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    Desafios econômicos com prolongamento da guerra podem fortalecer relações entre alguns países, dizem especialistas

    Países já Invasão do país do leste europeu pelos russos intensificou a quebra das cadeias globais de oferta e gerou uma escalada inflacionária no mundo

    Pedro Zanattada CNN

    em São Paulo

    O conflito entre Rússia e Ucrânia teve inicio em 24 de fevereiro de 2022, pouco depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter autorizado, em pronunciamento pela TV, uma operação militar nas regiões separatistas do leste da Ucrânia, explosões e sirenes foram ouvidas em várias cidades do país na madrugada daquela quinta-feira.

    Economistas entendem que, passado um ano, a guerra acentuou as duas potências econômicas presentes no mundo: de um lado os Estados Unidos e do outro a China.

    Ainda na perspectiva das cadeias globais e do contexto mais interconectado que existia, especialistas também consideram que o conflito demonstrou uma deterioração na perspectiva globais de unificação das economias.

    E, para eles, por se tratar de uma guerra, qualquer tentativa de prever os próximos capítulos é arriscada. No entanto, é possível encontrar alguns pontos de convergência a partir dos fatos ocorridos até aqui.

    O principal deles é que a guerra colocou em evidência um mundo mais fragmentado comercialmente e geopoliticamente. A insegurança também é outro fator que deve continuar sempre à espreita das economias, uma vez que não existem sinais de um acordo de paz.

    A avaliação dos especialistas é de que a economia já precificou a guerra passado um ano de seu início e de que alguns sinais já são considerados positivos.

    “Houve uma melhora nesse lado e na crise energética da Europa. As perspectivas melhoraram. Recentemente o preço do gás diminuiu, o que representa uma melhora na crise energética e os governos entraram com auxílios para controlar os preços. Com isso, a perspectiva é melhor para a economia global e para a Europa”, disse Francisco Nobre, especialista da XP.

    Na sexta-feira (17), os preços do gás natural na Europa caíram para seu nível mais baixo em quase 18 meses.

    Os preços de referência do gás no atacado caíram quase 5%, atingindo 49 euros (US$ 52) por megawatt-hora, seu nível mais baixo desde setembro de 2021 e uma fração do recorde histórico de 320 euros atingido em agosto do ano passado, segundo dados da Independent Commodity Serviço de inteligência.

    Pesquisas recentes divulgadas demonstram que, apesar de índices ainda abaixo do normal e das incertezas, aos poucos a economia global incorporou uma guerra duradoura no cenário.

    A confiança econômica da zona do euro subiu para uma máxima de sete meses em janeiro com mais otimismo em todos os setores em meio à forte queda das expectativas de inflação entre consumidores e empresas, de acordo com o Índice de Confiança Econômica da Comissão Europeia.

    O Fundo Monetário Internacional (FMI) também trouxe uma perspectiva mais amena. A instituição disse que espera uma desaceleração da economia global de 3,4% em 2022 para 2,9% em 2023. Isso é acima da previsão de 2,7% em outubro.

    A atualização nas perspectivas reflete a “reabertura repentina” da China, que o FMI disse que “abre caminho para uma rápida recuperação da atividade”. Ele também citou uma resiliência inesperada em várias economias no segundo semestre de 2022, bem como uma melhora nas condições financeiras globais à medida que a inflação começa a diminuir e o dólar americano se afasta de suas máximas.

    Ainda que a China não tenha relação direta com a guerra, Nobre diz que a reabertura do país é sim um fator que gera melhora na perspectiva econômica dentro do contexto atual.

    “Existe uma demanda agregada [na China]. Com a reabertura, eles devem crescer bastante, baseado em uma politica expansionista e com uma inflação controlada. Isso permitiu o governo adotar essas politicas. Algo que ajuda na dinâmica do crescimento global e de países que comercializam com a China”, afirmou o especialista da XP.

    Brasil e América Latina

    Com a continuidade da guerra e a necessidade de países reverem dependências energética e econômicas fez com que os olhares se voltassem para outras nações emergentes, na avaliação de especialistas. Neste cenário, a América Latina, incluindo o Brasil, estão na mira de países europeus.

    No início de janeiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, realizou sua primeira viagem à América do Sul, com o objetivo de reduzir a dependência econômica em relação à China e fortalecer as relações com os países locais.

    No Brasil, o chanceler desembarcou no dia 30 de janeiro e se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e teve como pauta principal as relações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

    “O presidente [Lula] e eu concordamos que o acordo UE-Mercosul é de interesse de ambas as regiões e ambos queremos que haja uma rápido avanço nessa questão”, afirmou Scholz na ocasião.

    Na avaliação do professor de relações internacionais da ESPM Leonardo Trevisan, “a visita de Scholz, no Brasil, pode ser entendida como uma tentativa de a Europa encontrar meios para compensar as perdas geradas pela guerra”, disse.

