Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    China, Unasul e agronegócio: relações econômicas do Brasil com o Paraguai vão além de Itaipu

    Candidato do partido governista promete continuar relações diplomáticas de décadas com Taiwan e, o rival da oposição, é a favor de mudar os laços para a China, com o intuito de impulsionar a economia agrícola do país

    Expectativa é como o novo presidente vai lidar com a renegociação do principal acordo comercial entre os países: o contrato binacional do Tratado de Itaipu
    Expectativa é como o novo presidente vai lidar com a renegociação do principal acordo comercial entre os países: o contrato binacional do Tratado de Itaipu Divulgação/Presidência Paraguai

    Diego Mendesda CNN

    São Paulo

    No próximo domingo (30) os paraguaios vão às urnas escolher o novo presidente do Paraguai. Os candidatos Efraín Alegre, do Partido Liberal, e Santiago Peña, do Partido Colorado, estão em um técnico nas intenções de votos, com 38,1% e 36,4%, respectivamente.

    No país não existe segundo turno e não é permitido reeleição, ou seja, o candidato que conseguir a maioria dos votos é eleito para um único mandato.

    Por parte do Brasil, a expectativa é como o novo presidente vai lidar com a renegociação do principal acordo comercial entre os países: o contrato binacional do Tratado de Itaipu. O documento estabelece que cada país (Brasil e Paraguai), têm direito a 50% da energia gerada pela hidrelétrica, localizada na fronteira entre os países, no rio Paraná.

    Como o Paraguai não utiliza toda a parte a que tem direito, o país vende o excedente para o Brasil. O tratado completou 50 anos no dia 26 de abril e, mais que as cinco décadas do contrato binacional, a data marca o momento de renegociação de seus termos, como estipulado lá em 1973.

    Segundo Pedro Brites, professor de relações internacionais da FGV (Faculdade Getúlio Vargas), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto em fazer acordos, assim como fez nos seus primeiros mandatos e que deixaram os vizinhos satisfeitos no passado.

    “No governo 1 e 2 de Lula, o Brasil construiu uma relação de igualdade com o Paraguai. Agora, há expectativa é que o Brasil reconheça que existe uma diferença muito grande nas condições que o Paraguai tem para ter acesso à parte do acordo.”

     

    Brites explica que, mesmo que o Paraguai continue com o governo mais conservador, como é o caso do Partido Colorado — que está no poder há muito tempo e tem um viés mais de direita ou centro-direita — o governo Lula deve ter melhores relações, já que o Colorado está mais disposto a propostas de um avanço no nível de coordenação regional e de integração regional.

    Relações

    No governo anterior, de Jair Bolsonaro, aconteceram poucas iniciativas ou novas propostas econômicas que interessassem ao governo paraguaio, diz Brites. O ex-presidente retirou o Brasil da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), ação revertida por Lula no início de abril.

    O professor da FGV afirma que o Brasil vem defendendo a ideia de que Paraguai tem que continuar sendo autônomo, pois Lula está apostando na construção de um Mercosul mais forte, principalmente com o retorno Unasul.

    “Como liderança regional, a expectativa é de que o Brasil construa diálogo efetivo com os países vizinhos, principalmente mais pobres. Esses são os que precisam construir relações mais estruturadas voltadas para o apoio ao desenvolvimento econômico e financeiro.”

    O Tratado de Itaipu completou 50 anos neste dia 26 de abril / Divulgação/ Itaipu

    Na visão de Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie em Brasília, os dois candidatos, tanto do Partido Liberal quanto do Partido Colorado, não tendem a fazer mudanças bruscas na relação com o Brasil. “A gente vê no Partido Liberal, que é um partido menos conservador que o Colorado, uma maior proximidade com o governo brasileiro.”

    Ele também avalia que o presidente Lula tem a intenção de fortalecer o Mercosul e a Unasul. Além disso, independentemente do vencedor das eleições, ambos os governos não são extremos. “São dois partidos que podem vir a conversar e podem ser aliados do governo brasileiro em muitas questões, especialmente naquilo que é importante para o Paraguai.”

    O Paraguai exporta produtos agrícolas para o Brasil e contribui para o abastecimento de alimentos e também para a exportação desses produtos para os outros países. Ou seja, há relação muito próxima entre os países.

    No sentido contrário, o Brasil exporta petróleo, produtos químicos, máquinas, equipamentos, produtos, têxteis, veículos, carne, açúcar, café, dentre outras commodities.

    “O Mercosul é muito importante por essa integração comercial entre os dois países, porque a economia paraguaia depende muito do Brasil. Os dois países estão muito interligados economicamente e não importa, seja pela energia ou por outros fatores”, diz o Coimbra.

    Interesses econômicos

    Em relação a Itaipu, Coimbra diz que a ideia do Paraguai, de que precisa ter do seu lado um volume maior de recursos, sempre foi a mesma. Ele explica que o país sempre criticou que a energia excedente que o Brasil (de Itaipu) compra estaria muito defasada.

