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    Educação combate desigualdade melhor do que salário mínimo, dizem economistas

    Política de remuneração mínima tem o objetivo de compensar perdas de poder de compra

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    O salário mínimo de 2022 foi definido pelo governo federal em R$ 1.212.

    O valor é 10,18% maior que o de 2021, de R$ 1.100, uma alta praticamente em linha com o avanço do INPC (Índice nacional de Preços ao Consumidor), usado para definir o piso anualmente.

    Quando o salário sobe no mesmo patamar da inflação, há apenas uma reposição do poder de compra perdido com o aumento dos preços, mas sem crescimento real desse poder.

    A última vez que o salário mínimo teve ganho real foi no início de 2019, primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, após três anos sem altas acima da inflação. Nos anos que se seguiram, o piso voltou a ser reajustado apenas para repor a alta dos preços.

    Ainda que voltasse a ter reajustes maiores, porém, o movimento contribuiria menos com a desigualdade no país do que outras medidas, como melhora da educação e da qualificação profissional, o que aumentaria a produtividade da economia brasileira, defendem economistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.

    Para eles, o governo optou por não dar um aumento maior devido a dois fatores principais: a crise econômica, que impede um crescimento necessário para abarcar salários maiores, e os gastos públicos, que subiriam, acompanhando a remuneração.

    Função do salário mínimo

    O salário mínimo foi instituído no Brasil em 1930. À época, a ideia era que ele representasse o valor mínimo necessário para um trabalhador arcar com gastos básicos para a sobrevivência de uma família.

    Juliana Inhasz, professora do Insper, afirma que o salário mínimo tem, hoje, a função de “dar uma base de comparação para entender o quanto as pessoas deveriam receber, uma referência para pagamento”.

    Com isso, ele se tornou muito mais uma unidade de medida, ou valor de referência, do que necessariamente um valor de remuneração. Vários benefícios sociais do governo, como aposentadorias, são definidos seguindo o valor o salário mínimo, por exemplo.

    Na prática, Inhasz avalia que o salário mínimo não corresponde na maior parte dos casos ao valor mínimo que o trabalhador recebe devido às negociações por convenção coletiva entre categorias de trabalhadores e empregadores. Com isso, elas conseguem definir pisos de remuneração próprios.

    André Braz, coordenador dos índices de preços do Ibre-FGV, afirma que o salário mínimo se tornou importante para a quantificação de políticas públicas por parte do governo.

    Para os trabalhadores, ele diz que a medida serve mais como uma “orientação”, mas os valores reais de remuneração vão variar dependendo do contexto de cada profissão e também de regiões. Em grandes centros urbanos, por exemplo, a quantia não costuma ser suficiente para arcar com todas as despesas.

    O valor do piso está distante do necessário para atender às necessidades básicas de uma família brasileira.

    Para se ter uma ideia, o valor necessário para suprir as despesas de uma casa onde moram quatro pessoas seria de R$ 5.800, segundo cálculos do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que considera como básicos gastos com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência.

    Entre 2011 e 2019, os pisos foram calculados a partir do aumento do INPC somado da variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Criada pelo governo Lula, essa regra virou lei em 2012, durante o governo Dilma, mas expirou em 2019.

    Com a pandemia, a tendência passou a ser corrigir o valor apenas pela inflação, com o INPC de referência.

    Também calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador verifica a variação do custo de vida médio apenas de famílias com renda mensal de 1 a 5 salários mínimos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, leva em conta a faixa de 1 e 40 salários mínimos.

    Aumento do salário mínimo

    Para Inhasz, a situação atual da economia brasileira permitiu apenas um aumento de salário mínimo reajustando a inflação,  com pouco ganho, porque a intenção ligada à remuneração é de manter poder de compra, não necessariamente expandi-lo.

    “Os aumentos reais ocorrem para quem está na ativa, o ganho real de salário ocorre via aumento de produtividade. Não faz sentido [que o salário mínimo] que tenha ganho, o governo que tem que ter uma política econômica que deixe a economia saudável e permita o crescimento da produtividade”, afirma.

