Acordos internacionais assinados pelo Brasil “dormem” no Planalto; Reino Unido pede pressa
Levantamento feito pela CNI a pedido da CNN aponta que outros oito acordos já assinados pelo governo brasileiro estão parados no Planalto
Firmado em novembro de 2022, após anos de exaustivas negociações, um dos acordos mais importantes para estimular negócios entre o Brasil e o Reino Unido travou no Palácio do Planalto.
O acordo para evitar a dupla cobrança de impostos de companhias com atuação nos dois países está completando sete meses sem que tenha sido enviado do Poder Executivo ao Congresso Nacional, que precisa ratificar tratados internacionais. Não é o único caso.
Em levantamento feito a pedido da CNN, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que outros oito acordos já assinados pelo governo brasileiro estão parados no Planalto, à espera da assinatura presidencial e do envio para análise do Congresso.
Um deles, o acordo de cooperação e facilitação de investimentos (ACFI) com o Chile, está parado desde 2018. A convenção sobre indicações geográficas do Mercosul, que protege produtos com denominação de origem, aguarda movimentação desde 2019.
Fazem parte da lista os tratados de bitributação com Reino Unido, Índia, Coreia do Sul e Chile.
Também aguardam em gavetas palacianas um acordo previdenciário com a Áustria, um acordo de serviços aéreos com a Colômbia e um acordo de comércio eletrônico com os demais países do Mercosul.
Frustração em Londres
A paralisia frustra os britânicos. O enviado especial do primeiro-ministro para comércio com o Brasil, Marco Longhi, esteve em Brasília na semana passada e colocou esse tema no topo de suas prioridades.
Em entrevista à CNN, Longhi afirma que as conversas “desaceleraram” com o Brasil para a ratificação do acordo. Ele vê uma “mistura de razões técnicas e políticas” para isso, mas admite que a troca de governo pode ter gerado dúvidas na Receita Federal — responsável pelas negociações — e no Planalto.
“É claro que fico um pouco desapontado. Tenho receio de uma abordagem mais dogmática, mas espero que não seja o caso. Até porque mandaria um sinal terrível para empresas britânicas no Brasil e empresas brasileiras no Reino Unido”, afirmou.
Segundo dados do Banco Central, o Reino Unido tem investimentos acumulados de mais de US$ 25 bilhões no Brasil. São multinacionais como Unilever, Anglo American, AstraZeneca e Shell, BP. Do outro lado, o Brasil tem cerca de US$ 5 bilhões investidos no Reino Unido.
O acordo de bitributação evita, por exemplo, a dupla cobrança de Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ). “Nosso comércio e nossos negócios estão abaixo do potencial que existe. Posso ver imensos benefícios para o Brasil no longo prazo”, disse Longhi, que é parlamentar britânico e casado com uma brasileira.
Ele morou no país, por quase cinco anos, trabalhando em uma empresa de prestação de serviços à Petrobras.
“Entendo a preocupação da Receita Federal com alguma perda de arrecadação [como resultado do acordo], principalmente no começo, mas o crescimento dos negócios torna a geração de receitas muito maior”.
“Em vez de a Receita Federal ficar com um pedaço do bolo de hoje, que é pequeno, o Brasil ficará com um pedaço talvez um pouco menor, mas de um bolo muito, muito maior, que vai acompanhar o desenvolvimento mais intenso dos negócios bilaterais”.
O que acontece no Reino Unido
De acordo com Longhi, o Reino Unido já tem mais de 100 acordos para evitar a dupla tributação, o que inclui tratados em vigência com todos os países do G-20, exceto o Brasil.
O governo do primeiro-ministro Rishi Sunak, segundo ele, enviará o acordo com o Brasil nesta terça-feira (27) para análise do Parlamento. Ele não prevê empecilhos ou demora para a aprovação do lado britânico.
Na visita ao Brasil, na semana passada, o enviado de Sunak reuniu-se com os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema, e do Rio de Janeiro, Claudio Castro. Aos governadores e parlamentares brasileiros que lhe pedem mais investimentos do Reino Unido em seus estados, Longhi sugere fazer pressão política no Planalto.
“No momento, muitas empresas britânicas não entram no Brasil e as empresas brasileiras não olham para o Reino Unido porque há barreiras de acesso. O DTA [acordo de bitributação] é provavelmente a mais significativa medida para destravar esses negócios”, ressaltou à CNN.
Outro lado
A CNN procurou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República e a Receita Federal, mas ainda não recebeu resposta sobre os motivos da lentidão no envio dos acordos ao Congresso.