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    Cortina de ferro digital: como a internet russa se assemelha ao modelo chinês

    Apesar de criar dificuldades para mídias do Ocidente, especialistas acreditam que a Rússia ainda não possui tecnologia o suficiente para criar um ambiente digital isolado como o da China

    Logos do Instagram, Facebook e WhatsApp
    Logos do Instagram, Facebook e WhatsApp Marcello Casal Jr./Agência Brasil

    Rishi Iyengardo CNN Business

    Os usuários da internet da Rússia tem oscilado entre Ocidente e Oriente, como acontece com muitos outros setores no país.

    Os cidadãos russos, ao contrário dos chineses, conseguiam acessar plataformas de tecnologia dos Estados Unidos, como o Facebook, o Twitter e o Google, embora tenham estado sujeitas a censura e restrições —caraterística definidora do modelo de internet da China.

    Mas a invasão russa da Ucrânia, que vem isolando o país nos últimos dias, pode também ser o golpe fatal de sua presença na web mundial.

    Na sexta-feira (4), com a intensificação das sanções à Rússia e dos combates na Ucrânia, o governo russo disse que tinha decidido bloquear o Facebook, citando os movimentos da rede social nos últimos dias para impor restrições aos meios de comunicação controlados pela Rússia.

    Embora o Facebook não seja a maior plataforma no país, bloqueá-lo pode ser um passo simbólico para indicar que o governo do presidente Vladimir Putin está preparado para fazer o mesmo com grandes nomes globais, caso eles não sigam suas determinações.

    O Instagram e a WhatsApp, que são mais populares na Rússia e também são propriedade da empresa-mãe do Facebook, a Meta, ainda não foram bloqueados.

    Já a principal agência de telecomunicações do país, a Rozkomnadzor, tem pressionado o Google (GOOGL) sobre o que ela chama de informações “falsas”, e a CNN contou que o Twitter (TWTR) também foi restrito. Outras plataformas estão optando por interromper as operações por conta própria.

    Ser cortado da Rússia pode não representar uma ameaça às plataformas tecnológicas ocidentais, algumas com público na casa dos milhares. Mas as iniciativas têm implicações importantes para a capacidade dos russos de acessarem informação e se expressarem livremente. Indo além, poderia também acelerar a ruptura da internet global como a conhecemos.

    Cortina de ferro digital

    Muitas das recentes restrições da Rússia em plataformas de tecnologia ocidental derivam de uma lei de “internet soberana” promulgada pela Rússia em 2019, que permite que a Roskomnadzor controle mais firmemente o acesso à internet no país e potencialmente rompa seus laços online com o resto do mundo.

    Uma lei aprovada pelo governo de Putin na sexta-feira (4) põe mais lenha à fogueira da hostilidade aos serviços ocidentais, tornando crime divulgar informações “falsas” sobre a invasão da Ucrânia, com uma pena de até 15 anos de prisão, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.

    A lei levou vários meios de comunicação, incluindo a CNN, a suspender a sua cobertura de dentro do território russo. O TikTok também citou o novo ambiente legal ao anunciar a sua decisão de evitar novos uploads e transmissões ao vivo em sua plataforma na Rússia.

    Google, Twitter, Netflix (NFLX), Spotify (SPOT) e Meta bloquearam ou restringiram meios de comunicação russos estatais / Reprodução

    Outras empresas de tecnologia já haviam reduzido a presença na Rússia em meio ao conflito da Ucrânia. Apple, Microsoft e Intel pararam todas as vendas e restringiram serviços no país, enquanto Google, Twitter, Netflix (NFLX), Spotify (SPOT) e Meta bloquearam ou restringiram meios de comunicação russos estatais e, em alguns casos interromperam campanhas de publicidade no país.

    A Congent Communications, um dos maiores provedores de tráfego de internet do mundo, começou a cortar fornecedores de serviços russos na sexta-feira.

    É uma tempestade perfeita que poderia levar a Rússia a finalmente isolar a sua população do resto da internet global, como a China já faz.

    “A crise é um ponto de inflexão para plataformas ocidentais que operam na Rússia”, comentou Jessica Brandt, diretora de políticas de iniciativa de Inteligência Artificial e Tecnologia Emergente da Brookings Institution. “O governo russo continuará, sem dúvida, a pressionar as plataformas para eliminar conteúdos que não o favorecem, utilizando toda a alavancagem disponível. Se as empresas cumprirem, a reação negativa pública noutros lugares do mundo será intensa”, acrescentou.

