OPINIÃO
O racismo na sala de aula
Aí a criança de quatro anos chega para a mãe e diz que não quer mais usar o cabelo cacheado crespo e quer ele preso. A mãe se espanta e começa a investigar o porquê dessa decisão tão repentina da pequena Helena, que logo expõe “porque os amiguinhos da escola estão rindo do meu cabelo”. Acompanho relatos como este há mais de 30 anos em palestras e seminários, nos quais sempre tratei o problema com bastante serenidade. Mas quando ouvi esta semana o relato da minha filha, e a criança em questão era a minha neta, a reação foi bem diferente das que tive até agora, um mix de revolta e desesperança com o espaço escolar neste país.
Confesso que nunca havia me deparado com esse tipo de problema na prática com minhas duas filhas, que nessa idade podiam expor seus cabelos crespos com naturalidade, mas com um detalhe: estudavam em escolas públicas, onde a maioria dos coleguinhas era dos mesmos fenótipos delas, diferente da pequena Helena, em que apenas dois coleguinhas na escola se parecem com ela, o filho de um jogador de basquete, a filha de uma indiana e mais ninguém, uma escola onde a mensalidade ultrapassa a renda mensal de 90% dos brasileiros.
O que fazer no caso da Helena, voltar com ela para a escola pública de maioria negra, com suas estruturas cada vez mais sucateadas por políticas públicas excludentes, onde mais de 90% dos alunos que terminam o ensino médio saem sem conhecimento adequado em matemática e português – ou seja, um espaço de exclusão educacional, que segrega e potencializa o racismo estrutural que lá na frente se mostrará na disputa do mercado de trabalho, das oportunidades e do desenvolvimento econômico, onde brancos mais preparados pelas escolas particulares sairão na frente -, ou deixo a pequena Helena ir já se acostumando a enfrentar todo tipo de agressão que uma sociedade racista como a nossa delibera a pessoas pretas já na infância?
Os dois caminhos mostram uma única realidade, de que tanto o ensino público de fenótipo negro como o privado de exclusão negras contribuem para manter o status quo das desigualdades e do racismo que não perdoam nem uma criança de quatro anos. Parece uma decisão fácil, manter Helena e prepará-la para o racismo que terá que enfrentar a começar na sala de aula, mas ter que tomar uma decisão dessas justamente em um período em que um aluno negro não aguentou esse tipo de pressão e se suicidou no colégio de elite aqui de São Paulo mostra que não existe decisão fácil quando o racismo entra em campo.
Lutar por uma educação inclusiva, que esteja preparada para os desafios cada vez mais presentes como o racismo, a exclusão social, digital e outras estruturas excludentes, tem sido minha missão há décadas e me orgulha ter sido participante das discussões acerca da Lei n. 10.639, que obriga o ensino da África e seus descendentes nas escolas brasileiras, de ter formado mais de 30 mil professores em educação étnica racial pela Secretaria de Igualdade Racial do município, quando fui secretário da pasta aqui em São Paulo, de hoje ser investidor do “Alicerce Educação”, instituição que trabalha no reforço escolar do contra turno de escolas publicas em diversos estados, tem sido minha contribuição. Mas quando vejo casos como o de Helena ou do aluno que se suicidou no colégio de elite mostram que há muito ainda a ser realizado e me remete também a uma frase que minha mãe dizia, que “a educação começa em casa”. É o que eu diria para os pais dos amiguinhos da Helena, sem eximir a responsabilidade da escola na luta antirracista.