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    Brasil acertou momento de subir juros e futuro próximo abre espaço para cortes, diz Niall Ferguson à CNN

    Historiador escocês ainda afirma que país tem potencial de estar na vanguarda da inovação, prevê recessão nos Estados Unidos até o fim deste ano e diz que guerra na Ucrânia deve se arrastar até 2024

    Gabriel Bosada CNN , Em São Paulo

    O Brasil acertou ao sair na frente das maiores economias e iniciar a alta dos juros ainda no início de 2021. A antecipação do movimento, somada ao atual cenário de desaceleração global, devem abrir brecha em um futuro próximo para o corte das taxas, atualmente em 13,75% ao ano.

    Essa é a opinião de Niall Fergunson, historiador escocês, autor de best-sellers e uma das principais vozes da atualidade em análise de relações internacionais.

    Ferguson falou com a CNN diretamente do seu escritório na Universidade de Stanford, na Califórnia, onde atua como parceiro sênior do Instituto Hoover.

    “Há sinais de deflação na China agora. E se a economia dos EUA entrar em recessão, veremos uma redução significativa das pressões inflacionárias por lá. Então, a minha sensação é que o Brasil acertou o momento e haverá alívio em um futuro relativamente próximo”, afirma.

    O professor ainda refuta a ideia de que o mundo esteja entrando um processo de reversão da globalização, tese aprofundada por analistas diante dos impactos da pandemia da covid-19, e posteriormente da invasão da Ucrânia pela Rússia, nas cadeias globais de produção e logística.

    E este cenário tende a benificiar o Brasil, diz Ferguson. Além do protagonismo no agronegócio global, as recentes inovações financeiras desenvolvidas no país colocam a economia brasileira na vanguarda deste século.

    “A América Latina como um todo é um verdadeiro foco de atividade no campo da tecnologia financeira. E o Brasil, claro, é protagonista dessa história”, diz o professor.

    Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

    Como você vê o momento atual da economia brasileira? O Brasil tem capacidade de voltar a ser protagonista em um cenário global?

    Estive em São Paulo há algumas semanas e fiquei impressionado com o que ouvi e vi. Devo dizer que, em muitos aspectos, o Brasil está muito bem posicionado para uma economia global que não recuou da globalização. As pessoas que dizem que a globalização está morrendo estão exagerando muito. Apesar das tensões entre os Estados Unidos e a China, eles continuam a comercializar em grande escala.

    A tendência é que a globalização persista, as cadeias de suprimentos estão se movendo. As principais medidas são reduzir a exposição dos EUA à China. O Brasil não está ameaçado por essas tendências, principalmente se puder adotar uma postura desalinhada na geopolítica. As mudanças tecnológicas que vemos no mundo, principalmente a transição energética, também me parecem, no geral, positivas para o Brasil.

    Então, minha conclusão da viagem mais recente foi que o Brasil pode continuar se beneficiando da globalização e também pode se beneficiar de sua complexidade e diversidade como economia. Tem toda uma gama de coisas diferentes para oferecer ao mundo. Também possui, embora tendemos a nos concentrar nas exportações agrícolas, um setor de tecnologia financeira muito dinâmico.

    E acho que o Brasil, nesse sentido, está muito pronto para uma vida no século 21 na vanguarda da inovação. E isso é importante. A América Latina como um todo é um verdadeiro foco de atividade no campo da tecnologia financeira. E o Brasil, claro, é protagonista dessa história. Portanto, sou otimista em relação ao Brasil. Desde que o presidente Lula evite parecer um cúmplice do Partido Comunista Chinês, as coisas devem correr bem.

    Muito se discute sobre as taxas de juros brasileiras. Você acha que já está na hora de cortar os juros?

    O mais importante é que o Banco Central do Brasil agiu cedo. As pessoas no Brasil têm uma memória clara dos problemas de inflação. E há muitos anos, ter altas taxas para combater a inflação funcionou como uma espécie de imposto sobre toda a atividade econômica brasileira. Portanto, acho que devemos dar crédito aos banqueiros centrais do Brasil pela maneira como eles enfrentaram isso.

    Há sinais de deflação na China agora. E se a economia dos EUA entrar em recessão, veremos uma redução significativa das pressões inflacionárias por lá. Então, a minha sensação é que o Brasil acertou o momento e haverá alívio em um futuro relativamente próximo, haverá espaço para cortes em um futuro relativamente próximo, determinado em última instância pelas condições globais.

    Como você vê o atual momento da economia mundial diante da alta de preços e a pressão por aumento de juros?

