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    Economistas aprovam proposta do novo marco fiscal, mas apontam insuficiência para controlar dívida

    Especialistas ouvidos pela CNN disseram que projeto está melhor que o esperado, mas insuficiente para controlar a dinâmica econômica em um prazo razoável

    Diego Mendesda CNNReuters , São Paulo

    Após a divulgação da nova regra fiscal nesta quinta-feira (30), pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, economistas consultados pela CNN analisaram os principais pontos do marco e explicaram como a economia vai se portar caso o Congresso Nacional aprove o texto.

    Para a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória, o governo tem uma meta agressiva de gerar superávit – de 0,5% – já a partir de 2025, após projeção de déficit de 0,5% em 2023, e de zerar esse déficit em 2024. Vitoria destaca que os números com que o governo trabalha são bem melhores do que as estimativas do mercado, respectivamente de -1% para este ano, -0,8% para o próximo e -0,5% para 2025.

    Caso esse cenário se concretize, Vitória acredita que o juro real pode ter queda significativa nos próximos anos e a estabilização da dívida seria mais rápida, no entanto, avalia que o governo não deu detalhes sobre como chegará nesse resultado.

    “As projeções de trajetória da dívida apresentadas foram bastante agressivas. Na nossa simulação, em um cenário de 1% de superávit a partir de 2026 e juros reais convergindo para 3%, a dívida estabilizaria em 79% do PIB a partir de 2026, enquanto o governo projeta, no cenário mais otimista, 73% de dívida/PIB em 2026”, aponta a economista.

    Para um trader de renda fixa de uma asset de grande porte da Faria Lima, com quem a CNN conversou nesta quinta-feira (30), o novo marco fiscal ficou “melhor que o esperado, embora ainda assim insuficiente para controlar a dinâmica de dívida num prazo razoável”.

    Ele listou pontos positivos e negativos da proposta apresentada por Haddad. Um dos lados positivos, segundo a fonte, é que o marco fiscal não traz exceções, “o que é muito importante para a visibilidade futura fiscal. Além disso, há um limite de crescimento de despesa de 2,5% ao ano ajustado pela inflação”.

    “O lado negativo é que, pela regra, vai demorar mais tempo do que o governo está falando para atingir o [superávit] primário positivo, pois partimos de uma posição de déficit e o arcabouço é muito suave no ajuste.”

    Crescimento real

    Felipe Salto, economista da Warren Rena, diz que a regra é positiva. Para ele, a limitação do crescimento do gasto a 70% do crescimento passado da receita é boa diretriz, sobretudo porque terá um valor máximo de 2,5%. Ele ressaltou também que o novo arcabouço ganhou um peso muito maior do lado das receitas.

    “A dinâmica da receita acabará sendo crucial para que se consiga viabilizar o desempenho mínimo do gasto obrigatório e ainda assim gerar resultado primário condizente com a estabilização da dívida a médio prazo. A proposta é consistente e, claro, dependerá, como qualquer regra, do compromisso político em torno da regra. Mas, de saída, é possível dizer que os cenários fiscais melhoram na presença do novo arcabouço”, destacou.

    Vitória acrescentou que o limite de crescimento real de gastos de 2,5% é positivo, caso seja aprovado, mesmo excluindo o Fundeb e o piso de enfermagem. Lembrando que, em 2023, as despesas devem crescer cerca de 6% acima da inflação, o que foi a média de crescimento entre 2003 e 2015.

    “Portanto, o limite de 2,5% é uma moderação e será condicionado ao crescimento da arrecadação, além de indicar uma flexibilidade em relação à regra anterior do teto de gastos, que, por ter sido muito restritiva, acabou se tornando ineficiente”.

    Investimentos

    Rafaela Vitória diz que o investimento deve ter um piso e o governo indicou uma curva de crescimento entre 2,2% e 3,2% do total das despesas primárias, e que poderia ser maior, caso o superávit fique acima da meta.

    “O governo não deixou claro quais investimentos e qual seria exatamente o piso, mas 2,2% das despesas significam investimentos próximos de R$ 45 bilhões esse ano, crescendo para R$ 65 bilhões até 2026”.

