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    Educação financeira começa na infância

    Apesar de ter Estratégia Nacional de Educação Financeira há 10 anos, Brasil ainda tem resultados ruins na área

    Aluno da escola Luminova consulta tablet durante aula
    Aluno da escola Luminova consulta tablet durante aula Foto: Katia Ribeiro Souza/Divulgação

    Matheus Prado

    do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Dez anos após estabelecer sua Estratégia Nacional de Educação Financeira, em 2010, o Brasil ainda tem sérias dificuldades para formar pessoas que possuam uma relação saudável com o dinheiro que recebem e gastam. Um relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), referente a 2018 e divulgado no último dia 7, coloca o país na décima sétima posição do ranking de competência financeira de jovens entre 20 países analisados.

    Os resultados mostram que a média brasileira, 420, ficou bem abaixo da geral, 505. Apesar disso, o país melhorou em relação à avaliação anterior, de 2015, quando registrou média de 393 e amargou a última posição entre as 15 nações avaliadas. Para o economista e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros, a falta de cuidado com as finanças faz com que o brasileiro sofra ainda mais com a crise provocada pelo coronavírus.

    Outro dado, este da Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil) e que pode servir como um alento para o futuro, mostra que iniciativas de educação financeira aumentaram em 72% no país nos últimos 5 anos, contabilizando 1,3 mil projetos sobre o tema, idealizados por escolas e outras entidades. Professora e superintendente da AEF, Claudia Forte acredita que o tamanho do Brasil e as especificidades de cada região inviabilizam uma uniformidade no ensino.

    “Precisamos olhar para os municípios e estados para ter uma abordagem mais apropriada. O Tocantins, único estado que tem educação financeira universalizada, não pode ter os mesmos conteúdos do Rio Grande do Sul”, diz. Ela explica que o foco da organização é a rede pública de ensino, “que possui mais matrículas e resultados piores”, e trabalha desde da concepção de materiais até a implementação do sistema de ensino nas escolas através de parcerias com secretarias de educação.

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    “Visitamos diversos secretários estaduais e municipais. Falta vontade política, mas falta estrutura também. Há escolas em que faltam banheiros, que não têm internet”, conta. Além do Tocantins e do Rio Grande do Sul, a AEF tem parcerias com Minas Gerais e Paraíba. Incluída na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação infantil e do ensino fundamental em 2017, a educação financeira deve fazer parte do currículo dos alunos como disciplina transversal, ou seja, permeando todo o seu processo de aprendizagem.

    Essa transversalidade, no entanto, tem se mostrado um complicador neste período de implementação. É certo que as escolas devem contar com a temática nos seus currículos, mas como isso é avaliado, já que não provas ou notas?

    O que nos aponta ainda outro problema, a formação dos professores. “Os professores por vezes ganham muito mal, são pouco valorizados. Mas muitos se mostram ávidos a aprender sobre o tema. Precisamos colocá-los no centro dessa discussão e revisitar os cursos de pedagogia”, defende Claudia. Para o chefe do departamento de promoção da cidadania financeira do Banco Central do Brasil, Luis Gustavo Mansur Siqueira essa capacitação é essencial até para que as crianças levem o que aprenderam para casa.

    Em 2019, o BC criou um projeto piloto para ajudar a introdução da educação financeira nas escolas públicas. Intitulado “Aprender Valor”, este programa pretende ministrar a matéria de forma transversal e integrada à matemática, à língua portuguesa e às ciências humanas.

    “A abordagem, em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), prevê a capacitação online de professores e gestores escolares e a aplicação da educação financeira pelos professores em sala de aula”, conta. “Alcançando diretamente professores e estudantes, o programa tem elevado potencial de disseminação do tema junto às famílias e comunidades onde estejam inseridas as escolas.”

    No ensino privado

    Operando num ecossistema com mais recursos e atendendo menos alunos, colégios particulares têm conseguido implementar programas de educação financeira com mais facilidade. O Helyos, de Feira de Santana, na Bahia, é um exemplo disso. A instituição já contava com uma disciplina de empreendedorismo no ensino médio e, nos últimos anos, expandiu o ensino de educação financeira para os mais jovens.

    Cinira Soledade, coordenadora do programa de educação em duas línguas da escola, explica que os alunos do ensino fundamental possuem aulas separadas da disciplina, mas que estes ensinamentos permeiam todas as matérias. “Cada aluno possui um ‘trabalho’, como, por exemplo, anotar as tarefas no quadro. Eles vão recebendo seus salários com a nossa moeda, o solar, e a partir daí começamos a ensinar operações financeiras”, conta.

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    Há planejamentos para o curto, médio e longo prazo. “Eles precisam pagar o aluguel da carteira em que se sentam, o que é um custo fixo. Depois disso, eles precisam se organizar para o restante do ano”, diz. Os alunos podem comprar na loja da escola, se inscrever em workshops e, no final do ano, participar da festa organizada pela instituição. “Recebemos muito retorno dos pais que as crianças acabam se tornando policiais dos gastos das famílias”, brinca.

    Na Luminova, escola voltada para as classes B e C do Grupo SEB, o maior do Brasil, e com quatro unidades, as temáticas são trazidas para o contexto de outras disciplinas. Lá, a principal missão dos conteúdos de educação financeira é abordar questões do cotidiano dos estudantes. “Quando íamos ensinar um aluno a fazer adição, a prática era ir para o quadro ou somar palitinhos. Hoje a gente pega um cupom fiscal, por exemplo, e ensina a partir dos seus próprios gastos familiares”, diz Luiz Magalhães, diretor acadêmico da instituição.

    Magalhães também reforça a importância da tecnologia neste processo. “Nossos alunos estão todos conectados à internet e os professores são treinados para ser influenciadores, estimular isso. Podemos, por exemplo, pedir para que eles comparem preços de um determinado produto em várias lojas”, diz.    

    Fora do ambiente escolar

    Apesar da necessidade de começar este processo desde cedo, também é preciso pensar naqueles que já estão no mercado de trabalho e não tiveram acesso a conteúdos do gênero na juventude. Não por acaso, o Brasil possuía mais de 60 milhões de pessoas inadimplentes em janeiro de 2020 segundo dados do SPC, número que com certeza já cresceu em decorrência da crise.

    Entidades públicas e privadas, como por exemplo a B3 e o próprio BC, vem tentando colaborar na disseminação e na democratização do ensino de finanças fora do ambiente escolar. “Temos cursos, vídeos, cartilhas e outras publicações voltadas para jovens e adultos. O mais importante é levar o indivíduo a se conhecer, a se desenvolver no tocante ao planejamento e ao gerenciamento de suas finanças”, defende Siqueira, do BC. O banco deve inaugurar o Museu de Economia (presencial e virtual) em 2022.

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    A B3, que possui experiência de décadas no ensino presencial, decidiu também apostar no digital para ampliar seu alcance. Em abril, lançou uma plataforma com conteúdos próprios e curados de terceiros e que não falam somente de bolsa de valores. Há módulos de tributação, planejamento financeiro, renda fixa, previdência privada e, claro, renda variável e ações.

    “Procuramos os conteúdos que estavam sendo mais buscados pelas pessoas, como as temáticas estão conectadas. O indivíduo é um só, com todas as suas dúvidas”, diz Christianne Bariquelli, gerente de educação da B3.

    A mudança ocorre justamente quando milhares de pessoas entram na bolsa brasileira, foram mais de 400 mil novos CPFs cadastrados nos últimos dois meses. “Tem muita gente entrando agora e, como as decisões não são lineares, achamos que a plataforma chegou num momento muito importante”.