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    COVID-19 motiva ‘choque de eficiência’ na logística do Brasil

    Em busca de maior autonomia, soluções passam por mais investimento em tecnologia, produtividade e protagonismo de fornecedores locais, sugerem especialistas

    Luís Lima, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A queda brusca da demanda provocada pela COVID-19 pautou um novo funcionamento da cadeia de suprimentos no Brasil e no mundo. A pandemia impôs entraves logísticos que dificultaram a importação e o transporte de insumos e produtos, sobretudo da China, obrigando fabricantes e distribuidores a readequar processos e buscar soluções inovadoras. 

    Pelos “motivos errados”, a cadeia de suprimentos brasileira, que é uma espécie de “rede” que conecta fornecedores, produtores e distribuidores, através de diferentes modais e estratégias, passa por um “choque de eficiência”, em busca de mais autonomia e sobreviência na crise. A área da logística como um todo passa por essa transformação.

    As mudanças refletem mais investimentos em tecnologia, produtividade e busca por fornecedores locais, que atendam a um consumidor mais exigente (que quer tudo na hora) e potencialmente com menos dinheiro, dizem especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business. 

    Assimiladas as lições da pandemia, as pessoas verão no futuro um planejamento logístico de empresas mais ágeis e eficientes. Como dito, não só por uma oportunidade, mas por necessidade: o sistema de produção e distribuição precisa ser mais eficaz. Tempos menores de entrega de insumos e produtos, além de preços mais competitivos, são alguns exemplos práticos do legado da crise. 

    “O momento atual convida as empresas a ter uma cadeia de suprimentos mais responsiva — com fluxos e tomadas de decisão mais rápidas e assertivas — a partir de modelos sofisticados e tecnológicos”, diz Cristiano Rios, sócio de supply chain (cadeia de suprimentos, na tradução ao português) da KPMG.

    Os desafios de infraestrutura da pandemia são catalisadores das mudanças. Nas estradas, o transporte rodoviário de cargas chegou a cair 45%, após as medidas de isolamento social, segundo pesquisa da associação de empresas NTC&Logística. Com a menor disponibilidade de caminhoneiros, o preço do frete subiu até 10,5% em parte do país, estimou o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).

    Nos aeroportos, a retração da oferta por voos comerciais recuou 90%, aponta a Flightradar24, o que atrapalhou o transporte de itens carregados nessas aeronaves.

    O fornecedor local ganha força nesse cenário, já que ajuda a reduzir as barreiras logísticas e, consequentemente, o tempo de entrega. “Aumentam nas empresas as discussões sobre regionalizar, ou localizar, a cadeia de suprimentos, para reduzir a vulnerabilidade e dependência de um único fornecedor”, diz Geert Aalbers, presidente da Control Risks, consultoria de risco global, no Brasil. 

    Setores 

    Os impactos variam de acordo com o setor. Historicamente, o Brasil é reconhecido por ser uma economia fechada e pouco integrada às cadeias produtivas globais. Na crise da COVID-19, o mais atingido foi justamente o setor que tem mais conexões outros países: o manufatureiro.

    Como é um segmento mais importador, essa área sentiu reflexos diretos em indústrias das regiões Sul e Sudeste, e na Zona Franca de Manaus, em segmentos como o automotivo e químico. O impacto foi minimizado pelo abastecimento, com um nível de estoque suficiente, sobretudo em meio ao esfriamento da economia, afirmam os analistas. 

    Também afetados, mas sobretudo pela retração da demanda, comércio e serviços tiveram que redobrar as apostas no comércio eletrônico, readequando as logísticas de produção e entrega. Mais resilientes, itens essenciais, como medicamentos e alimentos, tiveram fluxo de produção e entrega mais constantes, assim como os supermercados, sem rupturas significativas, por ora.

    Os fluxos comerciais dos setores agropecuário e mineral seguiram normalmente, com um pequeno impacto na compra de fertilizantes, mas sem grandes consequências à venda de carnes e grãos, insumos considerados essenciais. “São setores com vantagens competitivas, e pouco dependentes de importação. Mas, para além do problema de oferta, reforço: o gargalo é de demanda”, diz Igor Rocha, diretor de Planejamento e Economia da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). 

