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    Apesar de BC indicar Selic em 12,75% ao final deste ano, mercado vê taxa maior

    Juro para levar inflação à meta em 2023 gerou divergências nos últimos dias após falas de presidente da autarquia

    Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicou taxa Selic ao fim de 2022 menor que o esperado pelo mercado
    Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicou taxa Selic ao fim de 2022 menor que o esperado pelo mercado José Cruz/Agência Brasil

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou mais de uma vez na semana passada que espera o fim do ciclo de alta atual da taxa básica de juros, a Selic, em maio, com um valor final de 12,75%. Mas essa não é a opinião majoritária no mercado.

    O Relatório Focus, que reúne as projeções de agentes do mercado, continua apontando uma taxa Selic ao fim de 2022 em 13%. Alguns analistas vão além, e indicam juros em 13,25%.

    Na ata do Copom (Comitê de Política Monetária) da última reunião, o órgão apresentou um cenário de projeções alternativas para a inflação, que hoje é visto como mais provável, que permitiria encerrar a alta de juros em maio. Entretanto, não descartou a necessidade de fazer outra elevação em junho, dependendo do cenário.

    Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, a divergência aberta entre o Banco Central e uma parcela significativa do mercado surgiu devido a visões diferentes sobre a taxa de juros necessária para levar a inflação de 2023 à meta, cujo centro será de 3% e com intervalo de 1,5 ponto percentual para baixo e para cima.

    A visão do Banco Central

    Segundo Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, a visão atual do Banco Central, com a qual ele concorda, é que faria sentido a Selic encerrar o processo de alta em 12,75% devido a alguns fatores.

    O primeiro é o tempo até que as elevações de juros já realizadas impactem no cotidiano e na inflação em si, o que estudos mostram que demora entre 9 a 12 meses.

    “O fato é que muito do que o BC fez lá atrás, da alta, começa a bater na vida real por agora, então, ele avalia que eventualmente é preciso parar para ver como a política monetária já feita vai atingir seus efeitos”, diz.

    O segundo fator é que o Banco Central foi mais rápido que as autarquias de outros países no movimento de elevação de juros, facilitando o combate à inflação. Além disso, Espírito Santo afirma que os juros buscam desaquecer demanda, e os choques inflacionários atuais estão mais ligados à oferta.

    “Temos tido muitos choques de oferta com a pandemia e agora com a guerra. Isso reverbera, vira um efeito dominó e bate nos preços. Subir juros para combater esse tipo de inflação eventualmente não faz sentido”.

    Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research, diz que o Copom tem sinalizado que, com a defasagem no efeito de desinflação pela alta de juros já realizada, uma taxa Selic em 12,75% seria suficiente para levar a inflação para a meta em 2023.

    “O Copom também defende que teve um choque negativo de energia no ano passado, e agora as condições melhoraram, e isso ajuda a reduzir inflação”, afirma. “Eu acho difícil levar a inflação de 2023 para a meta com 12,75%, ainda mais se a expectativa do mercado já está desancorada. É um cenário difícil em 2022, eleições, commodities subindo, exportação de inflação global”.

    Além da projeção de inflação em 2023, André Perfeito, economista-chefe da Necton, diz que o Banco Central também está com uma projeção diferente da do mercado sobre o início da queda da inflação neste ano.

    Roberto Campos Neto afirmou que a inflação deve começar a cair em abril de 2022. Porém, Perfeito avalia que o ambiente atual é de muita incerteza, com muitas variáveis fora de controle do BC, como a guerra na Ucrânia, o que gera volatilidade e mudança de percepções, por exemplo no cenário inflacionário.

    Campos Neto aposta em uma queda da inflação em abril, mas como uma queda em um mês já é tendência de queda? É prudente parar de subir antes de ter clareza maior do processo de acomodação da inflação?

    André Perfeito, economista-chefe da Necton

    Ele afirma que o BC também tem considerado que precisará ter juros menores porque os outros bancos centrais começaram agora o processo de alta de juros, fazendo um “trabalho sujo” no controle de novas pressões inflacionárias e retirando a necessidade de novas altas da Selic depois de maio.

    A visão do mercado

    Já a visão da maior parte do mercado é que, com as projeções de inflação para 2023 subindo semana a semana, inclusive no Relatório Focus, será necessário uma Selic maior para controlá-la, na casa dos 13%.