    O termo usado para se referir aos respetivos aparelhos de censura dos dois países também é semelhante: a China tem o seu Grande Firewall, a Rússia ganhou o apelido de “cortina de ferro digital”. Mas, embora existam muitas semelhanças entre as duas, há também algumas diferenças fundamentais que trazem dúvidas sobre a capacidade da Rússia em manter o seu próprio ecossistema digital autônomo.

    Viver sem tecnologia ocidental?

    Enquanto a China tem passado as últimas décadas construindo suas ferramentas de censura de longo alcance e tenha quase sempre impedido a maioria das plataformas tecnológicas ocidentais de operar no país, a Rússia tentar fazer o mesmo enquanto trava uma guerra.

    A capacidade da Rússia de implementar o mesmo nível de tecnologia que a China é questionável, quer seja a de tornar plataformas ocidentais completamente inacessíveis, quer seja de censurar conteúdos e tópicos específicos em tempo real, como exercido frequentemente pelo governo chinês.

    “Acho que uma diferença entre a Rússia e a China é que a China tem a capacidade técnica; o Grande Firewall chinês é muito sofisticado e a Rússia não está nesse ponto”, pontuou disse Xiaomeng Lu, diretora da prática de geotecnologia do Eurasia Group. “Embora a Rússia queira fazer um bloqueio completo e abrangente, acho que, tecnicamente, há alguns desafios”.

    Ao contrário da China, milhões de pessoas na Rússia estão habituadas a acessar plataformas tecnológicas globais e cortá-las completamente a partir dessas plataformas é um passo que o governo russo, sob Putin, se absteve de tomar até agora. Mas isso está mudando rapidamente com a guerra e as sanções crescentes impostas pelo Ocidente.

    “Acho que fechar completamente abre o risco de algum tipo de reação política para o governo”, disse Lu. No entanto, ela acrescenta, “esse tipo de medo está perdendo para o medo da sobrevivência a longo prazo do regime”.

    A dependência da Rússia em relação à tecnologia externa tem sido exposta, já que as empresas estrangeiras cortaram laços em resposta às sanções ocidentais. A Sabre, uma empresa do Texas, e sua homóloga europeia Amadeus tiraram a maior companhia aérea russa, a Aeroflot, de seus sistemas globais de compras de passagens e reservas na semana passada. O banco central do país também anunciou que o Apple Pay e o Google Pay não aceitarão mais cartões de vários bancos russos.

    A Rússia tem alternativas às plataformas globais, tais como o sistema de busca Yandex e a rede social VK, com dezenas de milhões de usuários. Mas a especialista Lu afirma que “o ecossistema não é tão robusto como o da China”, que tem várias gigantes tecnológicas, incluindo Tencent (TCEHY), Alibaba (BABA) e Weibo (WB), que rivalizam com as do Vale do Silício.

    Sede do Yandex, serviço de buscas russo / Reprodução

    As plataformas russas também enfrentam os seus próprios danos colaterais a partir da invasão da Ucrânia e das sanções ocidentais.

    O Yandex avisou na semana passada que o colapso do mercado de ações devido às sanções poderia impedir que a empresa pagasse as suas dívidas, e Vladimir Kiriyenko, CEO da empresa-mãe da VK, está entre os indivíduos sancionados pelo governo dos EUA.

    Na segunda (7), a empresa de investimento holandesa Prosus anunciou que estuda anular o seu investimento na VK, no valor de cerca de US$ 700 milhões, e solicitou aos diretores no conselho de administração da empresa que se demitissem.

    Derrota do povo russo

    Embora o governo russo pareça mais do que pronto para expulsar as plataformas tecnológicas ocidentais das suas fronteiras digitais, o mesmo não pode ser dito do povo russo.

    “O governo russo vai ganhar com a saída das Big Tech”, disse Brandt. “É o povo russo que vai perder enormemente se eles forem despojados de acesso a notícias e informações não governamentais e não tiverem negados os meios para se organizar”.

    Já há sinais de que os russos estão procurando maneiras de fugir aos bloqueios da internet. Cinco dos 10 principais apps baixados no país na semana passada eram aplicativos de rede privada virtual (VPN), que permitem aos usuários criar uma ligação à internet mais segura. Os downloads de apps de VPN mais populares durante este período aumentaram mais de 1.300%, segundo a plataforma de monitoramento de aplicativos Sensor Tower.

    De uma forma ou de outra, a “cortina de ferro digital” parece estar caindo.

    Lu admite que é difícil prever exatamente a rapidez com que uma completa separação da internet da Rússia do mundo terá lugar, mas os acontecimentos recentes indicam que poderia acontecer em “semanas ou talvez mesmo dias”.