Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Árabes têm dinheiro, Brasil só precisa de projetos viáveis, diz especialista

    Michel Alaby, consultor em comércio exterior especialista em Oriente Médio, conta que Arábia Saudita está expandindo os investimentos em diversos setores para além do petróleo e que Brasil pode ser um parceiro natural em vários deles

    Michel Alaby: "Dinheiro não é um problema, só o fundo soberano saudita tem mais de R$ 4 trilhões"
    Michel Alaby: "Dinheiro não é um problema, só o fundo soberano saudita tem mais de R$ 4 trilhões" Divulgação

    Juliana Eliasda CNN

    São Paulo

    Em meio a uma revisão e modernização de sua economia, ainda em larga escala dependente do petróleo, a Arábia Saudita, dona da segunda maior reserva e maior exportadora de petróleo do mundo, tem projetos e recursos crescentes reservados para áreas tão diversas quanto infraestrutura, sustentabilidade, alimentos e inteligência artificial.

    O Brasil pode ser um grande parceiro nessa empreitada e destino natural para boa parte desse capital – mas isso dependerá de o país ter bons projetos para compartilhar com os parceiros em potencial.

    É esta a análise do consultor em comércio exterior e especialista em Oriente Médio Michel Alaby, sócio da Alaby & Associados, diretor regional no estado de São Paulo da Câmara de Indústria e Serviços do Brasil-Cisbra e da Caesp.

    “Eles prometeram [em 2019] US$ 10 bilhões em investimentos em infraestrutura para o Brasil, mas queriam projetos, só que não foram apresentados projetos e esse dinheiro não veio”, disse Alaby em entrevista à CNN. “Então agora nos falta apresentar projetos viáveis.”

    Alaby, que é consultor da Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e foi secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira por 35 anos, também avalia como positiva a entrada da Arábia Saudita e outros cinco países para o bloco dos Brics, embora entenda que o Brasil perde um pouco de relevância na nova configuração.

    “Em vez de uma relação ‘sul-sul’, o bloco está ficando mais ‘sul-asiático'”, disse.

    Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã foram os primeiros membros confirmados nos Brics para além das iniciais da sigla original, que reúne os fundadores Brasil, Rússia, Índia e China, além da África do Sul.

    As novas adesões foram anunciadas durante a cúpula do bloco realizada em agosto em Joanesburgo.

    Veja a seguir os principais trechos da entrevista com Michel Alaby:

    A Arábia Saudita tem feito planos ambiciosos de diversificação de sua economia. No que consistem esses planos e o que está por trás desses investimentos?

    A Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo. Ela tem um projeto, o Visão 2030, de desenvolver o país não só do ponto de vista das exportações de petróleo, mas também da indústria, do turismo e do agronegócio. Ela depende muito da segurança alimentar e tem dado incentivos para as empresas se instalarem lá, como fez com a BRF, por exemplo, que terá uma planta local para processar frangos e outros alimentos.

    A população da Arábia Saudita é a maior do Oriente Médio, e eles não têm agricultura, não têm como produzir trigo, carne ou outros alimentos no deserto. O custo deles para produzir frango é 2,5 vezes o brasileiro. Cultivar trigo custa para eles quatro vezes mais do que para os Estados Unidos ou a Rússia. Então eles são obrigados a procurar fornecedores alternativos.

    Como o Brasil pode ganhar com isso?

    Eles veem o Brasil como um caminho natural para investimentos em energia alternativa, mineração, farmacêutica e a indústria de defesa e de alimentos.

    O Brasil já é um parceiro importante. Nós dependemos muito da importação de petróleo e de nafta de lá, para fazer fertilizantes. Os sauditas têm petróleo leve, que é diferente do nosso e que precisamos para fazer gasolina. E nós exportamos muita carne para lá, além de frango, milho, soja, açúcar.

    Então o Brasil tem grande potencial para desenvolver essas relações de comércio e investimentos com a Arábia, e dinheiro não é um problema para eles. Só o Fundo de Investimento Público, o fundo soberano da Arábia Saudita, tem mais de R$ 4 trilhões.

    Eles prometeram US$ 10 bilhões em investimentos em infraestrutura aqui, durante o governo Bolsonaro, mas queriam projetos. Só que não foram apresentados projetos e esse dinheiro não veio. Então agora nos falta apresentar projetos viáveis. Um exemplo é a Ferrogrão, a ferrovia de grãos que vai unir Pará, Mato Grosso, Goiás, Tocantins. É de grande interesse para os árabes, porque vai melhorar o fornecimento de soja e de milho, de que eles dependem muito.

    Como o senhor avalia a entrada dos novos membros no Bric?

    A entrada da Arábia Saudita e dos outros países, a partir de 2024, vai fortalecer a multipolaridade, ou seja, um mundo onde os Estados Unidos não são a força máxima.

    A ONU, por exemplo, já não desempenho mais o papel preponderante que tinha nas relações diplomáticas – ela não consegue parar uma guerra. Então a gente vai vendo esses novos blocos que foram surgindo – o G20, o G77, os Brics. E o Brasil pode ter um protagonismo importante nessas relações diplomáticas.

    Há muitas críticas à entrada desses países, como Irã, Arábia Saudita, Egito, que são países autocratas. Mas isso não invalida o poder comercial. Os Estados Unidos, por exemplo, comercializam com a China e com a Arábia Saudita normalmente.

    Essa expansão [dos Brics] também deve permitir, em um futuro próximo, ter uma nova moeda de troca nas relações comerciais, além do dólar. A China já tem transações comerciais com a Arábia Saudita em yuan, por exemplo.

    Com essa expansão, como fica o Brasil? Ele ganhará relevância junto com o Brics, ou acaba perdendo espaço, já que, em vez de um bloco amplo de países emergentes ou do eixo sul, o que se viu foi a entrada primordialmente de nações orientais?

    O grande ganhador, sem dúvidas, foi a China, que se fortalece para contrabalancear o poder americano. Para a China, os novos membros já são grandes parceiros e significam mais comércio, mais investimentos. Ela tem a rota da seda passando por ali. O Irã, por exemplo, vende mais de 50% do petróleo para ela. Os chineses também já têm negócios em yuan com a Arábia Saudita, ajudaram a promover a paz entre a Arábia e o Irã e têm também uma relação muito próxima com a realeza saudita.

    Não significa que, por isso, o Brasil seja perdedor, mas ele perde um pouquinho da relevância, porque, de fato, em vez de uma relação ‘sul-sul’, o bloco está ficando mais ‘sul-asiático’.