    Apesar das projeções do governo serem positivas, Vitória pontua que também são muito otimistas e deixam dúvidas sobre sua execução, principalmente pelo lado da recomposição de receita, que estimamos ser necessária entre R$ 50 bilhões a R$ 150 bilhões/ano, entre 2023 e 2025, sendo que não há indicação específica de aumento de impostos nesse momento.

    “Os mercados tiveram uma reação positiva ao anúncio, com o dólar e juros em queda. Melhoras mais profundas, no entanto, principalmente a esperada queda da taxa de juros real, vão depender da aprovação do projeto e melhora efetiva nos resultados fiscais ao longo de 2023 e 2024”, acredita a economista.

    Reação do mercado

    Apesar da sinalização importante da nova regra fiscal, Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, enfatiza que ainda é cedo para afirmar como isso deve afetar a política monetário pelo Banco Central no curto prazo.

    “Nas próximas semanas, teremos mais clareza sobre a questão de expectativas de inflação, que tem subido nas últimas semanas, e tem pressionado o cenário da autoridade monetária”, disse.

    Sung lembrou ainda que existe um longo caminho a ser percorrido no Congresso, com possíveis alterações no texto base.

    “Pelo menos, a partir de agora podemos ter um horizonte mais claro sobre o que aguardar da política econômica. A nebulosidade e ansiedade que havia diminui marginalmente, o que pode reforçar nosso cenário de que cortes das taxas de juros podem ocorrer a partir do segundo semestre”.

    “Eu entendo que o mercado reagiu bem; a sensação é de que não é algo muito frágil, que é algo que realmente vai ser perseguido, e que, se for cumprido, você consegue estabilizar (o fiscal) nos próximos anos”, afirmou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, sobre a reação dos ativos ao novo marco fiscal.

    Leonel Mattos, analista de inteligência de mercado da StoneX, argumenta no mesmo sentido. “Ao que tudo indica, há uma clara dedicação da equipe econômica com esta proposta e as metas não são desafiadoras, são factíveis de serem atingidas”, disse ele.

    No entanto, há quem esteja mais pessimista.

    “Ainda que seja uma mudança importante – há um arcabouço fiscal-, talvez pelo viés do governo esse (arcabouço) seja muito focado na receita e não nas despesas; ou seja, não há nenhuma sinalização de ajuste das contas públicas, redução do peso do tamanho do Estado. Aliás, em vários aspectos está se falando de aumento do peso do Estado”, disse Jason Vieira, estrategista-chefe da Infinity Asset.

    Já Gustavo Arruda, economista e diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, disse que as regras propostas parecem se apoiar em presunções “muito otimistas” para as condições macroeconômicas ao longo dos próximos anos.

    “A gente não consegue chegar em números próximos aos apresentados, de déficit zero ano que vem e um superávit no próximo ano e estabilidade da dívida em três anos, com a regra apresentada”, avaliou o economista.

    Segundo Arruda, chegar ao cenário básico do governo exigirá um crescimento robusto do PIB ao longo dos próximos dois anos, juros reais mais baixos e um ganho de arrecadação que não seja acompanhado pelo aumento de 70% da despesa no primeiro ano de vigência do marco, de forma que tenha um ponto inicial mais sólido.

    Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset, tem visão parecida. “Para que a dívida se estabilize realmente como eles projetam, deveria haver necessariamente um corte de juros ao longo dos próximos anos, talvez já começando este ano, o que, por enquanto, a gente não vê o Banco Central fazendo.”

    A taxa Selic está atualmente em 13,75% ao ano, patamar que tem sido alvo de críticas constantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC até agora não deu indícios de quando começará a reduzir essa taxa e, pelo contrário, sinalizou nas últimas reuniões que retomará as altas de juro se achar necessário.

    Nesse contexto ainda incerto, a maior parte dos agentes do mercado ouvidos parece concordar que resta apenas esperar para ver, até porque o arcabouço fiscal ainda precisa ser votado – e possivelmente alterado – no Congresso Nacional.

    “Tem algumas pontas ainda soltas no anúncio que precisam ficar mais claras nos próximos dias para que realmente essas contas sejam críveis daqui para frente. E tem a tramitação no Congresso ainda, que pode alterar essas medidas”, disse Kautz.

    “Em geral, o mercado está lendo (o arcabouço) como positivo, mas ainda assim é algo que precisa ser mais detalhado para que se tenha um pouco mais de convicção de que realmente funciona.”

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