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    Paulo Gala
    Coluna

    Paulo Gala

    Ajudo as pessoas a Desmistificar a Economia. Posts sobre Economia e Finanças. Autor, Investidor, Professor na FGV/SP, Economista-Chefe do Banco Master

    OPINIÃO

    O papel do gasto primário do governo no Brasil: uma análise histórica e perspectivas atuais

    O gasto primário do governo tem sido um dos principais impulsionadores do PIB no Brasil. O crescimento da demanda agregada é influenciado diretamente pela expansão ou contração dos gastos do governo, e a variação do gasto primário sobre o PIB oferece uma medida eficaz para avaliar a velocidade com que a demanda se expande ou se retrai. Isso ocorre porque, ao contrário do resultado primário (superávit ou déficit), que inclui efeitos da arrecadação tributária e variação do PIB, a análise do gasto primário isola o impacto direto das despesas do governo sobre a economia. Esse enfoque ajuda a entender como políticas fiscais expansionistas ou contracionistas influenciam o PIB e, consequentemente, a própria arrecadação do governo.

    Durante os dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, o aumento do gasto primário foi essencial para o crescimento econômico, com foco em investimento público, programas sociais (como o Bolsa Família) e valorização do salário mínimo. O aumento da atividade econômica expandiu a arrecadação, permitindo superávits primários robustos e crescimento médio do PIB de 4,5% ao ano, com uma média de aumento de 5,0% real na despesa publica no período. A taxa Selic também passou por uma redução significativa, de uma média de 25,2% no governo anterior para 15,2%.

    Durante o primeiro ano do mandato de Lula, houve uma redução do gasto real, mas a partir de 2004 o crescimento acima do PIB voltou a impulsionar a economia. No segundo mandato, o gasto primário acelerou em 2007, mas desacelerou fortemente em 2008, com a crise internacional, até voltar a crescer em 2009 com a política fiscal anticíclica para enfrentar os impactos da crise.

    No governo Dilma Rousseff o aumento do gasto primário continuou, mas o cenário econômico começou a enfraquecer. A política de estímulo ao consumo e manutenção dos programas sociais sustentou o crescimento inicialmente, mas a desaceleração econômica global e a queda dos preços das commodities reduziram a base de arrecadação. Apesar de um crescimento médio do PIB de apenas 1%, a despesa primária aumentou em média 3,0% ao ano.

    A taxa Selic média foi reduzida para 10,6%. A transição entre Lula e Dilma foi marcada por desaceleração no gasto primário, que cresceu abaixo do PIB em 2011. No entanto, o ajuste foi curto, e o cenário internacional adverso levou a nova expansão fiscal em 2012, com o gasto primário crescendo acima do PIB. No segundo mandato, Dilma enfrentou um corte severo nas despesas primárias, que caíram em termos reais em 2015 devido à forte queda do nível de renda.

    Com o governo de Michel Temer e depois Jair Bolsonaro a política de austeridade entrou em vigor com a implementação do teto de gastos em 2016, limitando o crescimento do gasto primário. Esse controle, mesmo com a redução da taxa Selic para uma média de 7,0% no período, resultou em baixo crescimento econômico, ainda que houvesse algum estímulo temporário durante a pandemia de COVID-19 em 2020, quando o aumento emergencial do gasto público impulsionou o PIB a curto prazo. Após a pandemia a contenção de gastos emergenciais levou a uma desaceleração em 2021 e 2022.

    O governo Temer começou com expansão fiscal em 2016, mas a despesa primária real foi reduzida no ano seguinte. Em 2018, a expansão fiscal retornou, com o gasto primário crescendo acima do PIB. Sob Bolsonaro, o aumento temporário de gastos durante a pandemia também elevou o crescimento do PIB, mas essa política foi revertida com o fim dos auxílios emergenciais e o retorno das limitações impostas pelo teto de gastos.

    Com o retorno de Lula à presidência em 2023, houve um foco renovado no aumento do gasto primário, impulsionado pela PEC de transição, que permitiu despesas fora do teto de gastos. O fortalecimento do Bolsa Família, o aumento do salário mínimo acima da inflação e a expansão das despesas assistenciais e previdenciárias sustentam uma fase de expansão econômica, com efeitos diretos sobre a demanda agregada e o crescimento do PIB mesmo com taxa SELIC ainda elevada.

    A análise histórica mostra que o gasto fiscal primário tem sido importante para o crescimento da demanda agregada no Brasil. Quando a política fiscal aumenta o gasto público de forma sustentável, a economia responde positivamente. Em momentos de contenção de gastos, o crescimento tende a ser mais baixo ou retraído. O novo ciclo de expansão fiscal sob Lula III busca recuperar esse potencial de crescimento dentro de um arcabouço fiscal que equilibra responsabilidade e estímulo econômico, com foco em setores estratégicos para ampliação da base de arrecadação e crescimento sustentável. Porém se o gasto público voltar a crescer muito acima do PIB poderemos ter problemas como os que se viram em 2014 e 2015.