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    Com orçamento engessado, é quase impossível cortar gasto federal no Brasil, diz ex-ministro da Fazenda à CNN

    Maílson da Nóbrega comenta esforço do governo para zerar o déficit primário em 2024, defende repensar vinculações constitucionais e diz que reforma administrativa não deve ter fim fiscal

    Danilo Moliternoda CNN , São Paulo

    O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nobrega afirmou em entrevista à CNN que a proporção de despesas obrigatórias previstas para o Orçamento do Brasil faz com que seja “quase impossível” cortar gastos federais.

    Segundo levantamento da Tendências Consultoria Integrada, da qual o economista é sócio, as despesas discricionárias — ou seja, aquelas sobre o governo tem controle — representam cerca de 2% do Orçamento para o próximo ano.

    Vemos pessoas, que são de boa-fé, pedindo que o governo corte gastos. O governo pode até cortar o cafézinho, servir só três vezes ao dia em vez de quatro. Mas não é relevante. A margem é muito pequena, e esse é o grande desafio do Brasil para não deixar a dívida pública avançar”

    Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

    Para o ex-ministro, a tentativa do governo Lula 3 de zerar o déficit primário para 2024 por meio do aumento de receitas não tem “razão ideológica”, mas é resultado do espaço limitado para manobrar o Orçamento.

    Maílson defende, por exemplo, que o Brasil repense as vinculações constitucionais para Saúde e Educação. Por outro lado, não acredita que uma reforma administrativa seria decisiva para o ajuste fiscal do país.

    Durante a entrevista, o economista indica ainda que, apesar da melhora dos índices de inflação no Brasil, ainda não é “momento de relaxar”. Em relação ao PIB, ele não acredita que o crescimento registrado no primeiro semestre se repetirá nos próximos.

    Confira a entrevista completa:

    Como avalia o caminho escolhido pela Fazenda atual para zerar o déficit fiscal para 2024, por meio do aumento de receitas?

    O governo vai depender do aumento de receita, mas não por alguma razão ideológica. No Brasil é quase impossível cortar despesa federal. A rigidez do orçamento é muito forte, sem paralelos no mundo.

    Fiz um estudo, com técnicos na Tendências, que mostra que a margem para gastos discricionários, ou seja aqueles que o governo pode controlar, representa apenas 2% do Orçamento enviado ao Congresso. Isso dá apenas R$ 55 bilhões.

    Como um país pode funcionar se 98% dos gastos o governo não comanda? Vemos pessoas, de boa-fé, pedindo que o governo corte gastos. Até pode cortar o cafezinho, servir só três vezes ao dia em vez de quatro. Mas não é relevante. A margem é muito pequena, e esse é o grande desafio do Brasil para não deixar a dívida pública avançar.

    Quadros do governo vêm falando sobre rever vinculações constitucionais. Esse é um caminho para controlar o gasto e a dívida?

    Seria uma das medidas mais importantes. A vinculação de gastos na educação e na saúde, que é muito aceita no Brasil, me desculpe a expressão, é uma estupidez completa, ninguém no mundo usa isso.

    “Isso significa falta de confiança no Congresso: ‘o Congresso não sabe definir prioridades, então vamos definir uma prioridade para sempre’. Daqui a 30 anos as prioridades mudam, e então são geradas distorções”

    Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

    O Brasil gasta em educação, com base nos últimos números disponíveis, antes do teto de gastos, 6,3% do PIB. A China gasta 4%, e a China vai mandar um homem à Lua, já mandou um foguete para o lado oculto da Lua.

    A Índia gasta menos que isso, e os Estados Unidos gastam 5%. A corporação da Educação vendeu para a sociedade que para melhorar a educação temos que gastar mais. Não. Para melhorar a educação precisamos melhorar a qualidade do gasto.

    Por exemplo: aumento de salário de professor no Brasil não depende, como outras categorias, de produtividade e inflação, mas do gasto per capita com aluno. Nada contra os professores ganharem bem, o problema é se isso é ou não compatível com a gestão sadia das finanças públicas e a focalização adequada destes gastos.

    E a reforma administrativa, que o presidente da Câmara, Arthur Lira, vem defendendo, seria uma solução?

    Infelizmente não, embora essa seja uma percepção de muitos. Eles acham que a reforma administrativa é para reduzir custos. Até pode reduzir, mas esse não é o principal objetivo de uma reforma administrativa. O principal objetivo é melhorar a qualidade do serviço que o Estado presta à sociedade.

    Maílson da Nóbrega foi nomeado titular da Fazenda durante o governo José Sarney - ao seu lado na imagem
    Maílson da Nóbrega foi nomeado titular da Fazenda durante o governo José Sarney – ao seu lado na imagem / Arquivo PR

    Essa é a visão do governo para a reforma, mas Lira diverge. Como vê essa correlação de forças e ganho de poder do Legislativo?

    Há um aumento do poder do Congresso especialmente no Orçamento. O valor de emendas parlamentares estão atingindo níveis absurdos, sem paralelo no mundo. No Brasil, as emendas parlamentares já representam 30% da capacidade do governo de realizar gastos discricionários. No mundo é menos de 2%.

    Houve um aumento do poder de gasto dos parlamentares, e isso tem que ser revisto. Já nos livramos do orçamento secreto, que era um absurdo, e agora precisamos olhar para este poder orçamentário das emendas parlamentares.

    Houve nova surpresa positiva com o IPCA nesta semana. É momento de derrubar o juro e voltar a priorizar a atividade econômica?

    A inflação é uma preocupação permanente do Banco Central. Não é momento de relaxar. A inflação ainda está acima da meta. As projeções para este ano é de que fique entre 4,8% e 5%, acima da meta.

    Para o 2024, a meta é de 3%. Continuará essa tendência de desaceleração, mas não sabemos se a meta será cumprida. Tem tudo para ser, com a inflação de serviço melhorando, mas não é hora para relaxar. Pagamos um preço alto pelo relaxamento, e como sabemos a inflação impacta especialmente as classes menos favorecidas.

    Com as surpresas recentes, economistas indicam que o PIB potencial, sem pressão inflacionária, é maior do que se pensava. Concorda?

    É possível, sim. Analistas tem errado de maneira generalizada em projeções para o PIB. Por que todo mundo errou? Porque aconteceram coisas nos últimos anos que impactam os modelos, por exemplo a reforma trabalhista, que ainda produz efeitos, e o teto de gastos, com seu efeito na confiança.

    Temos também acontecimentos globais que são novidades, como a revisão das cadeias globais de suprimento, uma das grandes inovações da humanidade depois da Guerra Fria, além do surgimento das tecnologias digitais.

    O desaparecimento de riscos geopolíticos reduziu muito as incertezas, e a tecnologia permitiu a gestão de cadeias de suprimento longas. Tudo isso são transformações que alteram modelos. Todos esses acontecimentos podem ter gerado um potencial de crescimento maior do que se pensava.

    Para os futuro do governo Lula, acha que é possível manter essa taxa de crescimento?

    No curto prazo, dificilmente. Tudo indica que haverá uma desaceleração do crescimento no segundo semestre, seja porque a taxa de juros, embora tenha começado a cair, ainda é restritiva ou porque permanecem muitos riscos na economia mundial

    Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

    As projeções para o crescimento da economia mundial são menos favoráveis do que eram recentemente, e permanecem os riscos geopolíticos, de Ucrânia, Taiwan. Além disso, devemos perder a forte influência que teve a agropecuária já neste segundo semestre.

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