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    Desigualdade melhora com emprego e auxílio, mas ainda é alta, dizem especialistas

    De acordo com pesquisa do IBGE divulgada nesta quinta-feira (11), índice de Gini do Brasil caiu, em 2022, ao menor nível em pelo menos uma década

    Renda do 1% mais rico ainda é 32,5 vezes maior que dos 50% mais pobres
    Renda do 1% mais rico ainda é 32,5 vezes maior que dos 50% mais pobres Tomaz Silva/Agência Brasil (23/06/2021)

    Juliana Eliasda CNN

    em São Paulo

    Uma recuperação forte do mercado de trabalho, com menos pessoas disponíveis para trabalhar, junto de uma forte expansão dos benefícios sociais e, ainda, um alívio da inflação sobre a renda, são alguns dos principais fatores mencionados por especialistas para explicar a baixa recorde na desigualdade que o Brasil viu em 2022.

    Tudo isso, ainda, em um ano em que, enquanto a renda dos mais pobres subiu, a do 1% mais rico ficou ligeiramente menor.

    Ainda assim, na visão consensual de pesquisadores consultados pela CNN, o fosso entre ricos e pobres no Brasil ainda segue vasto, e as distâncias a se percorrer continuam longas.

    “Há uma pequena melhora em 2022, mas é uma queda pequena e não é o que vai fazer com que o Brasil deixe de ser um dos países mais desiguais do mundo”, diz Bruno Imaizumi, economista da LCA consultores para mercado de trabalho.

    “Só alguns países da África têm um índice de Gini pior que o nosso”, acrescenta.

    Em 2022, o índice de Gini, indicador que mede o nível de desigualdade das sociedades, atingiu seu menor nível no Brasil em pelo menos uma década, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgada na quinta-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    O levantamento, anual, faz um raio-x da evolução das diversas fontes de renda dos brasileiros.

    O Gini brasileiro ficou em 0,486 no ano passado, em uma escala que vai de zero a 1 e que, quanto mais próximo de 1, mais desigual é o país. É a menor pontuação desde 2012, quando a pesquisa do IBGE começou a ser feita.

    O índice de Gini da Bélgica e da Noruega, por exemplo, alguns dos mais equilibrados da OCDE, é 0,26. O da Turquia, México e Costa Rica, os mais desiguais do bloco, é 0,41, 0,42 e 0,487, respectivamente.

    Os dados do IBGE mostram que a renda dos 5% mais pobres do país dobrou em 2022 — o aumento foi de 102% —, enquanto a do 1% mais rico caiu 0,2%, já considerados valores corrigidos pela inflação.

    Ainda assim, a renda média dos afortunados que estão nesse 1% do topo — R$ 17.447 em 2022 — continua valendo 32,5 vezes o que a metade mais pobre da população ganha. A renda média dos 50% mais pobres do país foi de R$ 537 no ano passado.

    Em 2021, essa razão entre os ganhos do 1% de cima e dos 50% de baixo era de 38,4 vezes.

    A pesquisa leva em consideração apenas rendimentos ligados ao trabalho. Ganhos com investimentos, por exemplo, que têm participação importante nas classes mais altas, não são considerados.

    “A dificuldade está no médio prazo: conseguir fazer com que as pessoas recebem Bolsa Família, hoje, passem a ter emprego, que é a verdadeira porta para a cidadania”, disse Marcelo Neri, diretor da FGV Social e um dos principais nome em desigualdade e políticas públicas no Brasil.

    “Mas estamos falando de uma queda importante e que veio acompanhada de uma redução forte da pobreza”, acrescentou Neri, que falou em entrevista à CNN na noite desta quinta-feira.

    Nos cálculos do FGV Social, já com base nos números novos do IBGE, a parcela da população abaixo da linha da pobreza caiu de 14%, em 2021, para 9,6% no ano passado. A conta considera todos os brasileiros vivendo com menos de R$ 300 ao mês.

    Auxílio Brasil turbinado

    Parte essencial da história passa pela reformulação e ampliação do Bolsa Família, que, depois de uma temporada com os valores congelados, foi reempacotado pelo governo Bolsonaro no novo programa Auxílio Brasil.

    Ele teve os valores aumentados para R$ 400, no começo de 2022, e, depois, para R$ 600, como parte do pacote de benesses feito pelo governo às vésperas da eleição.

    O novo valor, junto de uma ampliação na base de beneficiários que estavam esperando na fila, já fez o custo do programa mais que quadruplicar até aqui — de uma média próxima dos R$ 3 bilhões ao mês até 2019 para R$ 14 bilhões hoje.

    Em 2023, já com Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, o programa foi rebatizado de Bolsa Família.

    “Uma das conquistas da pandemia foi manter esse orçamento maior para o Bolsa Família; as circunstâncias acabaram levando a esse consenso político de que o país precisava de um programa grande como esse para combater a pobreza”, diz o sociólogo Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

    “Claro que ele não vai continuar crescendo para sempre; deve agora estabilizar e ser mais bem focalizado. Mas é um programa que tem um papel essencial em reduzir a pobreza e não vamos poder abrir mão dele por um longo tempo”, acrescenta Souza, que é autor do livro vencedor do Prêmio Jabuti, ‘Uma História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil – 1926 – 2013’.

    “Ficou um programa pesado do lado fiscal”, diz Imaizumi, da LCA. “Mas as grandes saídas são pela educação, que só tem ganhos no longo prazo, então ele tem, sim, um peso importante, agora, para a redução da desigualdade.”

    Reconfiguração no mercado de trabalho

    Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), destaca que não só o emprego teve uma recuperação vigorosa em 2022, como também novas tendencias começaram a se desenhar no mercado de trabalho.

    Isso, de acordo com ele, favoreceu a melhora de renda dos assalariados da base da pirâmide.

    “A taxa de participação no mercado de trabalho ainda está bem abaixo do nível de 2019, e é a população de menor qualificação, de maior vulnerabilidade, que está saindo”, diz.

    A própria ampliação dos pagamentos do Auxílio Brasil e do Bolsa Família seria uma das razões que, de acordo com economistas, estão levando a esse fenômeno.

    “Com isso, há uma redução na oferta de trabalhadores para os serviços mais básicos, e, naturalmente, os salários oferecidos acabam ficando mais altos”, complementa Duque.

    Na ponta do alto, onde estão os trabalhadores com os maiores níveis de escolaridade, o pesquisador aponta para uma tendência já de mais longa data, de aumento da escolaridade da população com um todo.

    Isso aumenta a concorrência e torna a briga pelos salários do topo mais acirrada.

    “Até 2000, ainda tínhamos uma população enorme de crianças e adolescentes fora da escola. Depois, eles começaram também a ir para o ensino superior”, diz.

    “Temos uma geração nova entrando no mercado de trabalho com uma desigualdade educacional bem menor que a anterior. Isso, por si, já colabora para a redução da desigualdade.”