    Bem, certamente não é uma boa imagem. O Fundo Monetário Internacional tornou-se visivelmente mais pessimista nos últimos meses. As duas maiores economias do mundo, os EUA e a China, estão dando sinais de desaceleração. Nos EUA, é um processo meio estranho em que o Fed está subindo [os juros], mas a economia ainda está forte.

    Na China, a recuperação da política de Covid zero produziu alguma melhora, mas não tanto quanto as pessoas esperavam. Então, no geral, eu acho que a imagem é bastante sombria. Estagflação é uma palavra que se ouve cada vez mais.

    Quais são os principais desafios para a economia global nos próximos meses? Estamos à beira de uma recessão?

    Acho que há uma probabilidade distinta de uma recessão nos Estados Unidos, embora não esteja muito claro quando. Há muito impulso no mercado de trabalho dos EUA, e ainda é difícil ver sinais de recessão, mas está chegando. Embora a crise bancária não seja tão ruim quanto em 2008, muitos bancos estão praticamente destruídos em termos de perdas.

    Eu diria que até o final do ano, é bem provável que os EUA estejam em recessão. A China, a segunda maior economia, certamente não está crescendo tão rapidamente quanto se poderia esperar, e no final do ano, acho que também terá desaceleração.

    Se isso se transformará em uma recessão global, eu duvido, porque a economia global raramente entra em recessão. Não acho que a situação seja tão ruim a ponto de vermos uma recessão global, mas sim uma recessão nos EUA e uma desaceleração na China.

    Por quanto tempo deve durar uma recessão nos EUA?

    A recessão deve durar dois trimestres. Não parece que será uma recessão particularmente profunda ou longa. Haverá uma recessão, mas não será tão severa quanto a de 2008 e 2009, ou tão profunda quanto a recessão do início de 2020.

    Você não acredita que essa recessão nos EUA e a desaceleração da China terão impactos em uma recessão global?

    Eu acho que é improvável. É mais provável que você veja um crescimento um pouco menor no segundo semestre deste ano ou no próximo ano. O impacto, obviamente para a economia exportadora de commodities, como a do Brasil, será especialmente forte se a China desacelerar acentuadamente agora.

    Há todos os tipos de outras coisas que estão desacelerando agora. O quadro demográfico é sombrio, há um tremendo problema de superendividamento e superação da passividade no setor imobiliário. O governo chinês não está em condições de fazer o tipo de estímulo que fez após a crise financeira global, aquele enorme estímulo que vimos depois de 2009, que levou a uma tremenda alta nos preços das commodities em todo o mundo, e realmente ajudou economias como a brasileira a evitar uma contração muito mais severa. Esse estímulo não pode acontecer de novo, porque o governo chinês está muito mais contraído do que naquela época.

    Não devemos esperar que a China seja capaz de compensar a desaceleração da mesma forma que o fez em em 2010. Isso significa que não haverá o mesmo alívio para os exportadores de commodities.

    Como esse cenário impacta a economia brasileira?

    Bem, o Brasil é a economia mais importante de toda a América Latina. E é uma economia extraordinariamente diversificada que, de certa forma, tem vida própria. É por isso que os comentaristas estrangeiros às vezes esquecem que não se deve ser muito negativo sobre a situação brasileira. O banco central do Brasil foi muito mais rápido em agir diante das pressões inflacionárias em um momento em que o Federal Reserve dormia ao volante.

    Minha impressão é que o Brasil está razoavelmente bem colocado, em comparação com um país vizinho, como a Argentina.

    O problema é que, se a economia mundial desacelerar, o Brasil [precisa] ficar atento, porque desenvolveu uma dependência considerável do comércio com a China nos últimos anos. Se a China espirra, o Brasil pega um resfriado.

    O que não sabemos é até que ponto a economia chinesa irá desacelerar no segundo semestre deste ano. Meu palpite é que vai desacelerar. É o tipo de coisa que o Brasil precisa observar com atenção. Eu diria que se os mercados de commodities enfraquecerem, isso inevitavelmente afetará a economia brasileira.

    Você vê a possibilidade de o Fed interromper a alta dos juros no estágio atual?

    Bem, essa é uma pergunta que investidores e especialistas se fazem não apenas todos os dias, mas a cada hora, e eles mudam de opinião praticamente a cada hora, dependendo dos dados mais recentes. Sou um historiador e tento ter uma visão de longo prazo. Acho que o Fed cometeu um dos maiores erros de toda a sua história em 2021 quando não fez nada diante das crescentes pressões inflacionárias, nem agiu no início de 2022.