    O aumento porém, leva em conta sempre uma média de perda de poder de compra da população. “A inflação foi de 10%, não significa que perdeu só 10% do poder de compra, pode ter perdido mais. Muita gente vai ter a percepção que, mesmo com o reajuste, o salário está mais curto, porque as cestas de bens comprados são diferentes”, diz a professora.

    Entre esses grupos, ela cita os aposentados e pensionistas, cujos pagamentos seguem o salário mínimo. “Aposentados principalmente tem uma cesta mais cara, com medicamentos que em geral são importados, então eles sofrem uma perda real maior. É insuficiente para se manter”.

    Já Braz afirma que, apesar a inflação ser o “cupim do dinheiro”, a percepção de perda de poder de compra varia de acordo com a cesta de consumo de cada família.

    “O que às vezes acontece é que, como a cesta de quem ganha menos é restrita, composta quase que inteiramente por alimentos, a sensação de bem-estar é maior quando a alta ganha da inflação de alimentos”, diz.

    Nesse sentido, o pesquisador avalia que, como a inflação de alimentos ficou abaixo da inflação geral, o aumento no salário mínimo pode dar “algum conforto”, mas não o suficiente, já que em 2020 o quadro foi o contrário. No fim, “ninguém ficou melhor”.

    Causas para o aumento

    Inhasz considera que a grande causa por trás da decisão do governo foi a preocupação com os gastos públicos.

    Caso o salário mínimo subisse mais, seria necessário ter mais dinheiro separado via orçamento para pagar uma série de benefícios sociais, em um cenário de sete anos seguidos de déficit nas contas públicas, ou seja, com o governo gastando mais do que arrecada.

    “Ou precisa arrecadar mais, ou terá que aumentar a dívida pública para bancar isso, e hoje o governo não consegue fazer nenhuma das duas coisas, não tem como aumentar imposto hoje”, diz a professora.

    Vale dizer que, nem com o aumento da arrecadação o governo poderia optar por um aumento maior no piso, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal impede que os gastos extrapolem o limite do teto estabelecido.

    A especialista diz ainda que, em ano eleitoral, o governo teria interesse em dar um aumento real, como em outros governos, pela popularidade da medida, mas, nesse cenário, o governo “fica de mãos atadas”.

    Outro fator, segundo André Braz, é a situação econômica precária do Brasil, que torna um aumento real no salário mínimo “complicado”.

    “A estrutura produtiva está em recuperação, e salário maior é custo maior. Um aumento maior poderia prejudicar o emprego, ou estimular a informalidade”, diz, já que os empregadores poderiam não conseguir arcar com uma alta de custos.

    Desse modo, um aumento real do salário mínimo só conseguiria ser abarcado se houvesse um crescimento mais consistente do PIB em patamares mais elevados, permitindo que os setores suportem a alta, o que não é o caso atualmente.

    Alternativas

    A avaliação de Juliana Inhasz é que uma alta no salário mínimo muito superior à inflação não é a melhor alternativa para levar a um ganho real de poder de compra da população. O grande risco com o aumento real, no cenário atual, é o de impulsionar mais a inflação, com as pessoas gastando mais.

    Braz afirma que “poderia ser pressão inflacionária. Se recebe um aumento maior, transforma em consumo, difícil transformar em poupança, porque está em um nível de restrição grande, então quer reduzir ele. A renda vira consumo, e sustentaria a inflação”.

    Para ele, a forma mais eficiente de melhorar as condições de vida e reduzir a desigualdade é investir em educação e melhorar a qualificação da população. “Educação aumenta a produtividade e permite que a pessoa se sustente em posições de remuneração maior. É uma produtividade maior para a economia, gera PIB maior, e possibilita ganhos maiores”.

    A necessidade de estabelecer políticas para aumentar a produtividade na economia brasileira, também é considerada como importante pela professora do Insper. As medidas envolvem “aumentar a qualidade e o nível educacional, políticas salariais melhores para professores e melhorar a qualificação de quem já está no mercado, incentivando as empresas a qualificar os empregados”.

    “Elas são medidas de longo prazo, mas precisam ser feitas agora para darem efeito, se não ficamos em um ciclo vicioso de baixo crescimento com renda baixa. Precisa de um gatilho, um primeiro passo”, afirma.

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