinheiro do fundo persiste.

    As diretrizes acordadas incluem a redução do déficit fiscal, o aumento da receita e a acumulação de reservas.

    Porém, as condições econômicas do país não melhoram, pelo contrário — a inflação na Argentina bateu novo recorde em abril e chegou a 109% no acumulado dos últimos 12 meses, o maior valor em quase 32 anos.

    Além disso, o país foi tomado por uma das piores secas da história, que tiveram forte impacto nos cofres públicos e tem prejudicado a produção agrícola do país.

    Com a falta de chuva, a perda total das safras de grãos pode atingir 50 milhões de toneladas, com efeito econômico de até US$ 19 bilhões, segundo a Bolsa de Rosário.

    No fim de março, Alberto Fernández e Sergio Massa foram aos Estados Unidos tentar uma renegociação da meta de reservas do Banco Central para o trimestre, dado o impacto da seca.

    Já no último dia 26 de junho, o governo argentino assinou acordos bilaterais para refinanciar dívidas com a França, Espanha e Suécia.

    Em comunicado, as autoridades do país afirmaram que as resoluções mais recentes seguem acordos alcançados nos últimos meses com Itália, Bélgica, Suíça, Holanda, Alemanha, Canadá, Israel, Finlândia, Áustria, Dinamarca, Estados Unidos e Reino Unido.

    O que gera a crise?

    A economia argentina vem subindo e descendo desde 2011, após um período de crescimento que começou em 2003 com o fim da conversibilidade — a paridade entre o peso e o dólar que vigorava por lei desde 1991— enquanto a pobreza e a inflação mantiveram uma tendência ascendente.

    “A Argentina perdeu a oportunidade de construir uma moeda após a saída traumática da conversibilidade”, disse Marina Dal Poggetto, economista e diretora-executiva da consultoria EcoGo, à CNN.

    “Todos os países da América Latina tiveram inflação alta na década de 1980, todos tiveram programas de estabilização na década de 1990. A Argentina teve uma saída traumática da conversibilidade com quebra de contratos e ‘corralito’, mas depois teve superávits externos e fiscais, com estabilidade de preços”.

    Para Dal Poggetto, a Argentina se conectou no início dos anos 2000 com um mundo que buscava matérias-primas, que a América Latina produzia, mas perdeu a oportunidade: em vez de dar confiança ao peso, desenvolveu políticas fiscais e monetárias extraordinariamente expansionistas.

    “A partir de 2011, os estoques foram consumidos, os excedentes foram perdidos e, sem moeda, entrou na zona de manutenção da demanda de pesos com estoques”, afirmou, referindo-se ao termo usado para se referir aos controles do governo sobre os regimes de câmbio.

    “Macri tirou as ações e compensou os desequilíbrios com créditos, com uma agenda gradual que colidiu quando o crédito foi cortado em 2018, e desde então houve queda livre.”

    A Argentina arrasta, assim, grandes problemas que não conseguiu resolver, entre eles o alto déficit nas contas públicas e os gastos com forte componente de assistência social.

    Há também uma questão importante de sua moeda, além de uma economia informal crescente e emprego somada à escassez de reservas e liquidez para fazer frente aos pagamentos da dívida.

    Outros fatores também podem ser citados, como tarifas de energia subsidiadas no contexto do aumento dos preços do petróleo e do gás devido à guerra na Ucrânia.

    Por fim, existe uma eterna desconfiança no peso e na economia em geral, construída de crise em crise.

    “O problema da Argentina é múltiplo: é político, porque temos uma crise de legitimidade, mas também econômico, porque não crescemos há muitos anos”, disse o analista econômico internacional Marcelo Elizondo à Rádio CNN.

    Elizondo acrescentou que “a Argentina precisa revitalizar o setor privado setor” e que “há países em que um pouco mais do Estado é bom, mas quando se tem um setor público superdimensionado é causa de pobreza”.

    Com informações de Estadão Conteúdo e Germán Padinger, da CNN.