Com Pec e juro alto, dívida do governo com precatórios explode e pode ultrapassar 2% do PIB em 2026
Segundo Tesouro, somente entre 2021 e 2022 dívida do governo com precatórios passou de R$ 100,3 bilhões para R$ 141,8 bilhões — aumento de 41,4%
A explosão da dívida do governo com precatórios pode ser explicada pelos efeitos da “Pec dos Precatórios” e pelo patamar elevado da taxa Selic (atualmente em 13,75% ao ano). É o que indicam especialistas consultados pela CNN.
Segundo dados do Tesouro Nacional, somente entre 2021 e 2022 o total da dívida a ser paga pelo governo com precatórios passou de R$ 100,3 bilhões para R$ 141,8 bilhões — um aumento de 41,4%.
Em dezembro de 2021, o governo Jair Bolsonaro aprovou no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (Pec) dos Precatórios. A medida limitou o pagamento anual dessas dívidas e abriu espaço fiscal para bancar o então Auxílio Brasil, atual Bolsa Família.
Economista e especialista em contas públicas, Murilo Viana explica que, com a Pec, os pagamentos de precatórios são empurrados para o futuro e geram uma “bola de neve”. “A conta é simples: o governo está gerando mais precatório do que está pagando, então a dívida aumenta”.
Para a economista e professora da FGV Carla Beni, o principal motor do movimento de “bola de neve” é o patamar elevado da Selic. Os precatórios são corrigidos pela taxa básica de juros — cujo rendimento está acima do custo médio da dívida.
“Há um fator que aumenta muito esse precatório: a correção pela taxa Selic. Se estivéssemos com uma Selic de 2%, era uma realidade. Uma Selic a 13,75% é o principal fator do aumento do volume de precatórios. Cada mês que você não paga a dívida, há juros, correções monetárias sobre o valor total”, explica.
Concentração em precatórios de obras
A equipe econômica do governo Lula vem buscando soluções para a questão. Em projeção realizada no primeiro semestre deste ano, o Tesouro estimou que a despesa com precatórios pode atingir 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) — ou seja, ultrapassar R$ 200 bilhões — até 2026.
Viana explica que o governo deve lidar com a questão em duas frentes. A primeira é o pagamento dos precatórios já gerados; a segunda é “atacar” a raiz do problema, ou seja os fatores que levam à criação acelerada de precatórios.
Dentre os R$ 141,8 bilhões que compõem a dívida atual em precatórios, R$ 100,8 bilhões (71% do total) estão concentrados em precatórios para terceiros e benefícios previdenciários. Com base no número, os especialistas afirmam que parte da “raiz” do problema está na natureza dos contratos firmados pelo governo.
“Imagine que uma empresa de obras tem um contrato com o governo. Essa obra é orçada em um valor ‘X’, mas pode acontecer de, no desenvolvimento, ter uma explosão de custos. A empresa pode querer o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato e acionar a Justiça. Caso a Justiça dê ganho de causa, é gerado um precatório”, explica Viana.
Segundo Fábio de Andrade, professor de economia da ESPM, há casos em que são assinados acordos — para obras, por exemplo — que o governo não é capaz de arcar, mas também há ocasiões nas quais os projetos iniciais são “subdimensionados”, seja em relação à proporção da obra ou às minúcias de possíveis ajustes e aditivos.
O especialista relembra que o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) e o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) ficaram em patamares consideravelmente elevados em 2022, o que contribuiu para que o processo em que os contratos firmados precisassem de ajustes e adequações.
“Tivemos o aumento de preços para matéria prima e outros custos para a execução de obras. É bastante razoável dizer que os contratos que foram feitos não conseguiram antever este aumento. E muitas empresas judicializam essa questão”, explica.
Viana indica que “se há uma concentração de precatórios neste tipo de operação [com contratos de obras], a questão tem que ser analisada”. “O que está gerando isso? Se for a composição dos contratos, o governo tem que ver isso como um sintoma de uma má gestão”.
Precatórios e a Pec
Os precatórios são formalizações para pagamento de determinada quantia, devida pela Fazenda Pública assim como pelas suas autarquias e fundações, em razão de uma condenação judicial definitiva.
Imagine que uma empresa ou pessoa decide processar a União (ou outros entes, como estados e municípios) e, anos após o caso correr na Justiça, finalmente ganha a causa. Com isso, o poder público deve pagar um valor para o indivíduo — mas, se a cifra for muito alta, é possível que o governo opte por dar um precatório.
A Emenda Constitucional 114 (surgida da Pec dos Precatórios), estabelece limites de pagamento dos precatórios até 2026 e a aplicação dos recursos economizados em 2022 exclusivamente em seguridade social e em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o antigo Auxílio Brasil.
A redação ainda previa mecanismos para compensar as mudanças, como a possibilidade de concessionárias utilizarem seus precatórios para pagar parcial ou totalmente outorgas. Viana explica que incertezas judiciais estão entre os fatores que fizeram com que, até o momento, o “encontro de contas” não tenha a eficiência necessária.