    Fontes afirma que o BC não deveria correr riscos. “Se o BC estiver errado sobre a persistência da inflação, vai ter que subir a Selic mais depois, e afeta a atividade de qualquer maneira”.

    O economista da Necton considera que a inflação não começará a cair em abril, mas sim em maio, com uma clareza sobre essa tendência apenas em junho, daí a necessidade de ainda subir mais os juros na reunião no mesmo mês.

    Na visão dele, um dos fatores para o alívio da inflação em 2022, a queda do dólar, deve acalmar o resto do ano devido à demanda menor por commodities, fazendo os preços caírem, e os juros começando a subir pelo mundo, reduzindo o diferencial em relação aos brasileiros.

    Há ainda o último dado de inflação, o IPCA-15 de março, considerado uma prévia da inflação oficial, que mostrou um “nível de difusão alto, difícil de lidar”. Por isso, Perfeito afirma que, mesmo com a previsão atual, o cenário com que o BC precisará lidar “pode ser outro na reunião de maio”.

    Já Espírito Santo lembra que o mercado trabalha usando modelos, com restrições, simplificações e hipóteses.

    “Os nossos modelos mostram que para combater uma inflação de x, precisa de juros em y. Muitas vezes os modelos podem ter premissas que não ocorrem, e aí apontam para números que eventualmente podem não ser os mais adequados. Acho que é esse o caso”, diz.

    Ele avalia que os modelos podem mudar a qualquer momento dependendo do cenário, assim como as próprias projeções do mercado. Entretanto, pontua que a inflação brasileira ainda possui um componente inercial alto, que precisará ser controlado.

    “O que o BC fez na última reunião, e foi explicitado do comunicado à ata, foi explicar o cenário. Há o comum e um alternativo. O primeiro seria o petróleo em torno de US$ 120, o segundo, em US$ 100”, afirma.

    O economista avalia que essa criação de cenários pode acabar “confundindo a cabeça das pessoas”, e do próprio mercado, mas que no momento o Banco Central vê sentido em fazer e comunicar essas ações.

    Esforço de comunicação

    Para o Perfeito, Campos Neto talvez queira mostrar que já houve ajuste relevante, indicando que já subiu muitos os juros. “Quer dizer que não dá para ficar subindo 100 pontos-base toda hora, porque a inflação também tem outros motivos, dinâmicas. Mas também não quer perder as expectativas de 2023. É um desafio de ancorar curto e médio prazo através de falas. Às vezes vai errar a mão, não tem como acertar sempre”, avalia.

    Mesmo assim, ele diz que é bom que a autarquia se comunique com o mercado, já que ajuda os investidores a ter uma direção, e a aliviar temores naturais com o quadro atual de incerteza.

    Ele afirma que nenhum banco central está conseguindo ancorar as expectativas de inflação. Nos Estados Unidos, por exemplo, dirigentes do Federal Reserve já sugerem uma alta de juros de 0,5 ponto percentual em vez dos 0,25 apontados em março.

    “O instrumento de comunicação, dado a volatilidade, encontra dificuldade de se operacionalizar. Seria até fácil dizer que o BC está errando na comunicação, vide a ata com comunicação divergente, mas é mais importante reforçar a ideia da volatilidade elevada, porque é um jeito de mostrar que o cenário é de cautela”.

    Mesmo discordando da visão do presidente da autarquia, Marilia Fontes também vê o esforço do Banco Central em ser mais transparente como positivo. “A crítica é mais no sentido de que está se travando muito antes no próximo passo da política monetária, sendo que não precisaria”.

    O mercado não está acreditando na tese do BC, e vem mês após mês desancorando as expectativas de inflação para 2023. Se é verdade que o Banco Central vai perseguir o centro da meta, que vai ser 3%, precisa falar como vai chegar lá

    Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research

    O risco que o Banco Central corre, segundo ela, é de perder credibilidade ao errar em suas projeções, e isso também pode ter um custo. Para a economista, a autarquia parece indicar que pretende deixar a Selic em um valor alto por mais tempo, ao invés de elevá-la ainda mais.

    Alexandre Espírito Santo afirma que nenhuma autoridade monetária consegue antecipar todos os seus movimentos com clareza, e as falas feitas pelos seus membros são sugestões baseadas no momento em que estão e nas informações que possuem.

    “O Banco Central está certo de passar as expectativas para o mercado, afinal é o que ele tem no momento”.