Vendas de chocolate devem registrar queda de mais de 30% nesta Páscoa
Entre as marcas artesanais, perdas podem chegar a 80% em relação ao ano passado
Na casa de Anatielly Basílio, de 27 anos, o principal sustento vem do chocolate. Em São Paulo, onde mora com a filha pequena, a mãe e um irmão caçula, a confeiteira produz, há cerca de cinco anos, doces e ovos de Páscoa. Neste ano, entretanto, ela pensou que a data seria mais amarga.
Por conta da quarentena anunciada em São Paulo e em quase todas as outras regiões do país, a confeiteira ficou com medo que as vendas não fossem suficientes e que a mercadoria ficasse encalhada. “Eu ia desistir de fazer a Páscoa neste ano, porque vi tudo fechando, vi o desespero das pessoas. Mas, no fim, decidi vender, primeiro é minha principal fonte de renda e porque sei que as pessoas, quando comem um doce, se sentem bem”, conta.
A preocupação de Anatielly faz sentido. Uma estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que o setor deve registrar uma queda histórica de quase 32% em relação à Páscoa de 2019. Se for confirmada essa expectativa, o faturamento na data comemorativa vai representar cerca de R$ 1,6 bilhão — R$ 740 milhões a menos que em 2019.
Para grandes companhias, como Lacta e Nestlé, o prejuízo já começa a ser percebido, mas, segundo as companhias, só vai poder ser calculado após o fim do período. Historicamente, a semana que antecede a Páscoa chega a representar quase 90% do volume das vendas de grandes companhias. “O brasileiro deixa tudo para última hora. Só vamos entender o impacto real no começo da próxima semana”, explicou a assessoria da Lacta.
O mesmo vale para a Nestlé. “Ainda é cedo para quantificarmos o impacto nos negócios como um todo e com a Páscoa não é diferente. Sabemos que é uma data muito importante para o consumidor brasileiro. Os pontos de venda físicos já estavam abastecidos no fim do Carnaval e, desde o anúncio da quarentena, temos atuado com plataformas de e-commerce para atender os parceiros de forma rápida”, explicou a marca.
Com um crescimento de 12% nas vendas de 2018 para 2019, a Cacau Show, outra gigante do mercado, teve a fabricação afetada pelo decreto de isolamento. “Quando a nossa produção foi interrompida, no dia 23 de março, grande parte dos nossos produtos já estavam prontos”, comentou a Cacau Show, também por meio da assessoria. Para efeitos de comparação, em 2019 a produção foi de 16,5 milhões de itens. De acordo com a empresa, o estoque atual está em 16,9 milhões de ovos de chocolate.
Só o essencial
Não é só com a saúde que o consumidor está preocupado. A incerteza econômica e a queda na renda das famílias são fatores que fazem o cliente comprar menos em épocas como essa. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela Fecomércio, já sofreu queda de 5,5% em março.
Depois que a pandemia atingiu o país, foi possível observar uma mudança de comportamento do consumidor, que agora busca alimentos mais essenciais e de maior durabilidade, como arroz, feijão e carnes salgadas ou enlatadas.
Nos supermercados do estado de São Paulo, já é possível perceber essa tendência. Se antes da quarentena, o crescimento nas vendas era estimado em 2,2% pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), agora, a expectativa é de queda de 8,5%.
Para a metrópole, a projeção negativa é de 10,5%, enquanto no interior do estado, a média do recuo nas transações é de 8,2%. Essa projeção é baseada em itens que apresentam alta procura nesta época do ano, como bombons, ovos e barras de chocolate, além de peixes e bebidas como vinho e cerveja.
Segundo a Fecomércio, a variação nos preços também pode ter afetado o consumo de alimentos típicos nessa época do ano. Quem ainda pretende cozinhar a tradicional bacalhoada, vai desembolsar 4,32% a mais do que no ano passado, de acordo com a pesquisa da instituição.
Da amêndoa para a barra
Para alguns, essa crise é ainda mais amarga. Quem sentiu ainda mais o impacto do isolamento foram as empresas de produção artesanal, que promovem a fabricação de ovos, bombons e barras desde a amêndoa do cacau até o produto pronto e embalado para o consumidor. É o que mostram os dados colhidos pela Associação Bean to Bar Brasil, que reúne 23 das principais marcas de chocolate artesanal do país, como Dengo, Chokolah e Amma.