    “Os paraguaios chegam a falar em 80% de defasagem, mas, na verdade, o que eles precisam são de recursos para entregar serviços públicos, tanto a infraestrutura do próprio país, inclusive na área de energia, mas também na área de saúde e educação.”

    Para ele, o Paraguai sabe que tem uma “mina de ouro” com Itaipu e, os recursos para alavancar o país, viria por intermédio da usina. “O país aposta muito na negociação em relação ao Anexo C [que trata da divisão da produção de energia e posterior venda do excedente]. Independentemente do candidato vencedor, a intenção é fazer com que o Brasil pague um valor mais caro pela energia.”

    Coimbra aponta que sempre existiu uma parceria entre Paraguai com Lula. “O que o Paraguai vê com bons olhos, é que, no passado, o Brasil sempre foi muito generoso com os países que estão em volta dele. Então, os paraguaios imaginam que essa generosidade do presidente do Brasil, possa ajudar nessa questão de Itaipu. Uma generosidade que tem um cunho político de fundo, que é a liderança do Brasil no Cone Sul em relação ao Mercosul e em relação à Unasul também.”

    Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, analisa que a conversa deve ser tratada como “sensível” pelos envolvidos, especialmente por parte do Brasil, pois os números mostram que os termos do acordo “exigiram mais do lado brasileiro”.

    Um levantamento do instituto, por meio de dados disponíveis no site Itaipu, de 1985 a 2021, data do último balanço da hidrelétrica, o Brasil pagou US$ 83,2 bilhões (R$ 420,9 bilhões) à usina. O Paraguai, por sua vez, recebeu lucros de US$ 5,9 bilhões (R$ 29,8 bilhões).

    “O Paraguai não só teve seu suprimento de energia assegurado pela Itaipu Binacional, mas foi uma importante fonte de receita para o país neste período”, avalia Sales.

    Acordos com a China

    Uma questão levantada pelos economistas é sobre a aproximação do Paraguai com a China. O candidato do partido governista promete continuar relações diplomáticas de décadas com Taiwan e, o rival da oposição, é a favor de mudar os laços para a China, com o intuito de impulsionar a economia agrícola do país.

    Brites avalia que o governo Lula precisa ficar atento a essa movimentação entre os países. “Pode não ser uma ameaça no curto prazo, mas há riscos de que isso afaste um pouco o país vizinho das relações comerciais com o Brasil, além de atrapalhar o Mercosul.”

    Coimbra reforça que a questão da relação com a China é um tema sensível para todos os países da América Latina, uma vez que o país asiático oferece condições muito favoráveis.

    “Até um governo de direita, como o Uruguai, tem a ideia de fechar um acordo com a China. E Paraguai pode estar indo no mesmo sentido, independentemente de liberais ou de colorados. A gente pode ter certeza de que a China avançará de forma muito agressiva em cima do Paraguai e isso, com certeza, vai ter desdobramentos na relação com o Brasil.”

    Isso é um fato e o Brasil precisa estar preparado para negociar, acredita Coimba. De acordo com ele, a presença da China já é uma realidade em toda essa região do continente. Então, cada vez mais, o Brasil também, além de ser parceiro da China, precisa ficar atento aos movimentos dela com os seus vizinhos, como, por exemplo, causou recentemente um desconforto do Brasil quando o presidente Lula visitou o Uruguai.

    “Uma relação do Paraguai com a China pode ser extremamente danosa para o Brasil, porque, afinal de contas, o que a gente tem no nosso comércio, na nossa balança comercial, são produtos que podem ser afetados pela relação com a China.”

    O professor ressalta que o Paraguai pode exportar mais para a China e deixar de exportar para o Brasil. Ou importar da China muito mais do que importa do Brasil. Ou seja, são movimentações que o Brasil precisa ter em perspectiva nessa sua relação do Paraguai.

    “A China penetra em cadeias globais de valor aonde o Brasil tem uma presença significativa. Então, isso pode trazer um prejuízo tanto politicamente para o Mercosul, quanto um desequilíbrio na balança comercial entre os dois países.”

    Pesquisas eleitorais no Paraguai

    No dia 7 de abril, uma pesquisa da AtlasIntel mediu a intenção de votos para as eleições presidenciais do Paraguai e revelou que, no primeiro turno, Efraín Alegre e Santiago Peña estão empatados tecnicamente, com aproximadamente 38% e 36% dos votos se o pleito fosse agora, respectivamente. Não souberam responder 3,5%.

    Em um cenário hipotético reduzido, Alegre aparece com pequena vantagem, de 43% contra 39% de Peña. Quanto à inclinação para o voto, destacam-se aqueles que disseram que nunca votariam em Alegre (47%) e os que disseram que nunca votariam em Peña (46%).

    A maioria dos paraguaios (54,7%) afirmou que prefere que o próximo presidente do país seja alguém da oposição ou do partido Concertación. Enquanto isso, 35,8% prefere que o Partido Colorado continue no poder. Não souberam responder 9,5%.

    Além disso, 85% dos respondentes expressou que sua intenção de voto é definitiva e que ela não mudará. Já 15,4% disse que poderia mudar de candidato.