    Setores produtivos do mundo todo atravessam desafios semelhantes. Aalbers, da Control Risks, reforça que há uma disrupção da cadeia de suprimentos a nível global, já que o novo coronavírus é um evento que afeta simultaneamente todos os países, de forma prolongada. “Nos próximos dois anos, podemos ter cenários de quarentenas intermitentes, e as empresas terão de adaptar-se a esse momento atípico.”

    Medidas de precaução 

    Relatório recente da Control Risks elenca algumas medidas que podem ser tomadas por produtores para minimizar os efeitos da COVID-19 na cadeia de suprimentos. Entre eles, estão a solicitação de avaliação de risco por fornecedores; o trabalho conjunto com distribuidores; o incentivo ao diálogo com trabalhadores; e a garantia de acesso à informação e transparência em todos os processos. 

    “A COVID-19 é um risco global sistêmico que afeta todos os negócios e apresenta riscos à vida dos  trabalhadores vulneráveis. As principais empresas já estão colocando os trabalhadores no centro das medidas de recuperação e demonstrando como mitigar o impacto em suas cadeias de suprimentos”, aponta o documento. 

    Para mitigar danos, outra recomendação é a criação de um comitê específico sobre o tema, envolvendo profissionais de diversas áreas, como compras, manufatura e finanças, por exemplo, recomenda Rios, da KPMG. “A partir de reuniões periódicas, devem ser mapeadas possíveis rupturas no abastecimento, e estratégias para responder de forma rápida e eficiente”, afirma.

    Em um segundo momento, diz Rios, contratos com fornecedores devem ser revistos e adaptados à nova realidade. E o terceiro passo é uma gestão eficiente dos estoques, de produtos em processo e acabados, que atendam a cenários distintos, conservadores e otimistas.

    Pós-pandemia 

    Mudanças no perfil do consumidor, mais exigente e com poder de compra reduzido, ditarão novas formas de produzir e entregar — e a cadeia de suprimentos terá de adaptar. “No cenário pós-COVID, o digital ganha protagonismo. Empresas mais preparadas a vender no e-commerce, com logística de entrega do produto no mesmo dia, por exemplo, se destacarão”, avalia Rios.

    Ao oferecer ferramentas que possibilitam desde a conexão entre as pessoas até a otimização de processos, via inteligência artificial, análise de dados, entre outros dispositivos, a tecnologia conduzirá  as principais mudanças, concorda Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B. “Há uma mini-revolução, ainda que pelas razões erradas. Esse experimento natural (da crise da COVID-19), mostra o potencial de ganhos de produtividade da nossa economia.”

    O líder de consultoria de supply chain da PwC Brasil, Rodrigo Damiano, vê uma mudança de paradgima no comércio eletrônico e nos serviços de delivery, com uma menor dependência dos Correiros e maior profissionalização de empresas privadas. “Temos alguns aprendizados, de companhias e socidade. Há um movimento forçado de digitalização, que inclui distintos perfis de consumidores”, defende. 

    O timing das mudanças são incertos. As discussões já chegaram aos comitês executivos das empresas, com um olhar pós-COVID. Diante de tantas incertezas, a constatação é de que se beneficiarão mais as empresas que se anteciparem a esses movimentos, com uma revisão da matriz estratégica de compras, produção e distribuição.

    Turbulências políticas 

    Na esfera política, que respinga na economia, a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça acendeu um alerta nos mercados. Agentes financeiros temem uma guinada populista do presidente Jair Bolsonaro para se manter no poder, com impactos potenciais à cadeia de suprimentos.

    Entre os perigos estão uma piora da fragilidade fiscal, a partir de gastos indiscriminados, e de perda de prioridade da agenda de reformas e projetos de concessões e privatizações. “O mundo já percebe o grande nível de instabilidade política do Brasil”, alerta Aalbers. “Em meio às incertezas, uma crise se sobrepõe à outra, já suficientemente grave, e os investidores se afastam”, acrescenta.

    Segundo Damiano, da PwC, os impactos podem ser significativos, porque os ministros da Economia e Infraestrutura (Paulo Guedes e Tarcísio de Freitas, respectivamente) são dois “pilares” de uma administração que identifica a infraestrutura logística como um dos principais gargalos para o crescimento. “É uma das principais deficiências do país, e a atual gestão tem isso muito claro. Preocupa a permanência deles”, reconhece. 

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