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    “Cidades-fantasma”: crise da Evergrande explica milhões de casas vazias na China

    Antes do colapso da incorporadora, pensava-se que milhões de apartamentos estavam vazios em todo o país, e o problema só piorou

    Mercado imobiliário da China está esfriando após anos de excesso de oferta
    Mercado imobiliário da China está esfriando após anos de excesso de oferta REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

    Michelle Tohdo CNN Business

    A incorporadora chinesa Evergrande continua a chamar a atenção do mundo, mas seus problemas fazem parte de algo ainda maior. Há semanas, as dificuldades do conglomerado imobiliário chinês têm sido manchete em todo o mundo enquanto investidores aguardam para ver o que vai acontecer com a enorme montanha de dívidas da companhia.

    À medida que a crise se desdobra, analistas apontam para uma questão ainda mais profunda: o mercado imobiliário da China está esfriando após anos de excesso de oferta.

    As autoridades chinesas finalmente ponderaram sobre a crise da Evergrande na sexta-feira (15). O Banco Popular da China disse que a empresa administrou mal seus negócios, mas os riscos para o sistema financeiro são “controláveis”.

    “Nos últimos anos, a empresa falhou em administrar bem seus negócios e em operar de acordo com as mudanças do mercado”, comentou Zou Lan, diretor do departamento de mercado financeiro do Banco Popular da China (equivalente ao banco central), durante uma coletiva de imprensa.

    “Ao contrário, ela foi se diversificando e se expandindo cegamente, o que resultou em grave deterioração de seus indicadores operacionais e financeiros e acabou gerando riscos”.

    Os sinais de alerta estão acesos há algum tempo. Antes do colapso da Evergrande, pensava-se que milhões de apartamentos estavam vazios em todo o país. Nos últimos anos, o problema só piorou.

    Mark Williams, economista-chefe da Capital Economics para a Ásia, estima que a China ainda tenha cerca de 30 milhões de propriedades não vendidas que podem abrigar 80 milhões de pessoas. Isso é quase toda a população da Alemanha.

    Além disso, cerca de 100 milhões de propriedades provavelmente foram compradas, mas não ocupadas, o que poderia acomodar cerca de 260 milhões de pessoas, de acordo com estimativas da Capital Economics. Por anos, esses projetos atraíram inspeções minuciosas e até foram apelidados de “cidades-fantasma” da China.

    O mercado imobiliário e os setores relacionados são uma grande parte da economia da China, respondendo por até 30% do PIB. A proporção da produção econômica relacionada a construção e atividades pares é “muito maior do que em outras grandes economias”, de acordo com Williams.

    Durante décadas, isso ajudou o país a manter um rápido crescimento econômico.

    No entanto, os críticos questionam há tempos se esse motor de crescimento não estava criando uma bomba-relógio na segunda maior economia do mundo. Em parte, isso se deve à enorme dívida que muitas construtoras contraíram para financiar seus projetos.

    Como a incorporadora mais endividada da China, a Evergrande se tornou uma representação do crescimento insustentável, com passivos no valor de mais de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,6 trilhão).

    Contudo, “a Evergrande não é a única em dificuldades”, observou Christina Zhu, economista da Moody’s Analytics. Nos últimos dias, uma série de outras incorporadoras revelou seus problemas de fluxo de caixa, pedindo aos credores mais tempo para efetuar os pagamentos, ou alertando sobre possíveis inadimplências.

    Em um relatório recente, Zhu escreveu que 12 imobiliárias chinesas não fizeram o pagamento de títulos, totalizando cerca de 19,2 bilhões de yuans (quase US$ 3 bilhões, ou R$ 16,5 bilhões) no primeiro semestre do ano.

    “Isso foi responsável por quase 20% do total de inadimplências de títulos corporativos nos primeiros seis meses do ano, a maior em todos os setores” na China continental, acrescentou.

    A pandemia paralisou temporariamente as atividades, mas o setor de construção logo voltou à vida com a reabertura da China, e o mercado imobiliário do país teve uma breve recuperação.

    Desde então, no entanto, o mercado voltou a engasgar, e não há sinal de alívio imediato.

    Nos últimos meses, “as medidas de aumento de preços, de início de obras de construção e vendas de moradias” diminuíram consideravelmente, observou Zhu. Em agosto, as vendas de propriedades, medidas pela área vendida, caíram 18% em comparação com o mesmo período do ano anterior.

    No mesmo mês, os preços de casas novas subiram 3,5% “em relação ao ano anterior, o menor aumento desde que o mercado imobiliário se recuperou da queda provocada pela pandemia em junho de 2020”, escreveu Zhu.

    “A demanda por propriedades residenciais na China está entrando em uma era de declínio sustentado”, escreveu Williams em nota de pesquisa. Ele chamou isso de “a raiz dos problemas de Evergrande e de outras incorporadoras altamente alavancadas”.

    Há ainda o problema dos projetos inacabados, mesmo que haja demanda. A maioria das novas propriedades na China (cerca de 90%) é vendida antes de ser concluída, o que, segundo economistas, significa que qualquer contratempo para as construtoras pode impactar diretamente os compradores.

    “Assim, as autoridades têm um forte incentivo para garantir que projetos em andamento continuem enquanto incorporadoras inadimplentes são reestruturadas”, disse Williams.

    De acordo com uma análise recente do Bank of America, a Evergrande vendeu 200 mil unidades habitacionais que ainda não foram entregues aos compradores. Isso exacerbou os temores de que os consumidores possam ser deixados na mão pela segunda maior incorporadora do país.

    Nas últimas semanas, o governo voltou seu foco para limitar as consequências da crise e proteger as pessoas comuns. Em um comunicado no final do mês passado que não se referia especificamente à Evergrande, o Banco Popular da China prometeu “manter o desenvolvimento saudável do mercado imobiliário e salvaguardar os direitos e interesses legítimos dos compradores de imóveis”.

    Zou, o diretor do departamento de mercado financeiro do Banco Popular, disse na sexta-feira (15) que o Grupo Evergrande é um fenômeno isolado.

    “O mercado imobiliário nacional tem mantido a estabilidade dos preços de terrenos, dos imóveis e das expectativas. A maioria das imobiliárias opera de forma estável e apresenta bons indicadores financeiros. O setor imobiliário está saudável no geral”, afirmou.

    É verdade que nem todas as imobiliárias estão em apuros. Embora algumas empresas estejam claramente em dificuldades, “a maioria das incorporadoras não está à beira da inadimplência”, de acordo com Julian Evans-Pritchard, economista sênior da Capital Economics para a China.

    “Com algumas exceções, a maioria das grandes incorporadoras está em uma posição financeira muito mais forte do que a Evergrande e deve conseguir resistir a um pico temporário nos custos de empréstimos em meio a temores de contágio”, disse em comunicado aos clientes. Com isso, podem gerar alguma garantia “em meio às atuais tensões do mercado”, pelo menos no curto prazo, acrescentou.

    No entanto, no longo prazo isso pode ter pouca importância.

    “Navegar com sucesso pelo declínio estrutural da demanda por moradias na próxima década será mais desafiador”, escreveu Evans-Pritchard. “Uma consolidação estendida do setor ao longo de muitos anos parece mais provável do que uma onda iminente de falências de incorporadoras”.

    (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).