    Além disso, o especialista destacou a importância e potencial do Brasil como um parceiro comercial para Europa no fornecimento de lítio, desenvolvimento de energias renováveis e no mercado de hidrogênio verde.

    Commodities

    O mercado de commodities deve continuar com preços altos este ano e, para o Brasil, existem pontos positivos e negativos. Segundo Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV, a guerra fortalece o agronegócio por conta de suas exportações, uma atividade importante e representativa no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

    No entanto, o especialista pondera que o conflito também traz prejuízos ao observarmos produtos importados pelo Brasil, como é o caso do trigo.

    “A guerra prejudica quem vive nas grandes cidades, pois nós dependemos de produtos industrializados e não temos renda tão elevada. Sobretudo, temos o exemplo do pãozinho, que é feito de trigo e essa mercadoria encareceu muito. Em suma, a situação fortalece o agronegócio e prejudica os consumidores nas grandes cidades”, disse.

    Logo, enquanto as commodities estiverem valorizadas e a guerra estiver no cenário atual, “sem substitutos para oferecer essas mercadorias que exportamos e os compradores quiserem comprar – o que no médio prazo é provável que ocorra –  o Brasil, portanto, há de se beneficiar”.

    Vieira chama a atenção também para uma mudança de postura que pode ocorrer com o novo governo dentro do tema dos fertilizantes. Com a guerra, o preço destes produtos chegou a registrar até 125% de variação, de acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

    “Esse tema dos fertilizantes pode ser combinado com alguma forma de nacionalismo como o governo Lula promete ao dizer sobre retomada de produção local”.

    Se isso ocorrer, Vieira diz que existem boas perspectivas para diminuir a dependência da mercadoria vinda da Rússia. Para se ter uma ideia, o Brasil importa 85% da demanda interna de fertilizante.

    Consequências

    A invasão do país do leste europeu pelos russos intensificou a quebra das cadeias globais de oferta e gerou uma escalada inflacionária no mundo, obrigando as autoridades monetárias a elevar as taxas de juros para conter o aumento dos preços.

    No aspecto global, o encarecimento dos combustíveis impactou grande parte do Ocidente, uma vez que a Rússia figura entre os três maiores exportadores de petróleo do mundo, ao lado de Estados Unidos e Arábia Saudita.

    Além disso, as commodities agrícolas também foram impactadas. A Ucrânia normalmente fornece cerca de 45 milhões de toneladas de grãos para o mercado global todos os anos e é o maior exportador mundial de óleo de girassol. Juntamente com a Rússia, foi responsável por cerca de um quarto das exportações globais de trigo em 2019.

    A interrupção das exportações por parte de ambos levou o Índice de Preços de Alimentos desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) ao seu nível anual mais alto desde 2005, subindo mais de 14% em relação a 2021.

    O economista e professor Leonardo Trevisan entende que o quadro da guerra provocou uma forte mudança para a coesão da União Europeia (UE) ao frear suas estruturas produtivas que dependiam da energia russa.

    Outro ponto é com relação às sansões impostas contra a Rússia. Os especialistas concordam que os efeitos esperados por parte, principalmente, dos Estados Unidos, não foram alcançados.

    “O Ocidente imaginava as sansões econômicas, elas não derrubaram a Rússia, ela vem se saindo muito melhor do que qualquer analista poderia imaginar em um primeiro momento, em grande parte porque a economia mundial não depende mais do Atlântico Norte, mas sim, da China”, analisa Vinicius Vieira.

    Agora, os olhares se voltam novamente aos movimentos bélicos e para uma possível escalada do conflito. Na quarta-feira (8) o presidente Joe Biden enfatizou no discurso de Estado da União o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia.

    Além disso, Biden anunciou na sexta-feira (3) um pacote no valor de mais de US$ 2.17 bilhões ao país do Leste Europeu, incluindo mísseis de longo alcance pela primeira vez.

    Na segunda-feira (20), Biden fez sua primeira visita ao país e se encontrou com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e com a primeira-dama Olena Zelenska no palácio presidencial.

    A visita reforçou o apoio dos EUA ao país e novas medidas foram anunciadas. Biden confirmou outra doação de equipamento militar e disse que no final desta semana seu governo “anunciaria sanções adicionais contra as elites e empresas que estão tentando fugir ou reabastecer a máquina de guerra da Rússia“.

    Nas últimas semanas a Ucrânia conquistou ainda as promessas de tanques de batalha ocidentais, as autoridades ucranianas agora estão focadas em tentar garantir o fornecimento de foguetes de longo alcance e caças.

    Os movimentos preocupam e podem sinalizar mais um ciclo da guerra para qual as economias devem se preparar e permanecer vigilantes.