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    Cigarro ilegal perde espaço com fronteira fechada na pandemia; como manter isso?

    Para coibir mercado ilegal, há quem defenda redistribuição da carga tributária ou revisão do preço mínimo do produto, de R$ 5

    Foto: Mathew MacQuarrie/Unsplash

    Matheus Prado, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Com a fronteira entre Brasil e Paraguai fechada durante a maior parte do ano de 2020, estima-se que parte do contrabando trazido por ali tenha sofrido bloqueio temporário. Dados da consultoria Kantar Worldpanel mostram que este é o caso quando se trata de cigarros. A participação do mercado ilegal variou de 57%, em dezembro de 2019, para 51% em agosto de 2020, afirma a entidade.

    Também impactou a subida do dólar, que fez com que todos os elementos da cadeia ilegal, desde a produção, passando pelo transporte até a venda, ficassem mais caros, o que refletiu nos preços praticados aqui. Isso fez, inclusive, com que a produção brasileira crescesse 10% no período, segundo a fabricante Philip Morris.

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    Mas essa queda no contrabando, ao que tudo indica, é passageira. Quando a pandemia deixar de ser um fator, órgãos de segurança pública voltarão a ter dificuldades de controlar a imensidão de produtos ilegais que entram em solo brasileiro, principalmente na tríplice fronteira com paraguaios e argentinos. 

    Como coibir mercado ilegal de cigarros?

    Voltamos, então, às discussões de sempre quando o assunto é cigarro. Há quem defenda uma redistribuição da carga tributária ou uma revisão do preço mínimo estabelecido, de R$ 5. Outros acreditam que a solução é focar na repressão do crime organizado. O governo, por sua vez, já sinalizou que o produto pode entrar na rota do imposto “do pecado”.

    Isso sem falar no setor de saúde, que, no final das contas, também está na linha de frente neste segmento. O cigarro, ilegal ou não, tem forte impacto nos cofres públicos por causa dos seus comprovados danos ao corpo humano. Em 2017, o país gastou R$ 56,9 bi com custos médicos por causa do cigarro e outros derivados do seu consumo, apontam dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

    Cabe, então, uma análise de cada um destes pontos para tentar entender porque a discussão não tem avançado.

    Mudança nos impostos

    No fim de 2020, ganha força em Brasília a tese do “imposto do pecado” –que incidiria sobre cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo– para bancar a Reforma Tributária. Bolsonaro disse ser contra a medida no ínicio de 2020, mas não se manifestou desde a volta dos boatos. Não há detalhes sobre como isso incidiria sobre o tabaco.

    Enquanto isso, vale a última mudança na estrutura tributária do setor, que aconteceu em 2016. Ali ficou estabelecida uma taxação que, entre tributos federais e estaduais, corresponde a, no mínimo, 70% do valor final do produto. E, da forma como foi estruturada, incide mais sobre os produtos mais baratos.

    Para Jorge Irribarra, presidente da BAT Brasil (ex-Souza Cruz), este é um ponto problemático. “Quando você analisa os produtos por preço, na franja mais baixa, os consumidores pagam mais de 80% de impostos. Ninguém quer que os impostos diminuam, mas é preciso fazer uma reformulação tributária”, diz.

    Em março de 2019, o governo até indicou querer reduzir a alíquota como um todo, quando o então ministro Sergio Moro criou um grupo de trabalho para avaliar a possibilidade, sob o pretexto de inibição do mercado ilegal. 

    “Seria preferível, sem elevação de consumo, que esse mercado fosse preenchido pelo cigarro brasileiro. Se a conclusão for que isso pode levar à elevação do consumo de tabaco no Brasil, vai ser cortada essa solução”, afirmou durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado à época. Ministérios da Saúde e da Economia (Receita Federal) se posicionaram assertivamente contra.

    Irribarra também entende que há espaço para tentar mudar a faixa mínima de preço de R$ 5, estabelecida pela legislação. “O preço mínimo é uma boa ideia, mas exige um nível de controle do mercado ilegal que não existe”, afirma. A BAT até trouxe ao mercado nacional a marca Rothmans, que atinge preços mais populares, mas nada que se compare com os preços do contrabando.

    A Phillip Morris, outra gigante do mercado nacional, não enxerga o problema da mesma forma. Dada a diferença tributária em relação ao Paraguai, que só paga 18% no setor, e não querendo “estimular o consumo do produto”, a companhia é contra qualquer mudança no quadro tributário e foca seus esforços na repressão do contrabando nas fronteiras.

    Combate ao contrabando

    “Nossa posição é contrária a mudanças nos tributos. O que precisamos é criar elementos para que o contrabando seja dificultado e inibido”, diz Fernando Vieira, diretor de Assuntos Corporativos da Philip Morris Brasil. “Fornecemos inteligência, apoiamos programas para treinar profissionais de fronteira. A PMI [Philip Morris International] investe milhões para conseguir impactar positivamente este trabalho do Estado.” 

    A companhia tem parceria com a Universidade de São Paulo para capacitar profissionais dos três países, por meio de curso online, para combater o avanço dos produtos ilegais Brasil adentro. A empresa diz que o programa PMI Impact já investiu mais de US$ 100 milhões globalmente no tema.

    Não existe uma dimensão exata da quantidade de dinheiro transacionada ilegalmente nas fronteiras, já que boa parte dos produtos consegue atravessar sem ser interceptado. Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional de Combate à Pirataria, tem perspectiva assustadora. “O mercado ilegal no Brasil movimenta quase R$ 300 bilhões por ano”, aponta.

    Em termos de cigarro, neste ano até novembro, a Secretaria da Receita Federal destruiu R$ 950 milhões em produtos ilegais. Este valor foi de R$ 1,13 bilhões em 2019, R$ 1,27 bilhões em 2018 e R$ 1,01 bilhões em 2017, aponta o Sistema de Controle de Mercadorias Apreendidas, demonstrando certa estabilidade no alcançe do órgão. Além disso, dados de 2018 mostram que a entidade recolheu 286 milhões de maços durante um ano.

    Quando provocada pelo MJSP, a Receita defendeu de forma genérica a criação de uma força tarefa contra o contrabando de cigarros, “com investimentos estruturais em equipamentos e capacitação dos órgãos públicos envolvidos”. À altura, a Polícia Federal opinou que a repressão por si só não estava conseguindo frear o crime organizado e que a criação de uma faixa de cigarros populares poderia ser bem-vinda. 

    O documento final gerado pelo grupo de trabalho do Ministério e as informações apuradas pela reportagem mostram que não há coesão no discurso das entidades envolvidas no processo, propiciando o impasse prolongado vivido pelo setor. Irribarra afirma que, enquanto isso não se resolve, R$ 11 bilhões em impostos deixam de ser arrecadados todos os anos.

    Novo problema: cigarros eletrônicos

    Ainda sem solução para os cigarros “analógicos”, também cresce o problema em relação aos eletrônicos. Como são ilegais no Brasil desde 2009, pode-se dizer que 100% do mercado é ilegal.

    A Philip Morris, que já diz a nível global que quer deixar de vender cigarros de combustão para se dedicar aos eletrônicos, é interessada no assunto, que está parado na Anvisa.

    À reportagem, a Anvisa disse que “o processo de revisão regulatória está em andamento e qualquer alteração regulatória se baseará em evidências científicas robustas acerca do tema, evidências essas que consideram diversos aspectos relacionados aos DEF”. Segundo a consultoria Grand View Research, este mercado movimentou US$ 12,4 bi em 2019, com forte tendência de alta para os próximos anos.

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