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    Do preço do alimento ao aluguel: como a safra agrícola impacta a economia no país

    Fechamento de boas safras no ano afeta a renda, empregabilidade, inflação e até mesmo comércios locais; entenda

    Fabrício Juliãodo CNN Brasil Business em São Paulo

    Um ano de boas safras no Brasil pode reduzir a pressão sobre a inflação e até ajudar a desacelerar o valor do aluguel. Mas como isso é possível? Pode parecer difícil fazer uma ligação direta entre causa e efeito nesses exemplos, mas eles indicam que o desempenho da agricultura impacta a economia do país de uma forma geral.

    A relação entre resultado da colheita e preço do alimento pode ser mais intuitiva, afinal, tem tudo a ver com uma das regras básicas da teoria econômica ligada a oferta e demanda: quanto maior a quantidade de um determinado item no mercado, menor tende a ser seu valor.

    “No ano passado, a seca muito forte e a geada muito intensa quebraram a safra e colocaram os preços dos alimentos lá em cima”, explica Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).

    Apesar de problemas climáticos terem tido grande contribuição na inflação dos alimentos no ano passado, Serigati acredita que esse é um efeito transitório. “Não é esperado ter outra quebra de safra na sequência”, diz.

    E os aluguéis?

    Antes de as adversidades climáticas atingirem a inflação dos alimentos, elas chegam primeiro ao IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), usado amplamente pelo mercado imobiliário para reajustar os valores de aluguéis.

    A trajetória do IGP-M em 2021 deixou inquilinos de imóveis, tanto residenciais quanto comerciais, de cabelo em pé. O índice chegou em dezembro com alta acumulada de 17,78% em 12 meses, chegando a ultrapassar os 30% ao longo do ano.

    A variação desse índice foi significativa, sobretudo se comparada à do IPCA no mesmo período, que ficou na casa dos 10%. A diferença acontece porque, ao contrário do IPCA — que considera apenas os preços aplicados em locais usados diretamente pelo consumidor final, como supermercados,  postos de gasolina e salões de beleza –, o IGP-M considera também itens industriais e agropecuários, que sofrem influência do câmbio.

    Embora exista uma ligação entre o resultado das safras e o valor do aluguel, devido ao IGP-M, porém, o indicador não possui o intuito de realizar esse encadeamento, explica Serigati.

    “Precisamos olhar para trás para entender essa questão. O IPCA não era tão usado na década de 1980, sendo mais utilizado o IGPD-I. O IGP-M foi criado porque o IGPD-I pega o mês cheio, mas as empresas precisavam pagar seus funcionários até o dia 5 ou 10”, disse o professor.

    “Então, a FGV criou como solução um índice para se publicado com antecedência, que coleta as informações a partir do 21º dia do mês anterior até o 20º dia do mês corrente, para que as pessoas tenham mais tempo para processar a folha de pagamentos”, afirmou.

    “Nós carregamos essa prática por inércia. No jargão econômico as pessoas falam que o IGP-M é a inflação do aluguel, mas o indicador não tem nada a ver com aluguel. Ele apenas é usado como referência nos contratos de locação”, completou.

    Mercado de trabalho e renda

    Agropecuária, produção florestal, pesca e aquicultura foram as atividades com maior variação positiva de postos de trabalho nos últimos dois anos, segundo dados do IBGE.

    Em 2021 e 2020, a variação foi de 6,8% no setor. Além do agro, os únicos setores que apresentaram resultados favoráveis nesses últimos dois anos foram: Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (2,9%); Construção (2,5%) e Indústria da Transformação (1,0%).

    Além da criação de postos de trabalho ser maior em anos de boas safras, a renda dos brasileiros também apresenta crescimento.

    De acordo com o levantamento, somente a categoria da agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (4,4%) teve resultado positivo no rendimento médio real, já descontada a inflação, ao considerar a variação nos últimos dois anos.

    “Esse foi o único setor em que a remuneração média cresceu, em termos reais, comparado com o período pré-pandemia. Isso é resultado de uma demanda aquecida, mas também de um setor que realizou esforços para produzir”, afirmou Serigati.

    Combustíveis

    O resultado de algumas safras também impacta o preço de outros produtos, como é o caso dos combustíveis. O economista Gesner Oliveira explicou como a safra de cana-de-açúcar afeta diretamente os valores pagos pela gasolina no Brasil.

    “O Brasil tem algumas peculiaridades. A cana-de-açúcar afeta o preço do etanol, que como é misturado na gasolina, impacta no preço dos combustíveis. Isso acaba pesando muito no IPCA. Então uma safra ruim pode ter esse efeito”, afirmou.

    Como a cana-de-açúcar é utilizada para fazer etanol, que por sua vez faz parte da composição do diesel, o economista ressaltou que uma boa safra ou uma safra ruim do produto pode fazer com que o preço do combustível consumido no posto pelos brasileiros sejam atingidos.

    “São preços fundamentais do dia a dia dos brasileiros, que tem um efeito muito grande na economia. Isso é resultado das safras”, concluiu.

    Câmbio

    Gesner Oliveira também abordou como a produção das safras afetam a balança comercial brasileira e o câmbio.

    O economista deu o exemplo de que, se a soja tiver uma forte elevação de preço no mercado internacional, os produtores vão se esforçar para produzir mais e conseguir suprir a demanda, e o preço da commoditie no mercado interno também aumentaria.

    “Uma melhora de preços no produto para as exportações brasileiras melhora o que chamamos de termos de troca, que é a média dos preços das exportações sobre os preços das importações”, afirmou.

    “Esse efeito faz com que a taxa de câmbio caia, melhore a situação do balanço de pagamentos, entrem mais dólares do que saem e o preço do dólar cai”, acrescentou.

    Expectativas para 2022

    As expectativas para as safras deste ano eram as melhores possíveis no fim do ano passado. Em dezembro, por exemplo, a projeção da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) para a safra de grãos apontava produção de 289 milhões de toneladas, 14% a mais que a safra 2021/22.

    No entanto, problemas climáticos fizeram com que alguns especialistas começassem a rever suas projeções.

    “Embora o Centro-oeste e alguns lugares do Norte estejam com chuvas muito boas, o Sul está com problemas”, diz Serigati, da FGV.

    Ainda assim, os especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business acreditam que a colheita deve ser positiva este ano.

    “A projeção de safras para 2022 feita em outubro do ano passado caiu um pouco, mas a produção menor na região Sul do país está sendo compensada pela maior produtividade na região Centro-oeste”, acrescentou.

    Gesner Oliveira ressaltou que, mesmo com os problemas climáticos, ele ainda acredita que as safras de grãos sejam muito positivas, podendo ainda bater recordes, embora com resultados abaixo do esperado no final do ano passado.