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    Burocracia e atrasos podem custar R$ 59 bi à construção até 2025, diz estudo

    Pesquisa feita pela Deloitte em parceria à Fiesp tentou mensurar as perdas causadas para o setor por gargalos que vão da complexidade tributária e dificuldades de logística até a falta de mão de obra e processos confusos de licenças

    Juliana Eliasda CNN

    São Paulo

    Erguer um prédio residencial padrão, uma tarefa que, em um cenário sem grandes percalços, poderia durar pouco mais de um ano, no Brasil dura em média mais de dois.

    Ampliar a distribuição de água em alguma grande cidade do país, um projeto possível de ser concluído em cinco meses, costuma levar 15.

    No caso da manutenção de uma rodovia, o tempo entre o cenário ideal e o real quase quadruplica: em vez de cinco meses possíveis, perdem-se 18, ou um ano e meio, considerado cada trecho de 100 quilômetros a ser renovado.

    Esses são alguns exemplos levantados junto às maiores empresas do setor no Brasil pelo estudo “Burocracia na Construção: o custo da ineficiência nos processos”, feita pela consultoria Deloitte a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

    A pesquisa se debruçou sobre quais são os principais gargalos responsáveis pelos atrasos quase crônicos que acometem os projetos, desde o segmento imobiliário até as grandes obras de infraestrutura, quando não acabam totalmente paralisadas, e tentou, também, mensurar o quanto custa esse atraso.

    A estimativa é que, de 2023 até 2025, o setor terá deixado de ganhar R$ 59,1 bilhões por conta desse tempo a mais que os projetos acabam levando para ser concluídos, atrasados por problemas como regras confusas, lentidão nas licenças ou falta de mão de obra qualificada, entre outros.

    O valor equivale a 8% do volume total de investimentos previstos no período pelo setor, considerados tanto o mercado imobiliário quanto os grandes projetos de infraestrutura já contratados.

    “Se você for, por exemplo, montar um restaurante para colocar em operação em um ano, mas coloca em dois anos, todo o dinheiro investido vai ficar empatado durante esses dois anos antes de começar a dar retorno”, explica Eduardo Capobianco, representante do Sindicato da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP) na Fiesp e um dos idealizadores da pesquisa.

    “O custo adicional desse prolongamento do investimento, para a construção, significa essa perda avaliada em 8% desses investimentos que o estudo tentou mensurar.”

    Um estudo da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), feito há dez anos, calculou que 12% dos custos de se erguer um imóvel existem apenas por conta dos atrasos no processo.

    Isso significa que o preço final da casa, aquele que será pago pelos consumidores, acaba cerca de 7% maior, de acordo com o presidente da Cbic, Renato Correia. “Estamos há dez anos dessa pesquisa e os números não mudaram muito”, diz ele.

    “Imagine que você leve 18 meses para aprovar um projeto na Prefeitura, no licenciamento, e compra um terreno que vale 10% do custo da obra”, conta Correia.

    “Esse terreno vai ficar parado durante meses, com 13% de taxa de juros, mais o IPTU que paga, mais a roçagem que tem que fazer porque o mato cresce, às vezes há os custos para vigiar, senão invadem. Tudo isso somado, ao longo do tempo, quando junta toda a burocracia, vai impactar em algo como 12% dos custos.”

    Custo da burocracia

    Os gargalos analisados pela pesquisa da Deloite são de toda ordem. Eles vão desde velhos conhecidos do país, como a complexidade tributária e as dificuldades de logística, até alguns especialmente sensíveis para a construção civil, como a recorrente dificuldade de encontrar mão de obra qualificada e, principalmente, a miríade de trâmites de regras difusas e processos demorados envolvendo os processos de licenciamento junto aos governos municipais, estaduais e federal.

    “O Brasil tem 26 estados, mais 5.568 municípios, fora a União, cada um com seu regramento, sua legislação e seus procedimentos burocráticos”, diz Capobianco, da Fiesp.

    “Isso obriga o empreendimento, seja uma estrada, um edifício, a lidar com um monte de repartições e agências com burocracias extensas, e que não se comunicam entre si.”

    Para mensurar a morosidade de todos eles, a pesquisa conversou e com executivas das 40 maiores construtoras do país, abarcando desde os edifícios imobiliários até rodovias, ferrovias, saneamento e portos, por exemplo.

    Para chegar ao cálculo do “custo da burocracia”, estimado nos R$ 59,1 bilhões até 2025, foi perguntado a eles quanto tempo os seus projetos “ótimos” levaram para ser concluídos – ou seja, os empreendimentos que conseguiram realizar sem grandes percalços e sem fugir dos prazos planejados.

    Isso foi comparado a qual costuma ser o prazo médio de execução dos projetos de cada um deles como um todo, no geral bem maior.

    “A ineficiência nos processos pode aumentar o prazo médio de execução em até 16 meses para obras de infraestrutura e em até 13 meses para construção imobiliária, na comparação com as médias dos melhores prazos apresentados pelos executivos entrevistados”, explica o estudo em seu relatório.

    O “dinheiro perdido” foi calculado com base nessa diferença de tempo: ele precificou o quanto os investimentos feitos por essas empresas perdem valor ao longo do tempo e o quanto de custo adicional é drenado por cada um desses meses a mais que as obras acabam demorando antes de entrarem em funcionamento.

    Pouca padronização e digitalização

    Para a coordenadora de projetos de construção na Fundação Getulio Vargas (FGV), Ana Maria Castelo, parte da resposta para a perda de produtividade causada pelo peso da burocracia passa pela padronização e digitalização de processos junto ao poder público, como registros e licenças.

    “Uma questão característica da construção civil é que ela atua regionalmente, e essa é uma dificuldade que existe no mundo inteiro. A construção americana também enfrenta esse problema, porque na hora que vai atuar em uma localidade há especificidades ambientais que exigem também regulações diferentes”, diz ela.

    “Mas tudo isso pode ser mitigar se conseguir uma melhor padronização dos processos. (…) A digitalização também pode agilizar os processos.”

    Essa digitalização, de acordo com ela, é ainda relativamente lenta e acontece em ritmos bem diferentes entre os milhares de municípios do país, com alguns, como as grandes capitais, já bastantes avançados, enquanto outros estão longe disso.

    Os resultados dessa baixa modernização aparecem, por exemplo, na dificuldade que as empresas têm em coisas simples, como obter informações de que etapa estão os seus pedidos de licença que devem ser protocolados na prefeitura para que a construção de um prédio possa começar.

    “Nós acabamos associando a burocracia a algo ruim, mas ela é necessária. A gente precisa ter regras. Imagina se cada um pudesse fazer o que quiser?”, diz a pesquisadora da FGV.

    “A questão está na profusão de regras e na demora, o que torna os processos muito mais custosos e acaba sendo uma das variáveis que minam a produtividade do setor.”

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