    Eles estavam muito atrasados, então apertaram agressivamente 500 pontos-base [na taxa de juros] e agora estão sentados esperando para ver se funciona. Sempre dizemos que a política monetária age com defasagens longas e variáveis. Mas o que significa longo? É um pouco como a inflação transitória. As pessoas andavam dizendo que a inflação seria transitória, mas nunca diziam se estavam falando de semanas, meses ou anos.

    A inflação está caindo agora, mas ainda há pressões consideráveis que você pode ver quando olha para o núcleo e para os salários. Não acho que o Fed esteja em posição de declarar vitória ainda, embora haja algumas pessoas que gostariam que ele fizesse isso. Ainda podemos ver uma nova subida nas taxas se os dados continuarem fortes.

    Acho que o Fed pode ficar tentado a declarar vitória até o final deste ano, talvez até mesmo cortar as taxas. Mas pode ser uma declaração de vitória arriscada, porque a inflação pode voltar no ano que vem.

    Depois de mais de um ano desde o início da guerra na Ucrânia, podemos dizer que a economia global está caminhando para um novo momento ou ainda vemos muita incerteza no horizonte?

    Acho que a economia global se adaptou com mais sucesso do que muitos esperavam ao choque da invasão russa da Ucrânia. Por exemplo, havia pessoas extremamente pessimistas sobre o que aconteceria com a economia europeia como resultado da interrupção da energia, principalmente do gás natural e do petróleo da Rússia, como resultado das sanções. Saiu melhor do que temiam os pessimistas.

    E esta guerra não vai acabar amanhã. Na verdade, uma das lições da história é que uma vez que uma guerra dura um ano, é bem provável que dure mais um ano. E esta guerra é muito difícil de parar, porque as posições dos dois países estão muito distantes, será extremamente difícil para os diplomatas encontrar um acordo comum.

    Minha expectativa é, portanto, que a guerra continue durante este ano e no próximo. E, como resultado, continuará a haver um problema real no que diz respeito ao fornecimento de energia da Rússia para o resto do mundo. Existem maneiras de contornar as sanções e não há dúvida de que as pessoas estão trapaceando. Caso contrário, a economia russa estaria com muito mais problemas do que está.

    Mas, mesmo assim, ainda impõe custos significativos. Então você tem que assumir que a guerra vai se arrastar, e isso significa que se você tiver um inverno frio em 2023 e 2024, será um problema real para as empresas europeias, bem como para os consumidores.

    E como você vê um termo comum para ambos os lados?

    Bem, acho que geralmente se argumenta que, se a Ucrânia montar uma ofensiva bem-sucedida e retomar o território nos próximos meses, haverá a base para as negociações. Acho que é isso que o governo dos EUA espera. O problema é que, se a Ucrânia se sair bem, não há grande incentivo do lado do presidente Zelensky para fazer concessões. Ele estará sob pressão doméstica para continuar.

    Atualmente, a Ucrânia diz que quer todo o seu território de volta, não apenas o território perdido desde fevereiro do ano passado, mas o território que perdeu em 2014, incluindo a península da Crimeia. Também quer um julgamento de crimes de guerra. E quer reparações e que todos os ativos congelados do banco bentral da Rússia sejam entregues para ajudar a reconstrução da Ucrânia.

    Do lado russo, tudo isso é completamente inaceitável. Portanto, boa sorte para qualquer um que esteja tentando negociar a paz. A China, é claro, ofereceu seus serviços. Mas qualquer plano de paz chinês parece ser bastante favorável à Rússia e, portanto, inaceitável para a Ucrânia.

    A lição da história é que guerras como essa são difíceis de impedir. E quanto mais duram, mais difícil fica de parar. Uma vez que você tenha sofrido baixas muito pesadas, o desejo de fazer a paz realmente diminui porque você diz a si mesmo, bem, nós nos sacrificamos por esses jovens. Não podemos simplesmente devolver o que tomamos ou, no caso da Ucrânia, não podemos simplesmente aceitar a perda.

    Acho que será uma tarefa extremamente difícil negociar uma paz como foi no caso da Guerra da Coreia. De fato, no caso da Coreia nunca houve um acordo de paz. Houve apenas um armistício. E se você for até o meio da península coreana, verá uma zona desmilitarizada grande e muito perigosa. Posso imaginar um resultado como esse no caso da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Esse parece ser o cenário mais provável neste momento.

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