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    Com mercado instável, aluguel de ações cresce na crise causada pela Covid-19

    Número de operações de aluguel somou 368,3 mil em abril, bastante acima da média mensal de 2019, de 185,3 mil; instrumento é comum em períodos de pessimismo

    Pregão na bolsa paulista, a B3. Aluguel de ações costuma crescer em crises (24/05/2016)
    Pregão na bolsa paulista, a B3. Aluguel de ações costuma crescer em crises (24/05/2016) Foto: REUTERS/Paulo Whitaker

    Luís Lima,

    do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A pandemia da Covid-19 acentuou a instabilidade nos mercados financeiros globais e redobrou a aposta de queda em bolsas de valores do mundo todo. Na B3, o pessimismo dos investidores fomentou a demanda pelo aluguel de ações, operação típica de momentos de turbulência, e que bateu recorde em março, auge da crise, seguido de uma atenuação em abril.

    A lógica do aluguel funciona da seguinte maneira: um investidor vê o preço das ações de uma empresa a R$ 10 e acredita que elas vão cair em um futuro próximo. Então, decide “alugar” um pacote desses papéis (se ele alugar 100 delas, o valor total será de R$ 1 mil). Para ter acesso a essas ações, o “locador” se compromete a pagar uma taxa por essa operação. Com as ações em mãos, esse investidor vai ao mercado e vende esses papéis para outro investidor pelo preço atual.

    Se durante o prazo do aluguel essa ação cai, por exemplo, 20%, a R$ 8, ele compra um lote com o mesmo número de ações da operação anterior. Logo depois, ele “devolve” as ações para o dono de fato. Se ele recebeu R$ 1 mil na venda ocorrida após o aluguel, ele retornou as mesmas ações ao dono com o valor presente de R$ 800. A diferença de R$ 200 é o lucro embolsado pelo tomador. Obviamente, se as ações tivessem subido em vez de cair, ele precisaria arcar com o prejuizo. 

    Também chamada de “venda a descoberto”, o aluguel é bem característico de momentos em que o sentimento do mercado é de baixista, ou seja, de aposta na queda.

    Como não há um investimento inicial do tomador, há uma série de garantias anticalote no aluguel. Para garantir que os tomadores devolvam as ações ao término do prazo estabelecido, as operações são feitas a partir do depósito de garantias, ou cobrança de uma margem (dinheiro, ações ou títulos). Eventuais bonificações, como dividendos, juros sobre capital próprio e outros benefícios, continuam a cargo do doador da ação — que não tem custos nenhum nessa operação.

    No mês passado, o número de operações de aluguel atingiu 368,3 mil, quase o dobro da média mensal do ano passado, de 185,3 mil operações, segundo os últimos dados divulgados pela B3 e compartilhados com o CNN Brasil Business. Em volume, somou R$ 90 bilhões, também acima da média de R$ 78,3 bilhões registrada em 2019. Em março, o susto com a pandemia fez esse tipo de instrumento registrar níveis ainda maiores: 381 mil operações, que movimentaram R$ 114 bilhões.

    Segundo analistas de mercado, os números evidenciam uma ênfase ao sentimento de desvalorização dos papéis especialmente no primeiro mês da crise, quando o Ibovespa teve baixa acumulada de 29,9%, e uma certa normalização no em abril, quando o principal índice da B3 inverteu o sinal e subiu 10,25%.

    “A crise do coronavírus causou uma volatilidade muito grande e um pânico generalizado no mercado financeiro. É justamente em momentos como esse, que investidores e especuladores buscam tentar se capitalizar, diante da expectativa de queda”, diz Igor Mundstock, economista do grupo Laatus. Ele lembra o ‘índice do medo’ dos Estados Unidos, o VIX, como um termômetro semelhante ao volume de operações de aluguel, que também mede o pessimismo dos investidores.

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    No Brasil, em termos de contratos movimentados, março atingiu um recorde, de 273.259, segundo dados compilados pela consultoria Economática, superando a marca anterior, de janeiro, de 199.728 contratos, quando os investidores temiam as rusgas geopolíticas entre Arábia Saudita e Rússia, pelo monopólio global da produção de petróleo.

    Nos próximos meses, os analistas projetam uma normalização, tanto no número de operações, quanto no volume negociado a partir de aluguel, já que as expectativas sobre o futuro dos negócios, ainda que negativas, estão calibradas. Na acumulado de maio, o Ibovespa têm alta de quase 8%, segundo dados de fechamento desta quinta-feira (28).

    “Aluguel de ações sempre existirá, sobretudo em momentos mais desafiadores. Mas aos poucos, vemos uma devolução, então a tendência é de ajuste, rumo a um patamar de equilíbrio”, avalia Márcio Lórega, analista da Ativa Investimentos

    Operação de risco 

    Ainda que o objetivo do aluguel seja lucrar com a queda das ações, o investidor pode sofrer efeito rebote, caso aconteça o movimento contrário, ou seja, de valorização. Se isso acontecer, o tomador de aluguel pode sair no prejuízo ou até devendo.

    “É um tipo de investimentos super-arriscado. Não há limite de alta para as ações, que podem cair 100%, mas também podem subir infinitamente. O investidor que não tem garantias suficientes na conta, pode perder tudo e mais um pouco”, diz Mundstock.

    Em grande volume, operações de aluguel, por si só, podem causar a alta de determinadas ações, pois motivam a demanda para a compra do papel à vista para devolvê-los ao locador, o chamado short squeeze.

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    Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, reforça que o prejuízo das também chamadas operações de short selling pode ser grande, caso as expectativas previstas na estratégia original não se concretizem. “É para cachorro grande, não para investidor pequeno”, alerta.

    Segundo os analistas, esse tipo de operação é feita por investidores qualificados, com grandes aportes e como parte de uma estratégia de investimentos mais sofisticada. Entre os principais agentes, citam investidores institucionais, estrangeiros e fundos, que também recorrem à pratica como forma de proteção ou hedge.

    “São operações que exigem um certo refinamento estratégico, diversificação de portfólio, e que são feitas por especialistas”, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos.

    Mercado regulado 

    Segundo a B3, essas operações são controladas e restritas, a partir de regras definidas por ela e também pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC). O limite de mercado para a utilização de ações em circulação (free-float) de empresas para aluguel é de 20% — e atualmente circula em terno de 2,7%.

    Além disso, cada investidor só pode ter 5% do volume de ações em circulação locadas, e uma mesma corretora tem um limite de 10% na soma de todos os seus clientes. Esses níveis são determinados para evitar manipulações de preços de mercado, e situações limite, com mais ações “emprestadas” do que em circulação.

    Para os analistas, as regras parecem adequadas e suficientes. “Dificilmente, a B3 é alvo de algum tipo de desconfiança por encobrir riscos elevados. O sistema de garantias da Bolsa é muito eficiente e rígido”, reforça Silveira.

    “É importante destacar que a estrutura de mercado para esse tipo de estratégia no Brasil, que inclui a regulação e as regras da B3, é muito mais robusta do que a de outros países”, avalia, em comunicado, a Bolsa de São Paulo. “Mudanças ou restrições na forma de negociação não alterariam o comportamento de preços das ações, que está sendo guiado pelo cenário econômico de crise mundial, mas poderiam ter impactos negativos no processo de formação de preço e na confiança dos investidores”, acrescenta. 

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