Na capital paulista, a Gallete, uma das associadas, estima a queda nas vendas em 40%. Da Bahia e do Rio Grande do Sul vêm dois dos piores índices, que apontam cerca de 80% de diminuição no movimento.
“Nossas perdas variam bastante, a depender da região do país e do modelo de negócio. Em relação à projeção de cada marca para todo o ano de 2020, as perdas estão entre 15% e 40%. É bom lembrar, inclusive, que o ritmo da quarentena em São Paulo é maior do que em outras cidades do país”, explica Juliana Aquino, proprietária da Baiani e representante da associação.
E se o produto não vende, o estoque encalha e muito se perde. “A perda de produtos fica entre 10% e 30%, a depender do tipo de produção. Por exemplo, ovos que são recheados não podem ser reaproveitados, então são doados. Porém todo o chocolate sem recheio que não é vendido, volta pra a máquina e passa por uma retempera para ser usado em outras produções.”
Para os autônomos, como Anatielly, as perdas também são expressivas. No caso da confeiteira, ela registrou uma queda de cerca de mais de 30% nas vendas até agora. “Algumas empresas que são minhas clientes não compraram neste ano, porque os estabelecimentos estão fechados. Geralmente, nessa época eu já teria fechado a minha agenda com lotação máxima.”
Na busca por clientela nova, ela conta com a ajuda para a divulgação em redes sociais e também para cuidar do caixa. “Uma amiga minha tem postado fotos dos meus produtos em grupos e também resolvido a contabilidade, porque como estou na produção, não tenho tempo hábil pra ficar de olho na internet. Assim consegui novos clientes.”
Cada um na sua toca
Neste cenário, o delivery se apresenta como a melhor alternativa para alcançar o consumidor. Entre as grandes companhias, iniciativas de parceria com aplicativos de entrega ganham espaço. Em parceria com a Americanas, a Lacta tem oferecido frete grátis para compras acima de R$ 50 na plataforma da Uber Eats. Outra iniciativa é a campanha Lacta em Casa, um site que grega lojas online e encontra o ponto de venda mais próximo ao consumidor para uma entrega mais agilizada.
A Cacau Show também tem atuado neste sentido. “No atual cenário do Brasil e do mundo, é impossível prever como serão nossas vendas de páscoa. Nossa orientação para todos os nossos franqueados no país é que mantenhamos a calma. Então, nós estamos implantando uma série de estratégias como delivery, drive-thru, para que a gente possa passar por esse momento tão difícil da maneira mais suave possível”, disse o CEO da empresa Alexandre Costa, em entrevista à CNN.
O mesmo tem sido adotado pelas artesanais. “O que a gente tem feito é estar presente de maneira bem forte em redes sociais, ensinando a diferença do produto artesanal para o industrial, ensinando a degustar, provocando a curiosidade do consumidor. Além disso, as empresas que podem têm oferecido entrega grátis, descontos nos produtos, kits com mais de um tipo de chocolate e alguns brindes”, conta Juliana.
Quem também foi às redes sociais foi a chocolateira mineira Renata Penido. Se depender dela, neste ano, a Páscoa vai durar por muito mais tempo. Em um desabafo, ela lançou a #PáscoaAtéJunho, que incentiva seus clientes e alunos a produzirem, venderem e comprarem ovos de chocolate até o sexto mês do ano.
“Pela primeira vez, depois de mais de dez anos, eu me vi numa situação em que eu não poderia ir para a cozinha. Eu fiquei muito angustiada de não poder produzir. Então, fiz um desabafo falando que, por mim, ia ter Páscoa sim, porque a data é renascimento, e quando tudo isso passar, a gente pode renascer juntos”, relata.
“Tem muita gente que já tinha encomenda e conseguiu convencer os clientes adiarem a retirada do pedido. Então, muitos vão continuar produzindo até junho. A ideia é movimentar a economia e diminuir estoques para manter o fluxo de caixa de quem precisa”, diz a confeiteira.
É uma ideia que as confeiteiras de bairro, como a Anatielly, até as grandes fabricantes agradeceriam. Mas falta, também, combinar com os consumidores.